Minha vida com as estrelas
Domingos Oliveira
Tenho tido a oportunidade, durante a vida profissional, de dirigir muitos dos nossos estrelos (as). As atrizes ou atores que alcançam grande popularidade tornam-se de modo geral criaturinhas insuportáveis e arrogantes. Que se opõem a seus diretores por princípio, tornando impossível qualquer espetáculo sério.
Como são exatamente estas pessoas que atraem o público ao teatro, a situação é grave. Nenhum diretor mais sério pode suportar a arrogância dessas senhoras (em geral são senhoras, poucos senhores) e acaba por sair fora do chamado teatrão, o teatrão profissional, procurando exercitar o lado mais conseqüente de sua arte através de grupos de atores menos notórios e mais sérios. E não há nada de errado nisso.
Certa vez, uma semana antes de estrear um espetáculo com uma senhora dessas, telefonei-lhe e, evocando velha amizade, implorei para que em nome da qualidade do espetáculo, ela assumisse a direção da peça. Ofereci-me, no mesmo momento, para a assistência, em tudo que fosse preciso! Mas tentei fazer com que ela compreendesse a necessidade de alguém dirigir a peça!
E de sair da situação ridícula em que nos encontrávamos há cerca de 40 dias: eu tentando colocar minha visão e ela me antagonizando a cada momento, não sei bem por quê. Claro que ela não aceitou. E preferiu continuar esgotando minha paciência até o fim. Alegou que não podia fazer isso diante dos outros atores, que tinha de cuidar de sua própria intepretação.
Não há dúvida de que qualquer estrela (o) tem capacidade e conhecimentos técnicos para dirigir o espetáculo em que atua. Afinal, não é nenhum bicho de sete cabeças. Mas aí vem a pergunta mais curiosa: eles querem? Estão dispostos a assumir a posição do diretor? Estão dispostos a ter de confiar no seu próprio julgamento e opinião? Assumem a solidão inerente ao líder? A resposta, creiam-me, vem com maiúsculas: NÃO!
Eles querem decidir...sem decidir. Escolher...sem escolher. Dirigir...sem determinar a direção. Querem que o diretor dirija do mesmo modo que elas (eles) dirigiriam, embora não tenham a menor idéia do que isso seja. E sem que ninguém saiba! Posto que não estão dispostos à responsabilidade de nenhum fracasso.
Resumindo: as estrelas (os) não querem um diretor, querem um porta-voz, discreto e enérgico ao mesmo tempo. Em outras palavras: querem um alto-falante. Um imbecil que organize o trabalho paternalmente para que ela (ele) termine por aparecer em cena exatamente como sempre foi: o mesmo estrelo ou a estrela de sempre.
Elas dizem assim ao diretor: "Não vamos fazer o seu espetáculo, vamos fazer o nosso". Esta frase lapidar em geral é proferida em tom lânguido e carinhoso mas que nem por isso deixa de ser uma grossa besteira. São muitos os caminhos de uma montagem teatral. Algém tem de apontar aquele que vai ser seguido. Um aponta; os outros seguem.
Pelo menos até todos chegarem à conclusão de que o caminho está errado, que estamos perdidos. E também aí alguém terá de apontar o novo caminho. Não acho que um ator tenha por obrigação aceitar uma proposta que faço; não, isso seria horrível. Mas acho que tem por obrigação segui-la por um ensaio ou dois, com boa vontade! Investindo seu talento, para depois negá-la.
Se uma proposta não é seguida, ela não alcança conseqüência, profundidade. Apenas um mau diretor traz o resultado de casa. Fazemos enveredar o trabalho por certos caminhos, tentamos sentir como repercutem nos atores. E a partir daí tentamos trazer, com delicadeza, os aprofundamentos. Se a proposta do diretor é negada sem ser experimentada, jamais ninguém saberá o que ela realmente significava.
Mas está bem, aceitemos a negação. Então é preciso que alguém ponha outra proposta em prática. As estrelas (os) em geral o fazem, ao mesmo tempo em que negam a do diretor. Ótimo, sigamos para ver onde dá! Nesse momento, quando você concorda com a proposta da estrela (o), ela muda sempre de opinião! Discorda da própria proposta e não sabe o que pôr no lugar, uma vez que não entende de direção.
Esse inferno e essa confusão estão sendo aqui descritos de modo sucinto, mas pode-se prolongar indefinidamente. Até que ambos, estrala (o) e diretor, comecem a odiar-se mortalmente. Resultado? Um ensaio (e depois um espetáculo) híbrido, indefinido, no qual a estrela (o) acaba fazendo exatamente o que tem feito nas últimas décadas, isto é, repetindo os mesmos gestos e tiques e ganhando o mesmo dinheiro. Cultuando, acima de qualquer conteúdo ou filosofia, a sua própria divina personalidade. É um saco de gatos.
Falando sério, é preciso que diretores e atores se amem muito e tenham confiança mútua. Se você é um ator e sente, por algum motivo, que não quer ou não precisa de um diretor, saiba que tem todo direito. Mas ouça, por amor de Deus, um conselho: dirija a peça você mesmo! Evite ficar enchendo a paciência de um pobre coitado que foi chamado sem ser querido. Creia-me: ou permita a direção ou dirija. Ainda não foi inventada a terceira hipótese.
Não existe criação coletiva. É apenas um slogan publicitário, descrevendo no máximo que não há brigas na equipe. Por trás de uma criação coletiva há sempre um diretor inconfesso.
________________
Extraído de "Do tamanho da vida - Reflexões sobre o teatro". Minc/INACEN, Coleção Documentos, 1987.
sexta-feira, 27 de maio de 2011
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário