terça-feira, 24 de maio de 2011

Teatro/CRÍTICA

"Um violinista no telhado"

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Obra-prima em versão inesquecível


Lionel Fischer


"Hair foi um mergulho de cabeça num mundo muito diferente do nosso, o mundo lisérgico e da contracultura dos anos 60/70, um musical do qual saímos impregnados de valores únicos, ligados à cultura oriental, a uma posição clara diante de guerras em geral, a um respeito à individualidade e a tudo que é humano e merece ser tratado sem preconceito e sem meias-palavras. E ao sair de Hair, mergulhamos de cabeça num universo que, a princípio, seria a negação daquele: A TRADIÇÃO.

Um violinista no telhado seria, a um olhar superficial, o "anti-Hair". Mas não é. É novamente uma história de libertação, de quebra de conceitos arcaicos, um texto que fundamentalmente só faz retratar as tentativas de humanização dos personagens principais, tirando-os daquilo que os amarrava no convencional, e trazendo-os para a luz de suas individualidades, seus desejos, suas tomadas de posição em favor de uma vida mais justa e não baseada em dogmas vazios de significado".

Os dois trechos acima, que constam do programa e levam a assinatura de Charles Möeller e Claudio Botelho, estão aqui reproduzidos por duas razões básicas. A primeira: revela a permanente disposição dos dois artistas de jamais se tornarem uma espécie de parasitas de suas próprias conquistas, sempre buscando novos desafios. A segunda: sintetiza de forma admirável os principais conteúdos tanto do espetáculo anterior da dupla ("Hair") quanto deste, "Um violinista no telhado", que acaba de estrear no Oi Casa Grande.

Baseado em histórias de Sholem Aleichem, "Um violinista no telhado" chega à cena com direção de Charles Möeller, versão brasileira de Claudio Botelho e elenco formado por José Mayer (Tevye), Soraya Ravenle (Golda, sua esposa), Ada Chaseliov, Dudu Sandroni, Malu Rodrigues, Nicola Lama, Rachel Rennhack, André Loddi, Julia Bernat, Cirillo Luna, Jitman Vibranovski, José Steinberg, Cassio Pandolfi, Augusto Arcanjo, Yashar Zambuzzi, Léo Wainer, Kelzy Ecard, Sergio Stern, Julia Porto, Rodrigo Cirne, Beto Vandesteen, Carlos Sanmartin, Giulia Nadruz, Karin Dreyer, Lucas Drummond, Darwin del Fabro, Emmanuel Pasqualini, Fabio Porto, Arthur Marques, Tomás Quaresma, Wallace Ramires, Guilherma Lazary, Hannah Zeitoune, Raquel Bonfante, Sofia Viamonte, Jonas Queiroz, Raul Guaraná, Tiê de Kühl, E. Machado, Marya Bravo, Cristiana Pompeu e Ricca Barros - se omiti algum nome, de antemão já peço que me perdoem.

Jerry Bock responde pela música, Sheldon Harnick pelas letras, Joseph Stein pelo libreto e Jerome Robbins pela coreografia original. "Imersos" no fosso, os seguintes profissionais: Marcelo Castro (regência), Kelly Davis (violino 1 - Spalla), Taís Soares (violino 1), Marcio Telles (violino 2), Stoyan Gomide (viola), Saulo Vignoli (cello), Omar Cavalheiro (baixo), Thiago Trajano (violão/bandolim), Priscilla Azevedo (teclado/acordeon), Kreinski (flauta/picollo), Whatson Cardoso (clarineta), Ernani Piu-Piu (trompete 1), Matheus Moraes (trompete 2), Fabiano Segalote (trombone) e Marcio Romano (bateria/percusão).

Ambientada em uma pequena aldeia ucraniana chamada Anatevka, a história gira em torno da família do leiteiro Tevye, sua esposa Golda e suas filhas. Como ocorre em todo contexto familiar, aqui são exibidos atritos e cumplicidades, mas aos poucos a situação vai  ganhando contornos mais densos com os noivados das meninas - e em especial de uma delas, que resolve se unir a um goy - e fundamentalmente a partir do momento em que pequenas agressões começam a se consumar contra a população judaica, sendo esta finalmente obrigada a deixar sua terra natal.

