segunda-feira, 4 de maio de 2009

Teatro/CRÍTICA

"Play"

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Verdades e mentiras em ótimo espetáculo


Lionel Fischer


Lançado em 89, o filme "Sexo, mentiras e videotape", do norte-americano Steven Soderbergh, fez enorme sucesso, tendo sua original narrativa estruturada em cima de conturbadas relações amorosas, traições e depoimentos femininos sobre experiências sexuais gravados em vídeo.
Em "Play", de Rodrigo Nogueira, livremente inspirada no filme, os temas são os mesmos, mas há uma diferença. No filme, o homem gravava depoimentos de mulheres em vídeo por não conseguir mais manter relações sexuais "ao vivo". No texto de Nogueira, o personagem Jonas é convertido em um artista envolvido em um projeto, que não se chega a saber exatamente qual seja, mas que de certa forma se insere na realidade dos personagens.
Em cartaz no Teatro Solar de Botafogo, "Play" chega à cena com direção de Ivan Sugahara e elenco formado por Rodrigo Nogueira (João), Ana (sua esposa, Daniela Galli), Cyntia (amante de João, Maria Maya) e Jonas Gadelha (Jonas, o que filma as mulheres).
Para os que não assistiram ao filme e tampouco a esta montagem, vamos sintetizar o enredo. Este gira em torno de um triângulo amoroso. João é casado com a reprimida Ana, mas a trai com a sensual cunhada Cyntia. E a presença de Jonas, amigo de João, contribui para desestabilizar essas relações, tanto através de sua presença como dos vídeos que grava.
Estamos diante de um texto que, sem dúvida, exibe muitas qualidades, ainda que inspirado em outra obra. E dentre essas qualidades destacamos a agilidade dos diálogos, a pertinência dos temas abordados e os ótimos personagens, em total sintonia com algumas das questões mais relevantes de nossa época no que tange a relações amorosas, dentre elas a conveniência ou não do estabelecimento de limites entre intimidade e sexo.
Como ressalva, apontamos somente uma certa insistência do autor, em algumas passagens, de criar diálogos excessivamente picotados, cujo objetivo certamente é exibir uma dificuldade de entendimento, um medo de entrega, mas que às vezes soa forçado, por demais "construído", por demais "cerebral" - e a tal ponto que, eventualmente, temos a sensação de que os personagens ou são meio surdos ou não dominam o mesmo idioma.
Com relação ao espetáculo, Ivan Sugahara impõe à cena uma dinâmica em total sintonia com o material dramatúrgico, criando marcas inventivas e diversificadas, quase sempre impregnadas de um sentimento de urgência e de nervosidade, e invariavelmente tentando materializar um dos principais objetivos da peça, assim como do filme: criar na platéia uma permanente dúvida a respeito do que é real ou fictício.
No que diz respeito ao elenco, Rodrigo Nogueira tem seus melhores momentos nas passagens em que o humor predomina, embora não deixe de ser convincente nas demais. Daniela Galli faz de forma irretocável a retraída Cyntia, o mesmo aplicando-se a Maria Maya (sensual, algo perversa e muito manipuladora) e a Jonas Gadelha, muito seguro na pele do enigmático homem que filma.
Com relação aos vídeos, três deles nos mostram atrizes anônimas e os outros dois exibem depoimentos emocionantes e emocionados de Cyntia e Ana - ou seriam de Maria Maya e de Daniela Galli? Com a palavra, a platéia...- embora não tenhamos nenhuma dúvida quanto a resposta, optamos por não revelá-la.
Na equipe técnica, Rui Cortez responde por cenário efigurinos totalmente em consonância com o contexto, sendo igualmente irrepreensíveis a iluminação de Renato Machado, a preparação corporal de Cristina Amadeo e a trilha sonora de André Abujamra.

PAY - Texto de Rodrigo Nogueira. Direção de Ivan Sugahara. Com Rodrigo Nogueira, Daniela Galli, Maria Maya e Jonas Gadelha. Teatro Solar de Botafogo. Sexta e sábado, 21h30. Domingo, 20h30.

2 comentários:

  1. Caro Lionel,

    Tentei te ligar tanto, tanto mas seu telefone não é muito lá meu amigo.

    Adorei ler o que você escreveu. E queria te dizer que Teatro se aprende fazendo, e você foi uma das primeiras pessoas a me ensinar.

    Em minha cena final de Play, fiz questão de sugerir ao Ivan que nem eu nem Dani movêssemos um dedo. Isso descaradamente baseado na marca que você fez na minha cena final entre Lopakhin e Vária quando me dirigiu em Jardim das Cerejeiras, lembra? Pois eu não me esqueço.

    Quanto à sua ressalva em relação ao meu texto, tenho duas coisas a te dizer: a primeira é que eu realmente quis criar uma dificuldade forte de comunicação entre os personagens, quase como se eles de fato não falassem a mesma língua. Era proposital.

    A segunda é que reconheço que às vezes o festival de "o quês, hãs e heins" soa um puco excessivo.

    Mas acredito que, ao decorrer da temporada, nós atores consigamos deixar essas interrupções mais orgânicas através da repetição. Afinal, estamos apenas começando.

    Mais uma vez obrigado pelas belas palavras. E gostgaria muito de poder conversar mais com você sobre Play e teatro em geral. Afinal é na troca que a gente aprende. E já aprendi muito com você.

    Um forte abraço,

    Rodrigo Nogueira
    laciadeteatro@gmail.com

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