Pluft, o fantasminha
de Maria Clara Machado
Personagens:
Sebastião, Julião e João - marinheiros
Mãe Fantasma
Pluft, o fantasminha
Gerúndio - tio de Pluft
Perna de Pau - marinheiro pirata
Maribel - menina
Cenário: um sótão. À direita uma janela dando para fora de onde se avista o céu. No meio, encostado à parede do fundo, um baú. Uma cadeira de balanço. Cabides onde se vêem, pendurados, velhas roupas e chapéus. Coisas de marinha. Cordas, redes. O retrato velado do capitão Bonança. À esquerda, a entrada do sótão.
* * *
Prólogo
(O prólogo se passa à frente da cortina. Pela esquerda surgem os 3 marinheiros, meio bêbados, cantando. O da frente é Sebastião, o mais corajoso. Leva um toco de vela aceso ou um lampião. Segue-se Julião, segurando uma garrafa. Por fim, João, segurando um mapa. Deve-se ouvir a canção antes de avistá-los. Quando aparecem no palco, devem estar acabando o canto)
Ainda era uma criança
Saiu para o mar
Aprender a navegar
O capitão Bonança!
Morreu no mar
Deixou de navegar
Onde está a herança
Do capitão Bonança!?
Sebastião - Deve ser aqui! Veja no mapa, Julião!
Julião - Veja você, Sebastião. (Troca o mapa pela vela de Sebastião)
Sebastião - É melhor o João ver. João é o encarregado do mapa. (Troca a garrafa com João e bebe um traguinho. Fazem várias vezes esse jogo de trocar)
João (Com o mapa) - Uma casa perdida na areia branca perto de um mar verde. Deve estar por perto. Pega na luneta, Julião.
Julião (Olhando pelo gargalo da garrafa) - Estou vendo um mar calmo com algumas ondinhas brancas.
Sebastião - Então vamos!
João - Já andamos muito! Pobre Maribel!
Julião - Pobre Maribel!
Sebastião - Pobre Maribel! (Os três se abraçam e sentam-se no chão)
Sebastião (Levantando-se) - Precisamos salvar a neta do nosso grande capitão Bonança!
João - Precisamos achar o tesouro da neta do grande capitão Bonança!
Julião - Precisamos pegar o ladrão do tesouro da neta do grande capitão Bonança!
Sebastião - Viva o grande capitão Bonança!
Todos - Viva!
Sebastião (Para Julião) - Vamos!
Julião (Para João) - Vamos!
João (A alguém imaginário que o segue) - Vamos! (Recomeçam a cantar e saem )
Fim do Prólogo
* * *
ATO ÚNICO
(Ao abrir o pano, a Senhora Fantasma faz tricô, balançando-se na cadeira, que range. Pluft brinca com um barco. Depois o larga e pega uma velha boneca de pano. Observa-a por algum tempo)
Pluft - Mamãe!
Mãe - O que é, Pluft?
Pluft - Mamãe, gente existe?
Mãe - Claro, Pluft, claro que gente existe.
Pluft - Mamãe, eu tenho tanto medo de gente! (Larga a boneca)
Mãe - Bobagem, Pluft.
Pluft - Ontem passou lá embaixo, perto do mar, e eu vi.
Mãe - Viu o que, Pluft?
Pluft - Vi gente, mamãe. Só pode ser. Três.
Mãe - E você teve medo?
Pluft - Muito, mamãe.
Mãe - Você é bobo, Pluft. Gente é que tem medo de fantasma e não fantasma que tem medo de gente.
Pluft - Mas eu tenho.
Mãe - Se seu pai fosse vivo, Pluft, você apanharia uma surra com esse seu medo bobo. Qualquer dia destes eu vou te levar ao mundo para vê-los de perto.
Pluft - Ao mundo, mamãe?!
Mãe - É, ao mundo. Lá embaixo, na cidade.
Pluft (Vai até a janela) - Não, não, não. Eu não acredito em gente, pronto!
Mãe - Vai sim, e acabará com estas bobagens. São histórias demais que tio Gerúndio conta para você. (Pluft apanha um chapéu de almirante)
Pluft - Olha, mamãe, olha o que eu descobri! O que é isto?!
Mãe - Isto tio Gerúndio trouxe do mar. (Pluft, fora de cena, continua a descobrir coisas, que vai jogando em cena: panos, roupas, chapéus etc.)
Pluft - Por que tio Gerúndio não trabalha mais no mar, hem, mamãe?
Mãe - Porque o mar perdeu a graça para ele.
