Afinal: o que é teatro?
Lionel Fischer
Como certamente muitos dos amigos e amigas que seguem este blog acompanharam a educada e salutar polêmica que ocupou as páginas do jornal O Globo ao longo dos últimos dias, polêmica esta envolvendo a questão do que seria ou não teatro, e em especial se stand-up comedy é ou não teatro, julgo oportuno dar minha opinião sobre o assunto, abstendo-me de comentar o que disseram o encenador Moacyr Góes, a autora Lícia Manzo e o ator e diretor Cláudio Torres Gonzaga, que há cinco anos resssuscitou o gênero stand-up comedy com o espetáculo "Comédia em pé", que dirige e atua ao lado de Paulo Carvalho, Fernando Caruso e Fábio Porchat, além de um convidado a cada apresentação.
Mas antes de me manifestar, gostaria de recordar aos que me lêem aqui algumas sábias palavras de Peter Brook, o maior encenador vivo. Em certa ocasião, convidado a dar sua definição do que seria teatro, Brook disse o seguinte: "O teatro é a arte do encontro". Tal definição me parece a mais perfeita já formulada acerca do fenômeno teatral.
Em outra ocasião, nova questão foi colocada ao mesmo encenador: para que houvesse o que se denomina "teatro", o espetáculo deveria ocorrer necessariamente numa casa de espetáculos? Então Brook respondeu que não e acrescentou que a montagem que mais o impressionara aconteceu num sótão em Hamburgo, durante a Segunda Guerra Mundial, uma adaptação do romance "Crime e castigo", de Dostoiévski, protagonizada por um único ator e tendo como cenário uma única cadeira, cabendo registrar a ausência de quaisquer outros elementos característicos de uma montagem convencional - cenografia, efeitos de luz, trilha sonora etc.
Ou seja: para Brook, o espaço em que se dá a representação pouco importa, sendo fundamental a presença de alguém que fale e de alguém que escute. Entretanto, pode parecer que tal afirmação contivesse implícita a necessidade de algum tipo de dramaturgia e, consequentemente, de um personagem. Mas como Brook não entrou neste terreno, agora entro eu, sem nenhuma pretensão de deter o monopólio da verdade.
Por um lado me parece óbvio que o fato de algo estar acontecendo num palco e sendo assistido por uma platéia não configura o que chamamos de teatro - uma senhora de meia-idade, por exemplo, pode estar instalada na ribalta discorrendo sobre as vantagens de se ingerir brócolis para uma platéia ávida de melhorar seu mecanismo digestivo, e nem por isso poderíamos caracterizar tal encontro como teatro. Assim sendo, algo de mais específico tem que se fazer presente. Mas este "algo" implicaria necessariamente em personagem e dramaturgia, ou seja, numa trama construída a partir do conflito entre os personagens, ou até mesmo do conflito de um único personagem em relação a si mesmo ou ao mundo que o cerca?
E aqui me parece estar situado o ponto crucial da mencionada polêmica: o conceito de dramaturgia. Como todos sabemos, existe uma grande multiplicidade de "dramaturgias", mas todas elas concebidas com a finalidade de transmitir diferenciados conteúdos. No caso específico da stand-up comedy, esta parte de algumas premissas: o intérprete tem que ser o autor do texto e nenhum dos habituais recursos de encenação são admitidos - figurino específico, efeitos de luz, trilha sonora, cenografia, projeções etc. Ou seja: o gênero se resume a alguém que conta uma história, obviamente que priorizando o humor. Mas o ato de contar uma história, e mais ainda, a forma de contar uma história em nada se assemelham ao exemplo citado da hipotética senhora de meia-idade e sua paixão por brócolis.
Com isso quero dizer o seguinte: se só a história estivesse em causa, não teríamos teatro, pois qualquer um poderia lê-la e nossa avaliação se restringiria ao campo literário. Ocorre, porém, que ela é inegavelmente interpretada, e sua eficácia sobre a platéia depende muito deste fator. A maneira de contar uma história implica em opções de ritmo, pausas, alterações no volume da voz, enfim, em muitos dos recursos utilizados quando se interpreta um personagem inserido numa trama teatral, seja ela convencional ou não.
Portanto, não tenho a menor dúvida em afirmar que stand-up comedy não deixa de ser teatro e, ao contrário do que muitos supõem - por ignorância ou inveja - apresenta enormes desafios para aqueles que se dedicam ao gênero.
E para concluir esta breve explanação - já não tão breve: não nos esqueçamos de que estamos no século XXI e que o teatro, sendo a mais libertária das artes, não pode ser engessado em conceitos que apenas objetivam perpetuar determinadas estruturas ou gêneros, invalidando experiências que podem ser tão válidas e enriquecedoras como as já consagradas.
segunda-feira, 1 de março de 2010
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Oi Lionel!
ResponderExcluirAdorei seu texto. Muito pertinente tudo o que vc escreveu e concordo principalmente que o teatro não pode ser engessado assim. Mas o melhor de tudo mesmo foi o exemplo da senhorinha de meia-idade e seu caso de amor com o brócolis hahahaha Sensacional!
bjks!