terça-feira, 10 de maio de 2011

Cenas para Estudo

Vestido de Noiva

Nelson Rodrigues


Alaíde - Mas eu preciso da linha branca!

Mulher de Véu - Primeiro, vamos conversar! Linha branca!

Alaíde - Você vai querer discutir agora! Agora!

Mulher de Véu - Então! Por que não será agora? Que é que tem demais? Eu nunca falei, nunca disse nada, mas agora você tem que me ouvir!

Alaíde - Tem gente ouvindo! Fale baixo.

Mulher de Véu - Então você pensa que podia roubar o meu namorado e ficar por isso mesmo?

Alaíde - Você não vai fazer nada!

Mulher de Véu - Ah! Está com medo! Natural. Casamento até na porta da igreja se desmancha.

Alaíde - Mas o meu, não.

Mulher de Véu - O seu não, coitada! O seu, sim! Você não me desafie, Alaíde, não me desafie.

Alaíde - Então não fale nesse tom.

Mulher de Véu - Falo, falo - e se você duvida, faço um escândalo agora mesmo. Aqui, quer ver? Se eu disser uma coisa que eu sei. Uma coisa que nem você sabe!

Alaíde - O que é que você sabe?

Mulher de Véu - Se eu disser - Alaíde - duvido, e muito, que esse casamento se realize.

Alaíde - Mas o que foi que eu lhe fiz - diga? Para você estar assim?

Mulher de Veú - O que foi? Sua hipócrita!

Alaíde - Diga então o que foi!

Mulher de Véu - Quer dizer que não sabia que eu estava namorando Pedro?

Alaíde - Aquilo, "namoro"?! Um flirt, um flirt à toa!

Mulher de Véu - Você quer dizer a mim que foi flirt. Quer me convencer?

Alaíde - Foi.

Mulher de Véu - E aquele beijo que ele me deu no jardim também foi flirt?

Alaíde - Sei lá de beijo! Que beijo?

Mulher de Véu - Está vendo como você é? Viu tudo! Você apareceu no terraço e entrou logo. Mas viu!

Alaíde - Eu não admito que você venha recordar essas coisas! Ele é meu noivo!

Mulher de Véu - Viu ou não viu?

Alaíde - Não!

Mulher de Véu - Viu, sim!

Alaíde - Por que é que você não protestou antes? Por que não falou na hora?

Mulher de Véu - Porque não quis. Quis ver até onde você chegava. Esperei por este momento.

Alaíde - Mamãe deve estar estranhando.

Mulher de Véu - Não faz mal. Deixa! Se você não fosse o monstro que é.

Alaíde - E você presta, talvez?

Mulher de Véu - Pelo menos, nunca me casei com os seus namorados! Nunca fiz o que você fez comigo: tirar o único homem que eu amei! O único!

Alaíde - Não tenho nada com isso! Ele me preferiu a você - e pronto!

Mulher de Véu - Preferiu o quê? Você se aproveitou daquele mês que eu fiquei de cama, andou atrás dele, deu em cima. Uma vergonha!

Alaíde - Por que você não fez a mesma coisa?

Mulher de Véu - Eu estava doente!

Alaíde - Por que então não fez depois? Tenho nada que você não saiba conquistar ou...reconquistar um homem? Que não seja mais mulher - tenho?

Mulher de Véu - O que me faltou sempre foi o seu impudor.

Alaíde - E quem é que tem pudor quando gosta?

Mulçher de Véu - ...mas com Pedro você errou.

Alaíde - Vou me casar com ele daqui a uma hora, minha filha.

Mulher de Véu - Pois é por isso que eu estou dizendo que você errou. Porque vai casar!

Alaíde - Ah! é? Não sabia!

Mulher de Véu - Você roubou meus namorados. Mas eu vou lhe roubar o marido. Só isso!

Alaíde - Vá esperando!

Mulher de Véu - Você vai ver. Não é propriamente roubar.

Alaíde - Então está melhorando.

Mulher de Véu - Você pode morrer, minha filha. Todo mundo não morre?

Alaíde - Você quer dizer talvez que me mata?

Mulher de Véu - Quem sabe? Você acha que eu não posso matar você?

Alaíde - Você não teria coragem. Duvido!

Mulher de Véu - Talvez não tenha coragem para matar. Mas para isso tenho! (Esbofeteia Alaíde. Esta recua, levando a mão à face)

*     *     *

A lira dos vinte anos

Paulo César Coutinho


Ninon - Regina! Que bom você aparecer...

Regina - Que cheiro esquisito...que é isso?

Ninon - Jura que não conta pra ninguém?

Regina - Juro.

Ninon - Maconha.

Regina - Mas Ninon, que loucura!

Ninon - É mesmo, uma loucura...

Regina - E não faz mal?

Ninon - Que mal, isso é propaganda burguesa. Eles querem é vender tabaco, que dá câncer. Esse aqui, que faz bem pra acbeça, proíbem. Quer experimentar um pouquinho?

Regina - Agora não.

Ninon - Você está com uma cara...que que houve?

Regina - Nada.

Ninon - Hum, nada...Imagine, a doce espera acabou.

Regina - Não! Que legal, quero ver a cara do seu analista.

Ninon - Larguei a análise.

Regina - Agora você não precisa mais. Está feliz?

Ninon - Não, foi horrível.

Regina - Que pena, quem foi?

Ninon - Bruno.

Regina - Você é insistente, hein?