Pluft - E isto, mamãe, (Surge com um espartilho de mulher) o que é isso? Ele trouxe isto também do mar? (Coloca o espartilho na cabeça e passeia em volta da mãe)
Mãe - Pluft, chega de remexer tanto nas coisas.
Pluft (Larga o espartilho e anda à procura do que fazer) - Vamos brincar, tá bem? Finge que eu sou gente. (Veste-se de fraque e cartola)
Mãe (Sem vê-lo) - Chega de fazer desordem, meu filho. Você acaba acordando tio Gerúndio. (Ela olha para o baú)
Pluft (Pé ante pé, chega por detrás da cadeira da mãe e grita) - Uuuuh! (A mãe leva um susto e deixa cair agulhas e tricô) Eu sabia! Eu sabia que você também tinha medo de gente. Peguei! Peguei! Peguei mamãe com medo de gente, peguei mamãe com medo de gente!
Mãe (Procurando de gatinhas os óculos e o tricô) - Pluft, você quer apanhar? Como é que eu posso acabar o meu tricô para os fantasminhas pobres, se você não me deixa trabalhar? (Volta à cadeira e Pluft à janela)
Pluft - Eu não iria nem a pau.
Mãe - Onde, Pluft?
Pluft - Trabalhar no mar. Tenho medo de gente e de mar também. É muito grande e azul demais...Oh! (Corre até a mãe e torna à janela) Mamãe, olha lá. Iiii...estão vindo! (Senta no colo da mãe) Mamãe, mamãe, acode! Eles estão vindo...vindo do mar e subindo a praia.
Mãe (Vai até a janela, com Pluft agarrado à sua saia) - Não é possível. Desde que nos mudamos para cá ninguém subiu aqui! (Olha) É verdade. Lá vem eles. (Vai até o telefone) Zero-zero-zero-zero, alô, prima Bolha? (Toda a vez que a mãe fala ao telefone ouvem-se em resposta barulhos de bolhas d’água) Sou eu. Olha, uma surpresa hoje, aqui. Adivinha só. Gente! Ainda não sei. Sim, sim, telefono, querida. Adeus, meu bem, eles estão se aproximando. Vem, Pluft.
Pluft - Que medo, que medo, que medo.
Mãe (Abre o baú) - Acorda, Gerúndio. Vem gente!
Gerúndio (Levanta, espreguiçando) - Uuuuuu! Tô com um sono!
Pluft - De verdade, tio Gerúndio. Gente mesmo. O mundo todo vem aí!
Gerúndio - Tô com um sono...(Fecha a tampa do baú e desaparece, roncando. Pluft e a mãe põem-se a escutar. Ouve-se o barulho de passadas pesadas. Elas desaparecem. Ouve-se o canto do marinheiro Perna de Pau)
A menina Maribel, bel, bel!
Tem os olhos cor do céu, céu, céu
E os cabelos cor de mel, mel, mel...
(Pela porta do sótão entra um marinheiro velho e forte, empurrando uma menina frágil amarrada pelas mãos e com um lenço vermelho passado na boca. O marinheiro amarra a menina à cadeira e tira um mapa da sacola que leva nas costas)
Perna de Pau - É aqui mesmo. Foi aqui que o capitão Bonança escondeu o tesouro. (Corre até a janela) Aqueles três patetas nunca descobrirão esta casa. Então eles queriam ser mais espertinhos do que o marinheiro Perna de Pau, hem? Queriam salvar a netinha do capitão, hem? Mas o capitão Bonança Arco-Íris morreu e quem vai entrar no tesouro sou eu! Está ouvindo? Sou eu. Então o vovô Bonança pensou que podia deixar o mapa do tesouro com a netinha e com os três patetas, hem? Ah! Ah! Ah! Então o capitão-vovô não sabia que o marinheiro Perna de Pau estava à espreita? Há dez anos que eu espero. Estou cansado, também, ora. Sabem lá o que é esperar 10 anos pelo tesouro do navio fantasma? (Procura) Aqui está o chapéu do capitão Bonança! (Põe o chapéu e faz continência, depois, aos brados, imitando capitão de navio) Levantar velas! Carrega punhos ao papa-figas! Afrouxar a bujarrona! Entra a bombordo, agüenta a guinada! Ah! Ah! Ah! Agora o capitão sou eu...(Escurece) Que é isto? (Vai à janela) Ainda é cedo, sol dorminhoco! Que escuro... Oh! Eu me esqueci de trazer a lanterna. Temos que achar o tesouro. (Procura na sacola) Quem tem uma lanterna? (Para a menina) Você tem? (Ela faz que não) Então preciso ir até a cidade buscar uma lanterna. Você vai ficar aí presinha na cadeira. Mas não precisa fazer essa cara de vítima, que o capitão Perna de Pau é bonzinho. Ele não vai te matar não. Ele vai...ele vai casar com você. Vamos comprar outro navio e vamos navegar, navegar, navegar...(Dá uma gargalhada e sai assobiando “Menina Maribel”. A menina começa a chorar, desvencilha-se da cadeira, tira a mordaça e corre até a janela)
Maribel - Socorro! Socorro! Socorro! João! Julião! Sebastião! Meus amigos...me salvem! (Sempre choramingando, Maribel procura conhecer o sótão. Pluft, que estava à espreita, aproxima-se devagar e muito receoso. A menina, ao ver Pluft, desmaia)
Pluft - Oh!
Mãe (Chegando) - Ora, Pluft, quem mandou você aparecer? Assustou a menina.
Pluft - E agora?
Mãe (Coloca a menina na cadeira) - Agora temos que esperar que ela volte do desmaio. Coitadinha! (Saindo) Vou procurar algum remédio para desmaio de gente. Fica aí tomando conta dela.
Pluft - Eu?!
Mãe - Você, sim.
Pluft - Mas eu tenho medo de gente, mamãe!
Mãe - Você tem medo dela?
Pluft - Dela...muito não. Mas dele, tenho sim!
Mãe (De dentro) - Ele não volta tão cedo. A cidade é muito longe. (Pluft fica na dúvida, vendo se segue a mãe ou não. Por fim, observa a menina com curiosidade e medo. Num momento a menina se mexe e Pluft sai correndo, voltando depois para tornar a observá-la. Pega nos cabelos da menina)
Pluft - Gente é engraçado! (A menina torna a se mexer) Mamãe!
Mãe (De dentro) - Que é, Pluft?
Pluft - Você está aí?
Mãe - Estou.
Pluft - Ah...(Maribel se mexe) Mamãe: quem sabe a gente pega isso aí e joga lá na noite e depois fechamos bem a porta e botamos o baú do tio Gerúndio, com tio Gerúndio e tudo dentro, bem em frente da porta para o marinheiro não voltar, e ficamos aqui, nós sozinhos, só fantasmas, gente não!
Mãe (De dentro) - Pluft, quem te ensinou a ser ruim assim? Foi o tio Gerúndio?
Pluft - Não é ruindade não, mamãe. É medo!
Mãe (De dentro) - Se seu pai fosse vivo! Que fantasma corajoso ele era. (Aparecendo só de rosto e tornando a desaparecer) Você quer mesmo jogar essa menina fora pela janela, Pluft?
Pluft - Acho que não quero não. Mas ela podia bem ir logo embora. (Rodeia a menina) Você não acha, mamãe? (Pluft levanta a cabeça da menina) Oooooooh!
Mãe (De dentro) - O que é, Pluft?
Pluft - Mas gente é uma gracinha, mamãe.
Mãe (De dentro) - Nem sempre, meu filho, nem sempre. (Pluft se aproxima e cutuca a menina. Esta torna a se mexer. Pluft se assusta menos. Maribel torna a ver Pluft, se assusta, mas se levanta e fita Pluft, espantada. Ambos guardam certa distância, em atitude de mútua contemplação, por algum tempo)
Maribel - Como é que você se chama?
Pluft - Pluft. E você?
Maribel - Eu sou Maribel.
Pluft - Você é gente, não é?
Maribel - Sou. E você?
Pluft - Eu sou fantasma.
Maribel - Fantasma, mesmo?
Pluft - É. Fantasma mesmo. Mamãe também é fantasma.
Maribel - Engraçado, de você eu não tenho medo!
Pkluft - Nem eu de você. Engraçado...
Mãe (De dentro) - Pluft!
Pluft - É minha mãe. Com licença. Que é, mamãe?
Mãe (De dentro) - Com quem é que você está falando?
Pluft - Com Maribel.
Mãe - Com quem?
Pluft - Ora, mamãe, com gente. Com Maribel.
Mãe - Ah! Então ela já acordou?
Maribel - Mas sua mãe também é fantasma?
Pluft - Claro, ora! Você queria que ela fosse peixe?
Maribel - E seu pai?
Pluft - Meu pai era fantasma da Ópera.
Maribel - Fantasma da Ópera?
Pluft - É. Trabalhava num teatro grande! Agora ele morreu. Virou papel celofane. Mamãe não gosta que se fale nisto não. Ela fica muito triste, coitada. Quando papai morreu...
Maribel - Virou papel celofane?
