Eugenio BARBA
Odette Aslan
Dir-se-á sempre que ele é o discípulo de Grotowski. De fato, Eugenio Barba participou ativamente da elaboração dos exercícios grotowskianos tanto em Opole quando em Wroclaw, desde janeiro de 1962. Contribuiu para que se conhecesse Grotowski, depois fundou seu próprio laboratório em setembro de 1964, em Holstebro. Grotowski reconhece que Barba vai mais longe que ele no desenvolvimento das "associações", que é mais livre no caminho traçado, menos tributário das fórmulas de ontem. Seu falanstério, idêntico ao de Opole em espírito, é talvez mais rigoroso ainda quanto à disciplina e à ascese. Mas, na cebeça das pessoas, Barba continua sendo "o segundo".
A exigência de Barba
A disciplina para o comediante é mais importante que o dom artístico. Ter talento não consiste em conhecer bem o ofício, porém questioná-lo, recusar soluções prontas, possuir espírito de pesquisa. O solicitante é admitido por um ano de experiência, ao cabo do qual se decide se ele fica ou não. Esta decisão se fundamenta em seu caráter, sua moral, sua ética, "não em seu talento, que será visto 15 anos depois".
O comediante deve interessar-se pela vida em grupo, mergulhar nos problemas que ela propõe e não somente estudar a história das teorias teatrais. Deve ser lúcido diante da vida, ter uma atitude de impulso para o outro, o desejo de fazer a sociedade mudar, de se mudar, ter força de alma e perseverança. Quanto ele atua, é como se apresentasse seu testamento, "como se fosse a última vez que tivesse algo para comunicar aos outros, para entrar em contato com eles".
Barba interroga-se sobre o problema da fraternidade, da comunicação com o outro, num mundo ameaçado pelo apocalipse atômico. Tendo criado um instituto de pesquisa para a formação do ator, ele deseja que lá se espalhe um ensino pela Escandinávia, por toda Europa. Publica uma revista teatral, organiza seminários internacionais sobre os problemas do jogo do ator, completa o inventário das teorias do passado. Dedica muitas horas ao treinamento.
O Treinamento
Em uma granja desativada, um local nu, austero, o ator é submetido a um treinamento comparável ao de Grotowski.
CORPORAL
Biomecânica e acrobacia são exploradas até perigosamente se for preciso. Cumpre vencer o medo tal qual os acrobatas de circo. Como em Grotowski, cada exercício é motivado: o salto, por exemplo, justifica-se pela vontade de ver o que se passa além do muro. Inspira-se em movimentos de animais, como em Dullin, Meyerhold ou os atores da commedia dell'arte. Os exercícios de Delsarte, a ópera chinesa e o kabuki são igualmente utilizados. Durante quatro horas a fio o ator não tem direito a descanso algum. Deve quebrar suas resistências musculares. Para a respiração, ele se inspira na hatha yoga.
VOCAL
O corpo todo entra em ação para deixar a voz sair. Exploração das caixas de ressonância. Barba negligencia os exercícios de dicção.
TEATRO POBRE
Nos espetáculos (longamente elaborados), o espaço cênico só é modelado pela disposição dos espectadores em relação aos atores. Às vezes, os atores utilizam pequenas plataformas em sua área de desempenho (eles mesmos as desenharam para Kaspariana). O ator decide também o tecido com o qual se cobre (nada de roupa cosida) durante a atuação. Os projetores são instalados de modo fixo, sem eletricistas para manipulá-los. Os efeitos de luz são criados pelo deslocamento dos atores que escondem ou descobrem a luz ao passar diante dela. Nada de maquinistas, nem de pessoal técnico.
Os espetáculos são elaborados a partir de improvisações sobre um tema dado ou não por um autor. Nada é definitivo após a criação em público, há mutação constante. Improvisa-se de novo, ensaia-se de novo, à tarde, o espetáculo feito na véspera, a pesquisa não pára nunca. Quando se pergunta a Barba sobre a ambigüidade de um desenlace, ele se esquiva como tantos outros: "o mais importante é o que os espectadores imaginam, nós deixamos o problema em aberto".
Em Os Ornitófolos, Kaspariana ou Ferai, Barba analisa nossa herança moral, cultural, ele se pergunta o que convém transmitir à geração seguinte. Os comediantes do Odin Teatret se interrogam e dão a tais problemas sua solução pessoal, construindo assim o espetáculo.