Contendo ótimos personagens, pleno de humor e humanidade, e fundamentalmente investindo decisivamente contra a intolerância, seja esta de que natureza for, "Um violinista no telhado" merece ser considerada uma obra-prima. E não apenas pelo texto, mas igualmente pelas belíssimas canções, perfeitamente inseridas na trama e decisivas para a absorção de todos os conteúdos propostos pelo autor.

Com relação ao espetáculo, este traz a inconfundível grife Botelho/Möeller. Soluções criativas e imprevistas, absoluta precisão cênica, ótimo domínio dos tempos rítmicos, afora uma aparentemente inesgotável capacidade de gerar emoção sem apelar para pieguices de qualquer natureza. Estamos, sem sombra de dúvida, diante de um musical que poderia ser exibido nos palcos mais exigentes do mundo, nada ficando a dever ao que de melhor neles se produz.

Mas os méritos de Charles Möeller e Claudio Botelho não se restringem ao já citado. Torna-se imperioso destacar sua sensibilidade na condução do elenco. Na pele do protagonista, é bem possível que José Mayer exiba aqui uma das melhores, senão a melhor, performance de sua brilhante carreira. Sem ser propriamente um cantor, no sentido estrito do termo, ainda assim Mayer canta de forma esplêndida, cabendo ressaltar sua capacidade de, em dados momentos, "falar" a letra, conferindo à mesma um sentido todo especial. E nas passagens em que o texto predomina, Mayer extrai todo o humor e humanidade do magnífico personagem que interpreta.

A mesma eficiência se faz presente no trabalho de Soraya Ravenle. Sabidamente uma excelente cantora, aqui só faz confirmar o que dela se espera. Mas há que se destacar, em especial, sua notável composição física - linda e jovem, Soraya surge em cena meio curvada, pesadona, envelhecida, gestos ríspidos, quase uma histérica. Mas, ao mesmo tempo, doce e acolhedora. Outra performance brilhante.

Com relação aos demais, seria literalmente impossível particularizar todos os desempenhos. Mas todos eles, sem exceção, são de altíssimo nível, tanto nas partes cantadas ou dançadas quanto naquelas em que o texto torna-se o foco principal. Reunindo profisisonais de todas as idades, foi realmente emocionante e comovente constatar a enorme capacidade de entrega de todos, a ótima contracena que estabelecem e também a inegável alegria de estar em cena que todos exibem. A todos, portanto, minha gratidão eterna, pela inesquecível noite que me proporcionaram - e certamente a todos que compareceram à estreia.

Na equipe técnica, destaco com total entusiasmo os trabalhos de todos os profissionais envolvidos nesta imperdível empreitada teatral - Marcelo Castro (direção musical e regência), os músicos já citados, Rogério Falcão (cenografia), Marcelo Pies (figurinos), Paulo César Medeiros (iluminação), Beto Carramanhos (visagismo), Aniela Jordan (direção de produção), Luiz Calainho (produção executiva), Claudio Botelho (versão brasileira) e a todos os demais que integraram esta brilhante equipe.

UM VIOLINISTA NO TELHADO - Texto de Scholem Aleichem. Direção de Charles Möeller. Com José Mayer, Soraya Ravenle e grande elenco. Oi Casa Grande. Ver dias e horários nos veículos especializados. 

Um comentário:

  1. Comentarios precisos , à altura do belissimo espetaculo. É um deslumbramento a composiçāo cenica que nos faz presentes em Anatekva. Destaco a emocao da cena quando o pai indaga se a esposa o ama, lembrando do que aprendera sobre o amor e que ele aconteceria com o casamentoo, com a chegada dos filhos , crenças tradicionais em conflito com as experiencias amorosas das filhas. Inesquecivel a melodia do dialogo, a voz belissima de Soraya Ravene e a preseça soberba de José Mayer. Fiquei maravilhada!

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