Ninon - Foi uma bebedeira. Estava todo mundo aqui em casa. Ficamos bebendo uísque, conversando, acabamos nos beijando. Mas ele estava bêbado, caiu por cima de mim, me arrancou a roupa, foi tudo bruto, depressa, sem palavras. Mas não tinha importância se ele ficasse comigo. Passei a noite sem dormir. No dia seguinte ele acordou nu do meu lado e vestiu de novo aquela máscara. Voltou do banheiro dizendo que isso não deve interferir na nossa prática. Na hora de ir embora nem me beijou, e ainda me chamou de companheira.

Regina - Eu disse a você que isso tem que acontecer, não se fabrica. Mas não fique assim, vai ter outras experiências, um encontro verdadeiro.

Ninon - Já perdi as esperanças. Passei não sei quanto tempo tomando pílulas, fazendo planos, sonhando com um príncipe revolucionário, e acabo sendo currada por um cossaco.

Regina - O que você não pode é começar a achar que todos os homens são uns bárbaros porque esse cara não foi capaz de te dar amor.

Ninon - E você, como vai com o Marcos?

Regina - Mal. Ele gosta de fazer coisas esquisitas na cama.

Ninon - Ah, é? O que, hein?

Regina - Gosta de apanhar.

Ninon - Ora, só isso? Que bobagem, lá no blube o pessoal contava cada história...Acho que você não devia complicar, as pessoas devem fazer o que gostam. É tão difícil assim?

Regina - Eu não consigo mais, estou cansada. Não desisto dele, nem de nada, mas não agënto mais. Ele é só uma criança desesperada, cheia de culpa, e eu tenho medo que ele vá embora. Fecho os punhos e o som que fazem nas costas dele é como um pedido de socorro na selva. Fico dizendo eu te amo, eu te amo, enquanto nego às minhas mãos o carinho que elas queriam fazer.

Ninon - E é você quem fala para acreditar nas amplas possibilidades do relacionamento humano...

Regina - É exatamente porque sofro na carne a impossibilidade, que tenho certeza de que existe uma outra forma, de que nós estamos mutilados, tentamos nos entender com palavras e gestos que não chegam ao outro, não tocam. O que nós vivemos não é humano, Ninon, por isso é que há sempre essa dor funda do soco no peito.

Ninon - Eu só queria que a gente ainda tivesse tempo para amar...

Regina - Nós temos vinte anos, temos a vida pela frente. Nós ainda vamos amar, tenho certeza.

*     *     *

O Jardim das Cerejeiras

Anton Tchecov


Varya - Graças a Deus vocês chegaram. Estão em casa de novo! A minha queridinha chegou! A minha belezinha adorada está de volta!

Anya - Foi uma coisa horrível!

Varya - Eu bem posso imaginar.

Anya - Partimos na Semana Santa - estava um frio terrível, e o tempo todo Charlotte não parou de falar e de fazer mágicas e truques. Por que é que você achou que tinha de me fazer carregar Charlotte comigo?

Varya - Você não podia viajar sozinha, querida. Com dezessete anos!

Anya - Finalmente chegamos a Paris; e lá também estava frio - coberto de neve. Meu francês é abominável. Mamãe mora em um quinto andar, e quando cedo cheguei, lá estava cheio de franceses, umas senhoras, um padre velho que carregava um livro. Tudo cheirava a fumo, sem conforto nenhum. Me deu uma pena, eu de repente senti tanta pena de mamãe que me atirei no pescoço dela e fiquei abraçando, sem conseguir largar. Mamãe foi tão boa, como sempre, e chorou...

Varya - Não fale mais nisso, não fale mais nisso!

Anya - Ela tinha vendido a vila de Mentone, não tinha mais nada, mais nada. E eu também não tinha mais dinheiro nenhum, só o bastante para chegarmos até aqui. E mamãe não compreende! Quando jantávamos na estação, sempre pedia os pratos mais caros e ainda dava um rubo inteiro ao garçon! E Charlottge é igualzinha. E é claro que Yasha tem de ter tudo igual a nós; é terrível. Não sei se sabe que, agora, Yasha é criado pessoal da mamãe, e por isso teve de vir junto conosco.

Varya - Eu já vi aquele sem-vergonha.

Anya - Agora, me diga - você conseguiu pagar os atrasados da hipoteca?

Varya - E aonde é que ia conseguir dinheiro?

Anya - Ai, meu Deus! Ai, meu Deus!

Varya - Em agosto a propriedade vai ser vendida.

Anya - Santo Deus!

Lopakhine (Surge na porta e muge como uma vaca) - Múúúú! (Desaparece)

Varya - Eu sei o que eu queria fazer com ele!

Anya - Varya, ele fez o pedido? Mas ele ama você. Por que vocês não se entendem direito? O que é que está esperando?

Varya - Eu acho que nunca vai haver nada entre nós. Ele tem tanto o que fazer...não tem tempo para mim...nem sabe que eu existo. Para falar a verdade, para mim é um tormento ficar sempre a vê-lo. Todos dizem que nós vamos nos casar, todos me dão parabéns, mas na verdade não existe nada; é tudo um sonho. Esse broche de abelha é novo.

Anya - Mamãe comprou. Sabe de uma coisa? Em Paris eu andei de balão!

Varya - Minha querida está em casa! Minha belezoca voltou para casa! O dia inteiro, querida, enquanto tomo conta da casa, fico sonhando o tempo todo. Se ao menos pudéssemos casar você com um homem rico, eu ia ficar mais tranqüila. Aí eu ia embora, sozinha, fazer uma peregrinação a Kiev, a Moscou...passava o resto da vida assim...de santuário em santuário...seguindo, seguindo...que felicidade!

Anya - Os passarinhos estão cantando no jardim. Que horas são?

Varya - Devem ser quase três. Está na hora de dormir, querida. Que felicidade!
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