segunda-feira, 30 de maio de 2011

Teatro/CRÍTICA

"A esposa e a noiva"

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Delicadeza e intensidade


Lionel Fischer


"A esposa" conta a história de Nikolai, que descobre que sua mulher, Olga, é amante de um jovem que mora em Monte Carlo. Desanimado, ele decide dar o divórcio a Olga, mas ela não aceita: quer apenas que o marido lhe dê o passaporte para visitar o amante. Já "A noiva" fala de Nádia, que escapa não só de um casamento fútil, mas de uma vida que sente ser falsa e sem perspectiva".

O trecho acima, extraído do release que me foi enviado, sintetiza o enredo de dois contos de Tchecov, aqui reunidos no espetáculo "A esposa e a noiva", que acaba de encerrar sua temporada no Espaço Sesc, mas voltará brevemente a ser exibido. Luciana Fróes interpreta as duas protagonistas (afora outros personagens), estando a direção a cargo de Antonio Gilberto.

Como é sabido, os mais renomados especialistas na obra tchecoviana ainda não chegaram a uma conclusão definitiva: Tchecov seria melhor contista ou melhor dramaturgo? Em minha modesta opinião, trata-se de uma discussão bizantina, pois o autor russo é absolutamente genial em ambos os gêneros. Isto posto, vamos ao espetáculo.

Ao contrário dos franceses, de estilo mais refinado, os autores russos exibem uma escrita que, obviamente sem ser simplória, caracteriza-se fundamentalmente por uma aguda observação da natureza humana, em toda a sua complexidade. No caso específico de Tchecov, tanto em suas peças como em seus contos e novelas, praticamente inexistem passagens bombásticas, arroubos operísticos etc.

Muito pelo contrário: tudo ocorre num registro em que os variados conflitos são, por assim dizer, explicitados numa atmosfera que poderia ser definida como uma mescla de delicadeza e intensidade. Afora o fato, naturalmente, de que grande parte dos conteúdos só podem ser apreendidos através do não-dito, de tudo aquilo que as palavras não conseguem traduzir.

Enfim...estamos diante de um gênio de infinita capacidade de compreender o ser humano, abstendo-se de julgá-lo. E que nutre por suas personagens um carinho todo especial, mesmo por aquelas cujos eventuais desvios as levam para a perdição.

No presente caso, Tchecov criou duas personagens maravilhosas, completamente díspares, mas ainda assim, cada uma à sua maneira, exibindo contradições que permanecem inalteradas até hoje. E que receberam interpertações absolutamente irrepreensíveis de Luciana Fróes.

O fato de Luciana ser uma mulher linda é o que menos importa, pois sua real beleza vem de dentro, assim como sua abordagem das personagens não advém de truques ou maneirismos de qualquer espécie, mas sugere ter sua origem em suas entranhas. Estamos, portanto, diante de uma atriz que possui, obviamente, vastos recursos expressivos, mas que nos encanta por sua precisa compreensão dos conteúdos em jogo e por sua notável capacidade de entrega.

Quanto ao espetáculo, o diretor Antonio Gilberto prossegue inabalável em sua pesquisa de transpor obras literárias para o palco, ao invés de adaptá-las. Isso implica em criar uma partitura para o ator que o obriga a narrar e interpretar simultaneamente, e não apenas um único personagem. E para tanto faz-se imperioso criar uma dinâmica cênica simultaneamente despojada e expressiva, e sobretudo clara em seu aspecto expositivo.

E aqui, mais uma vez, o diretor chega a um resultado maravilhoso, ratificando a melhor definição que já ouvi sobre o fenômeno teatral, de autoria de Peter Brook, o maior encenador vivo, com quem tive o supremo privilégio de estudar por um breve período: "O teatro é a arte do encontro". 

Na equipe técnica, Marcos Ribas de Faria criou uma trilha sonora simplesmente deslumbrante, ainda que calcada basicamente em cima de uma única música, muitas vezes repetida. Mas por que deslumbrante? Porque não ilustra a cena, não se contenta em reforçar um determinado clima emocional, mas gera na plateia uma inquietante sensação, como se os sons brotassem da alma da personagem, assim traduzindo suas perturbações internas.

Igualmente irrepreensíveis a poética cenografia de Flavio Graff, o elegante e, digamos, neutro figurino de Angèle Fróes e a expressiva iluminação de Tomás Ribas, cabendo ainda destacar as preciosas participações de Rose Gonçalves (preparação vocal) e Cristina Moura (preparação corporal), sem dúvida determinantes para o sucesso deste que é, até o presente momento, um dos espetáculos de maior destaque da atual temporada.

A ESPOSA E A NOIVA - Textos de Tchecov. Direção de Antonio Gilberto. Com Luciana Fróes.   

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