Teatro/CRÍTICA
"Hell"
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Amargo retrato de uma geração
Lionel Fischer
"Nós somos uma espécie de elétron sem núcleo. Temos um cartão de crédito no lugar do cérebro. Um aspirador no lugar do nariz, e nada no lugar do coração. Vamos às boates muito mais do que às aulas. Temos mais casas do que amigos de verdade. Mas não temos o direito de nos queixar. Porque temos tudo para sermos felizes. Brincamos com a vida para fingir que a dominamos. Cheiramos pó em demasia. Beirando a overdose. Isso assusta os nossos pais que vêem seus genes de banqueiros se degenerarem. É inaceitável para eles. Tem uns que tentam fazer alguma coisa e outros desistem. Tem uns que nunca estão presentes mas que assinam o cheque no final do mês. Dão tanto para que a gente se foda por aí. E tão pouco do que realmente importa. E nós sempre acabamos sem saber o que importa. Morremos lentamente em nossos apartamentos grandes demais, fartos, estúpidos, entupidos de cocaína e antidepressivos...e um sorriso nos lábios..."
Este fragmento, extraído do programa oferecido ao público, foi escrito pela autora francesa Lolita Pille, nascida em 1982, e consta do livro "Hell", lançado em 2003 e que logo se tornou um fenômeno de vendas. Adaptado para o palco por Marco Antonio Braz e Hector Babenco, o texto chega à cena (Teatro dos Quatro) com direção de Babenco (codireção de Murilo Hauser) e elenco formado por Bárbara Paz e Paulo Azevedo.
Escrito a partir das vivências da autora, mas sem ser autobiográfico, "Hell" retrata o vazio de uma geração de jovens milionários parisienses que, por terem acesso a tudo que o dinheiro pode comprar, terminam por não encontrar um sentido para suas vidas, passando então a recorrer a drogas e a um frenesi sexual totalmente desprovido de afeto. E quando este aflora, ainda que muito raramente, os envolvidos não sabem como lidar com este "imprevisto", e o fracasso torna-se praticamente inevitável.
Estruturado de forma confessional, a protagonista Hell quase sempre se dirige diretamente à platéia, ainda que ocasionalmente simule relacionar-se com outros personagens e efetivamente o faça apenas com Andrea, tão rico e desesperado quanto ela. Mas os dois jovens, ambos de 28 anos, estão completamente viciados em drogas, sexo ocasional e compulsão desenfreada por consumir tudo que o dinheiro pode comprar. Não têm projetos ou sonhos. Jamais exerceram seu potencial de doação e assim não conseguem materializar o único impulso sadio que talvez tenham tido em suas vidas: o ato de entregar-se ao verdadeiro amor. Andrea morre num acidente de carro - certamente provocado. E Hell, após um luto de alguns meses, retoma sua rotina desesperada, como se fosse um espectro a realizar orgias sobre a campa da própria sepultura.
Retrato amargo, ácido e ao mesmo tempo lúcido de uma geração que elegeu o desregramento como norma, "Hell" recebeu excelente versão cênica de Hector Babenco, que através de uma dinâmica sombria, claustrofóbica e angustiante, valoriza ao extremo todos os conteúdos propostos pelo autor. A única ressalva fica por conta do número excessivo de black-outs, que não raro contribuem para minimizar a exasperante pulsação da narrativa.
Com relação ao elenco, Bárbara Paz exibe performance admirável, vivendo com total entrega uma personagem ao mesmo tempo amarga e frágil, e cuja lucidez lhe permite tecer pertinentes reflexões sobre um universo em que o desespero e a desesperança são a tônica. Na pele de Andrea, e ainda que em participação menor, Paulo Azevedo também convence plenamente, conseguindo materializar na cena as principais características de seu personagem.
No tocante à equipe técnica, destaque absoluto para a soturna e precisa iluminação de Beto Bruel, que contribui de forma decisiva para acentuar a dramaticidade dos múltiplos climas emocionais em jogo. Igualmente irrepreensíveis a cenografia de Felipe Tassara, os figurinos de Renata Correa, a coordenação de movimento de Sandro Borelli, a consultoria corporal de Mary Cunha e a trilha sonora de Murilo Hauser, cabendo ainda destacar a precisa operação de luz de Rafael Burgath.
HELL - Texto de Lolita Pille. Direção de Hector Babenco. Com Bárbara Paz e Paulo Azevedo. Teatro dos Quatro. Quinta a sábado, 21h30. Domingo, 20h.
sábado, 14 de maio de 2011
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Meu Querido, Lionel, sua análise, vem de encontro ao que penso sobre o espetáculo, já que, como trabalho nele embarco nessa aventura claustrofóbica Dirigida pelo Hector e com a luz do Beto Bruel, e fico muito sentido, na verdade triste mesmo, porque, por um erro no programa da peça, sou eu que opero a luz, (e não o Mário Junior, que é o técnico do Teatro dos 4) sendo (eu) também assistente do Beto Bruel. E Fico também muito Feliz ( apesar do acontecido) por você ter mencionado o meu trabalho, "A precisa operação de luz", mesmo não levando os créditos. Um grande abraço. Rafael Burgath.
ResponderExcluirrafaelburgathiluminador.blogspot.com