sábado, 25 de junho de 2011

Ney Mandarino

          Como imagino que grande parte dos queridos parceiros deste blog não saiba quem foi Ney Mandarino, falecido há poucos dias aos 80 anos, presto agora um emocionado tributo àquele que todos consideravam como o melhor camareiro que já existiu no teatro brasileiro - seu apelido era fiel camareiro, uma alusão ao  personagem da peça do inglês Ronald Harwood.

          Ney começou a trabalhar no teatro aos 16 anos, como camareiro da atriz Henriette Morineau - portanto, exerceu sua profissão por mais de 60 anos. E prestou seus inestimáveis serviços a nomes como Fernanda Montenegro, Tônia Carrero, Eva Todor, Cleyde Yáconis, Paulo Autran, Nicette Bruno e Aracy Balabanian. Mas suas relações mais longas foram com Ivan de Albuquerque e Rubens Corrêa, e Marília Pêra.

          Eu o conheci quando da inauguração do Teatro Ipanema, que iniciou suas atividades em 1968 com dois espetáculos: "O Jardim das Cerejeiras", de Tchecov, destinado ao público adulto, e a primeira versão de "Aprendiz de Feiticeiro", de Maria Clara Machado, dirigido ao público infantil, do qual participava como ator. Ficamos oito meses em cartaz com o "Aprendiz" e, no ano seguinte, sempre sob a batuta de Maria Clara, e ainda no Ipanema, participei do "Pluft, o fantasminha", também como ator.

           Pois bem: foram praticamente dois anos de intensa convivência com Ney Mandarino. E, nos meus 18 e 19 anos, fiquei absolutamente fascinado não apenas com sua competência, mas também com seu humor, humanidade e extrema capacidade de ser parceiro em todos os momentos.

          No quesito "profissionalismo", Ney era insuperável. Chegava ao teatro com horas de antecedência, verificava obsessivamente todos os detalhes dos bastidores - e não apenas os que lhe diziam respeito mais diretamente, como os figurinos -, mas também a contra-regra, os objetos de cena a serem usados etc. E sempre exibindo um bom humor que a todos contagiava. 

          Não contente, ainda procurava saber se os atores estavam bem, se haviam se alimentado corretamente, se estavam descansados para o espetáculo e, eventualmente, quando um de nós chegava exibindo alguma tensão, logo se aproximava para saber o que estava acontecendo e tentava, com humor e delicadeza, tornar o clima mais leve - Ney acreditava piamente que, se uma coxia está feliz, as chances de o espetáculo dar certo eram fatalmente maiores, no que estava absolutamente correto.

          E quando, também eventualmente, percebia que dois atores não estavam se "entendendo muito bem", tratava logo de conversar com ambos, sempre valendo-se, como já foi dito, de humor e delicadeza. E como, já naquela época, tinha vastíssima experiência, todos acabavam acatando suas "ordens".

          Ney Mandarino passava nossas roupas com uma competência que sempre julguei sobrenatural. E as colocava em nossos camarins de forma tão elegante que às vezes tinha a sensação de que estava me trocando numa loja chiquérrima. Aliás, Ney era chiquérrimo e seus sapatos, não necessariamente novos, luziam como se tivessem sido comprados meia-hora antes.

          Um dia lhe perguntei por que amava tanto ter seus sapatos reluzindo. E ele me respondeu: "Ora, Lionel: quando você conhece uma pessoa, a primeira coisa que ela olha é para seus pés. Sapatos impecáveis são o ponto de partida para o que a vida pode oferecer de melhor".

          Eu ri muito, ele também, e nossa convivência foi sempre assim: impregnada de risos e, no que concerne a mim, aproveitei ao máximo sua sabedoria, e sempre o atormentava para que me contasse - com detalhes - suas experiências por todos os camarins em que atuara. Ele me satisfazia sempre e de bom grado, e quando o assunto era, digamos assim, mais "picante", me levava para um canto, baixava o tom de voz e, como se estivéssemos num confessionário, me narrava passagens deliciosas que poucos conheciam.

          Era, enfim, um profissional brilhante e um parceiro infalível. E se, por um lado, não aparecia em cena, a cena certamente não apareceria  se nos bastidores não estivesse alguém como o inesquecível Ney Mandarino.

          Assim, amigo, aonde quer que você esteja, só posso acreditar que continua sendo querido, respeitado e insubstituível. E agradeço à vida o privilégio de ter convivido com uma pessoa tão especial como você. Espero um dia merecer revê-lo. (LF)
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2 comentários:

  1. Belo tributo ao grande Ney. Um homem de teatro. Bravo!!

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  2. Conheci SEO Ney na década de 80, durante a tour "Bincando em Cima Daquilo", monólogo com Marília Pera, e ele era o camareiro dela.
    Seo Ney nos divertia com o seu conhecimento teatral. Sabia de cor o elenco de diversas peças da história do teatro brasileiro, conhecia tudo e todos. As conversas com ele eram verdadeiras aulas sobre o teatro brasileiro.
    Hoje me lembrei dele e vim ao Google para saber por onde andava. Nos deixou há anos, pena. Que esteja na luz Seo Ney !

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