De Stanislavski, a cujo propósito Grotowski comentava que ele havia levantado os problemas técnicos do ator, mas que era conveniente dar-lhes outras soluções, Barba guardou sobretudo a importância de um modo de vida, de uma disciplina. No Odin Teatret, não basta dizer que a ética reage à técnica; a ética é primordial, como testemunha esse texto:
Só se pode preparar uma vida nova nas catacumbas. Eis o lugar daqueles que, em nosso tempo, procuram um engajamento espiritual e não temem o confronto difícil. Isto pressupõe coragem: a maior parte das pessoas não tem necessidade de nós. O seu trabalho é uma forma de meditação social sobre você mesmo, sobre a sua condição de homem numa sociedade e sobre os fenômenos que o tocam no mais profundo do seu ser, através das experiências do nosso tempo. Cada representação nesse teatro precário, que choca o pragmatismo cotidiano, pode ser a última, e você deve considerá-la como tal, como sua possibilidade de atingir a você mesmo, legando aos outros a prestação de contas dos seus atos, o seu testamento. Se o fato de ser ator significar tudo isto para você, então um novo teatro vai nascer, isto é, uma nova maneira de apreender a tradição literária, uma nova técnica. Uma relação nova se estabelecerá entre você e os homens que vêm vê-lo à noite, porque eles precisam de você. (Eugênio Barba, "Lettre a l'Acteur)
O universo concentracionário pesa sobre nós. A crueldade assalta o homem por todos os lados. A injustiça e o ódio os destroem. A vida de Abel é apenas uma lenta crucificação sob a ameaça de Caim. Não é mais suficiente dizer ao espectador: reflita, mude, faça o mundo mudar. Cabe ao ator renovar sua atitude em relação à vida, determinar uma nova abordagem de sua arte; oferecer em holocausto o seu conhecimento da arte e sua própria transformação pessoal. Visto por Eugenio barba, este ofício impõe exigências tais que somente alguns poucos nele persistem.
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Extraído de "O ator no século XX", Editora Perspectiva
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"Le Livre Des Danses"
O termo "danças" não é exato. Os atores, a partir de suas experiências e improvisações, realizam o espetáculo. Com seus tambores e flautas, fitas coloridas e bastões, impregnam todo o ambiente de uma energia inimaginável. Sua expressividade é tal que conseguem transformar acessórios em elementos teatrais tão importantes quanto cada um deles. Em mãos inadequadas, um tambor é sempre um tambor. Aqui, o objeto se torna ator.
Recusando o puro exibcionismo, esses jovens execpcionalmente preparados, que ensaiam oito horas por dia, nos revelam um mundo de potencialidades expressivas do nosso em geral tão desprezado corpo. Quanto ao enredo, como normalmente é concebido, não existe. Não há uma história a ser contada. São as energias trocadas a cada momento e, conseqüentemente, as relações estabelecidas que formam, para cada espectador, a "sua história".
Quando um ator se aproxima, balbuciando palavras numa língua estranha cujo sentido imediato nos escapa, mas cuja maneira de dizê-las nos atrai ou intriga de alguma forma, para que estabeleçamos uma relação com ele é necessário renunciar à compreensão do texto literário e tentar captar as sugestões sonoras nele contidas. Se conseguimos isso, ou seja, perceber e sentir por vias que não as habituais, cotidianas, terá sido dado um grande passo para que a nossa sensibilidade viva, e todo o nosso ser se transforme. Então, o contato com o Grupo Odin se torna uma experiência inesquecível.
Não escutamos mais a música, a vemos! Os atores perdem suas características históricas e não são mais eles que se degladiam e acariciam, mas nossos sentimentos básicos, nossas aspirações e anseios que se materializam diante de nós, revelando-nos como somos: inseguros, carentes, sonhadores. As potencialidades e fraquezas humanas nos são expostas, e talvez por se encontrarem tão próximas não saibamos imediatamente o que fazer com elas.
Mas creio que, em todos nós, ainda que de formas diversas, as sementes foram plantadas. E as condições que lhes permitirão florescer estão em nós, dependendo apenas de nosso esforço no sentido de criar as circunstâncias indispensáveis. Se tudo na vida pode e deve ser sentido de vários ângulos diferentes, é preciso somente estar atento, vigiar nossa preguiça e acomodação, que em geral nos fazem eleger o meio mais fácil, o lado supoerficial, ocultando-nos o significado mais profundo de nossas vivências.
É preciso não esquecer que quando cumprimentamos alguém, muito mais verdadeiro que o intercâmbio de falas é o contato das mãos.
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Este texto foi escrito por mim, em 1977, após assistir ao espetáculo do Grupo Odin em Paris, no Festival de Outono, e está publicado na revista Cadernos de Teatro nº 75, edição já esgotada. Tinha na época 27 anos e estudava teatro na Cité Universitaire, com o alemão Wolfrang Mërring.(LF)
quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012
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uau q lindoooo, parabenss
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