quinta-feira, 2 de junho de 2011

Padre Antônio Vieira

          Nascido em Lisboa em 06 de fevereiro de 1608 e falecido na Bahia em 18 de julho de 1697, Padre Antônio Vieira foi escritor e orador da Companhia de Jesus. Um dos mais influentes personagens do século XVII em termos de política e oratória, destacou-se como missionário em terras brasileiras. Nesta qualidade, defendeu infatigavelmente os direitos humanos dos povos indígenas combatendo a sua exploração e escravização e fazendo a sua evangelização. Era por eles chamado de Paiaçu (Grande Pai/Pai, em tupi).

           Antônio Vieira defendeu também os judeus, a abolição da distinção entre cristãos-novos (judeus convertidos, perseguidos à época pela Inquisição) e cristãos-velhos (os católicos tradicionais), e a abolição da escravatura. Criticou ainda severamente os sacerdotes de sua época e a própria Inquisição. Na literatura, seus sermões possuem considerável importância no barroco brasileiro e português.

          A seguir, trechos de alguns de seus sermões.

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        “Toda a vida (ainda das coisas que não têm vida) não é mais que uma união. Uma união de pedras é edifício: uma união de tábuas é navio: uma união de homens é exército. E sem essa união, tudo perde o nome e mais o ser. O edifício sem união é ruína: o navio sem união é naufrágio: o exército sem união é despojo. Até o homem (cuja vida consiste na união de alma e corpo) com união é homem, sem união é cadáver.

          Por mais alta que esteja a cabeça, se não está unida é pés. Por mais ilustre que seja o ouro, se não está unido é barro. Nobreza e desunida, não pode ser, pois em sendo desunida, deixa de ser nobreza. É vileza.
 
          Para derrubar um reino e muitos reinos onde há desunião, não são necessárias baterias; não são necessários canhões; não são necessários trabucos; não são necessárias balas, nem pólvora. Basta uma pedra: o lápis.

          Estes são os poderes do tempo sobre o amor. Mas sobre qual amor? Sobre o amor humano, que é fraco; sobre o amor humano, que é inconstante; sobre o amor humano, que não se governa por razão, senão por apetite; sobre o amor humano, que, ainda quando parece mais fino, é grosseiro e imperfeito. O amor, a quem remediou e pôde curar o tempo, bem poderá ser que fosse doença, mas não é amor. O amor perfeito, e que só merece o nome de amor, vive imortal sobre a esfera da mudança, e não chegam lá as jurisdições do tempo. Nem os anos o diminuem, nem os séculos o enfraquecem, nem as eternidades o cansam.

           Diz-nos Agostinho que o amor que é verdadeiro tem obrigação de ser eterno, porque, se em algum tempo deixou de ser, nunca foi amor. Notável dizer! Em todas as outras coisas o deixar de ser é sinal de que já foram; no amor o deixar de ser é sinal de nunca ter sido. Deixou de ser? Pois nunca foi. Deixastes de amar? Pois nunca amastes. O amor que não é de todo o tempo, e de todos os tempos, não é amor, nem foi, porque se chegou a ter fim, nunca teve princípio. É como a eternidade, que se, por impossível, tivera fim, não teria sido eternidadeSermão do Mandato.

          "...O maior jugo de um reino, a mais pesada carga de uma república são os seus imoderados tributos. Se queremos que sejam leves, se queremos que sejam suaves, repartam-se por todos"
Sermão de Santo Antônio.


 “Se esta havia de ser a paga e o fruto de nossos trabalhos, para que foi o trabalhar, para que foi o servir, para que foi o derramar tanto e tão ilustre sangue nestas conquistas? Para que abrimos os mares nunca dantes navegados? Para que descobrimos as regiões e os climas não conhecidos? Para que contrastamos os ventos e as tempestades com tanto arrojo, que apenas há baixio no oceano, que não esteja infamado com miserabilíssimos naufrágios de portugueses? E depois de tantos perigos, depois de tantas desgraças, depois de tantas e tão lastimosas mortes, ou nas praias desertas sem sepultura, ou sepultados nas entranhas dos Alarves, das feras, dos peixes, que as terras que assim ganhamos, as hajamos de perder assim! Oh!, quanto melhor nos fora nunca conseguir, nem intentar tais empresas!”. Sermão pelo bom sucesso das armas de Portugal contra as da Holanda.

       “Todos nos cansamos em guardar Portugal dos Castelhanos, e devêramo-nos cansar mais em o guardar de nós. Guardemos o nosso Reino de nós, que nós somos os que lhe fazemos a maior guerra" Sermão pelo bom sucesso das nossas armas.

“Dos animais terrestres o cão é tão doméstico, o cavalo tão sujeito, o boi tão serviçal, o bugio tão amigo ou tão lisonjeiro, e até os leões e os tigres com arte e benefícios se amansam. Dos animais do ar, afora aquelas aves que se criam e vivem conosco, o papagaio fala, o rouxinol nos canta, o açor nos ajuda e nos recreia; e até as grandes aves de rapina, encolhendo as unhas, reconhecem a mão de quem recebem o sustento. Os peixes, pelo contrário, lá se vivem nos seus mares e rios, lá se mergulham nos seus pegos, lá se escondem nas suas grutas, e não há nenhum tão grande que se fie do homem, nem tão pequeno que não fuja dele”.

“…Vede, peixes, quão grande bem é estar longe dos homens. Perguntado um grande filósofo qual era a melhor terra do Mundo, respondeu que a mais deserta, porque tinha os homens mais longe”.

“... Cuidais que só os Tapuias se comem uns aos outros? Muito maior açougue é o de cá, muito mais se comem os Brancos. Vedes vós todo aquele bulir, vedes todo aquele andar, vedes aquele concorrer às praças e cruzar as ruas; vedes aquele subir e descer as calçadas, vedes aquele entrar e sair sem quietação nem sossego? Pois tudo aquilo é andarem buscando os homens como hão-de comer e como se há-de comer. Morreu algum deles, vereis logo tantos sobre o miserável a despedaçá-lo e comê-lo. Comem-no os herdeiros, comem-no os testamenteiros, comem-no os legatários, comem-no os credores; comem-no os oficiais dos órfãos e os dos defuntos e ausentes; come-o o médico, que o curou ou ajudou a morrer; come-o o sangrador que lhe tirou o sangue; come-o a mesma mulher, que de má vontade lhe dá para a mortalha o lençol mais velho da casa; come-o o que lhe abre a cova, o que lhe tange os sinos, e os que, cantando, o levam a enterrar; enfim, ainda o pobre defunto o não comeu a terra, e já o tem comido toda a terra”.

“Vede um homem desses que andam perseguidos de pleitos ou acusados de crimes, e olhai quantos o estão comendo (…) São piores os homens que os corvos. O triste que foi à forca, não o comem os corvos senão depois de executado e morto; e o que anda em juízo, ainda não está executado nem sentenciado, e já está comido”.

“A diferença que há entre o pão e os outros comeres, é que para a carne, há dias de carne, e para o peixe, dias de peixe, e para as frutas, diferentes meses no ano; porém o pão é comer de todos os dias, que sempre e continuadamente se come; e isto é o que padecem os pequenos. São o pão quotidiano dos grandes; e assim como o pão se come com tudo, assim com tudo e em tudo são comidos os miseráveis pequenos, não tendo nem fazendo ofício em que os não carreguem, em que os não multem, em que os não defraudem, em que os não comam, traguem e devorem …"
Sermão de Santo Antônio.

         “ … Para um homem se ver a si mesmo, são necessárias três cousas: olhos, espelho e luz. Se tem espelho e é cego, não se pode ver por falta de olhos; se tem espelho e olhos, e é de noite, não se pode ver por falta de luz. Logo, há mister luz, há mister espelho e há mister olhos. Que cousa é a conversão de uma alma, senão entrar um homem dentro em si e ver-se a si mesmo? Para esta vista são necessários olhos, é necessária luz e é necessário espelho. O pregador concorre com o espelho, que é a doutrina; Deus concorre com a luz, que é a graça; o homem concorre com os olhos, que é o conhecimento”.
        
         “Palavras sem obras são tiros sem bala; atroam, mas não ferem (…) O pregar que é falar, faz-se com a boca; o pregar que é semear, faz-se com a mão. Para falar ao vento, bastam palavras; para falar ao coração, são necessárias obras”.
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         “As razões não hão-de ser enxertadas, hão-de ser nascidas (…) As razões próprias nascem do entendimento, as alheias vão pegadas à memória, e os homens não se convencem pela memória, senão pelo entendimento”. Sermão da Sexagésima.

         “Como pode ser que coubessem em tão pequeno lugar tantos animais, tão grandes e tão feros? O leão, para quem toda a Líbia era pouca campanha; a águia, para quem todo o ar era pouca esfera; o touro, que não cabia na praça; o tigre, que não cabia no bosque; o elefante, que não cabia em si mesmo. Que todos estes animais e tantos outros de igual fereza e grandeza coubessem juntos em uma arca tão pequena?! Sim, cabiam todos, porque, ainda que a arca era pequena, a tempestade era grande”. Sermão do primeiro domingo do Advento”, III.

         “Porque nem a Primavera com as suas flores, nem o Estio com as suas espigas, nem o Outono com os seus frutos, nem o Inverno com os seus frios e neves, por mais tolhido e entorpecido que pareça, podem estar parados um momento. Passam as horas, passam os dias, passam os anos, passam os séculos, e se houvesse hieróglifo com que se pudessem pintar, havia de ser todos com asas, não só correndo e fugindo, mas voando e desaparecendo”.
Sermão do primeiro domingo do Advento”, IV.

         “Dito foi do grande filósofo Heraclito, alegado e celebrado por Sócrates, que «nenhum homem podia entrar duas vezes em um rio». E por quê? Porque quando entrasse a segunda vez, já o rio, que sempre corre e passa, é outro. E de aqui infiro eu que o mesmo sucederia se não fosse rio, senão lago ou tanque aquele em que o homem entrasse; porque ainda que a água de lago e do tanque não corre, nem se muda, corre porém e sempre se está mudando o homem, que «nunca permanece no mesmo estado». Assim o disse Job, e quem o não disser assim de todo o homem, e de si mesmo, não se conhece”. Sermão do primeiro domingo do Advento”, V.
“Deus, por sua imensidade, está em toda a parte, e não só conosco, senão em nós, em qualquer lugar onde estivermos. Logo não é necessário invocar a Deus enquanto está no céu, pois também o temos na terra quanto mais que invocá-lo no céu, parece que é afastarmos a Deus de nós, e orar de longe, quando fora mais conveniente e mais conforme ao afeto da devoção fazê-lo de perto. Não é mais conveniente falarmos com Deus onde ele está e nós estamos, que onde ele está e nós não?” Sermão da Rosa Mística, sermão I, III.
“O sagrado e o de Deus no último lugar; nós e o nosso no primeiro. Oram os homens como vivem. Os interesses e conveniências temporais diante de tudo, como se faz na vida; o de Deus, o da consciência, o da alma lá para o fim, como se faz na morte”. Sermão da Rosa Mística, sermão I, V.

            “É a guerra aquele monstro que se sustenta das fazendas, do sangue, das vidas, e quanto mais come e consome, tanto menos se farta. É a guerra aquela tempestade terrestre, que leva os campos, as casas, as vilas, os castelos, as cidades, e talvez em um momento sorve os reinos e monarquias inteiras. É a guerra aquela calamidade composta de todas as calamidades, em que não há mal algum que, ou se não padeça, ou se não tema, nem bem que seja próprio e seguro. O pai não tem seguro o filho, o rico não tem segura a fazenda, o pobre não tem seguro o seu suor, o nobre não tem segura a honra, o eclesiástico não tem segura a imunidade, o religioso não tem segura a sua cela; e até Deus nos templos e nos sacrários não está seguro”. Sermão Histórico e Panegírico nos Anos da Rainha D. Maria Francisca de Sabóia”, II.

           “A vida sempre caminha ao mesmo passo, porque segue o curso do tempo: a morte nenhuma ordem guarda no caminhar, nem ainda no ser. Umas vezes é uma anatomia de ossos que anda, outras um cavaleiro que corre, outras uma foice que voa. Para estes vem andando, para aqueles correndo, para os outros voando. Se a morte, ou para todos andara, ou para todos correra, ou para todos voara, era igual a morte. Mas andar para uns, para outros correr, e para mim voar? Oh! morte, quem te cortara as asas. Mas bem é que bata as asas, para que nos abatamos as rodas. Pinta-se a morte com uma foice segadora na mão direita, e um relógio com asas na mão esquerda. Se alguma hora foi assim a morte, troque-se daqui por diante a pintura, que já não é assim. Tirou a morte as asas do relógio da mão esquerda, e passou-as à foice da mão direita, porque é mais apressada a foice da morte em cortar que o relógio da vida em correr. Ainda quando a morte não voa, corre mais que a vida”.
Sermão nas exéquias de D. Maria de Ataíde”, III.

“Entender muito e viver muito, ou no entendimento é engano, ou na vida milagre. A razão disto a meu juízo deve ser porque cada um sente como entende. Quem entende muito não pode sentir pouco, e quem sente muito não pode viver muito. O homem é vivente, sensitivo e racional: o racional apura o sensitivo, e o sensitivo apurado destrói o vivente”. Sermão nas exéquias de D. Maria de Ataíde”, V.

            “Os dias desta vida são dias nossos. Se foram nossos, tivéramo-los em nosso poder, e estivera em nossa mão lográ-los. Mas estão em poder de tantos tiranos quantas são as misérias da vida: só os dias da eternidade são dias nossos, porque ninguém no-los pode tirar”. Sermão nas exéquias de D. Maria de Ataíde, VII.

“Os primeiros tiranos da formosura são os anos, e a sua primeira morte é o tempo. Debaixo do império da morte acaba, debaixo da tirania do tempo muda-se; e se alguém perguntara à formosura qual lhe está melhor, se a morte ou a mudança, não há dúvida que havia de responder: Antes morta que mudada. A formosura morta sustenta-se na memória do que foi: a formosura mudada afronta-se no testemunho do que é. A vitória que da formosura alcança a morte é um rendimento secreto: cobre-o a terra: a vitória que da formosura alcança o tempo é um triunfo público: todos a vêem; e trazer o epitáfio no rosto, ou tê-lo na sepultura, vai muito a dizer”. Sermão nas exéquias de D. Maria de Ataíde, VIII.

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Um comentário:

  1. Quanta coisa boa reunida no mesmo lugar...
    vou procurar alguma obra completa do Padre Antônio Vieira,porque realmente valeu a pena conhecer..

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