Pluft - É. Quando papai virou papel celofane, a família teve que deixar o teatro e vir morar aqui com tio Gerúndio.
Maribel - Quem é tio Gerúndio?
Pluft (Puxando-a para o baú) - Tio Gerúndio dorme aqui dentro. Ele era fantasma de navio. (Os dois se sentam no baú)
Maribel - Fantasma de navio?
Pluft - É. Dum navio fantasma. Ele trabalhava à beça...
Maribel - Será que era o navio de meu avô, o capitão Bonança Arco-Íris?
Pluft - É isto mesmo. Ele é meu tio. O fantasma do navio de seu avô era meu tio.
Maribel - Que coincidência, hem?
Pluft - Que coincidência: seu avô e meu tio trabalharem no mesmo navio! (Os dois riem)
Maribel (Lembrando-se) - Oh! (Vai até a janela) O Perna de Pau vai voltar, meu Deus do Céu. Ele quer roubar o tesouro do meu avô e vai me levar para o mar!
Pluft - Navegar, navegar, navegar...não é?
Maribel (Chorando) - Não, não, não.
Pluft - Que lindo! Que lindo! Que lindo! Mamãe, mamãe, acode aqui: a menina está derramando o mar todo pelos olhos!
Mãe (De dentro) - Ela está chorando, meu filho.
Pluft - Que lindo é chorar, mamãe...também quero!
Mãe (De dentro) - Fantasma não chora, Pluft. Senão derrete. (Chegando) Vá buscar um pano para enxugar os olhinhos dela.
Pluft (Sai e torna a voltar) - Para pegar o choro dela?
Mãe - É. (A menina se assusta ao vê-la) Ah! Tinha me esquecido. (Formaliza-se toda para se apresentar. Põe na cabeça um chapéu fora de moda) Sou a mãe de Pluft. Aceita um pastel de vento? (Sai)
Pluft (Chega com um pano) - Toma para você pegar seu choro. (A mãe volta com uma bandeja cheia de pastéis imaginários que oferece ao mesmo tempo que come)
Maribel - Muito obrigada, senhora Fantasma, a senhora é muio gentil. Mas estou tão nervosa, que nem posso comer. Tenho medo do marinheiro Perna de Pau. Ele quer roubar o tesouro do vovô Bonança e me levar para o mar. E meus amigos, João, Julião e Sebastião, que vinham para me salvar, desapareceram...(Chora. Dona Fantasma, muito comovida, mas sempre mastigando, vai saindo)
Gerúndio (Levantando a tampa do vaú) - Pastel! (A mãe chega até ele e oferece. Gerúndio faz que tira uns três e torna a entrar no baú, sempre com sono. A mãe sai)
Maribel - Deliciosos seus pastéis de vento, dona Fantasma.
Mãe (Aparecendo só de rosto) - Não tem de quê.
Maribel - Se meus amigos João, Julião e Sebastião não chegam, o Perna de Pau vai me levar para o mar.
Pluft - Mas onde estão seus amigos?
Maribel - Não sei. Na certa estão procurando aí pela praia.
Pluft - Quem sabe tio Gerúndio pode dar um jeito? Ele é tão sabido.
Maribel - Será que ele ajuda a me livar do Perna de Pau?
Pluft - Vamos perguntar. (Abre a tampa) Tio Gerúndio! Tio Gerúndio! Está roncando de sono. (Gerúndio tenta se levantar mas apenas se ajeita melhor para continuar a dormir) Não adianta: ele agora só gosta de dormir e de pastel de vento.
Maribel (Saindo) - Então tenho que fugir depressa.
Pluft - Sozinha nesta praia branca?!
Maribel - É.
Pluft - Neste escuro preto?!
Maribel - É. Já vou, antes que volte o Perna de Pau.
Pluft - Espera! (Respira fundo) Pronto! Tomei coragem. Mamãe, mamãe, eu vou. Eu vou ao mundo procurar os amigos de Maribel. (Entra a mãe)
Mãe - Meu filho! Se seu pai fosse vivo, ficaria orgulhoso de você. (Sai)
Pluft - Vou fingindo de gente. Vem me ajudar, Maribel. (Põe a cartola e o fraque que estão pendurados no cabide, ajudado por Maribel)
Mãe (Chega com uma malinha) - Toma aqui uns pastéis de vento para vocês comerem no caminho. (Ajeita o filho) Cuidado com o sol para não derreteres. Procura o vento sudoeste, que é o mais agradável. Trata de ser um fantasminha decente, sim? Só prega susto naqueles que merecerem. Se encontrares algum outro fantasma assustando alguém, procura outra gente para assustar. Há trabalho para todos. E volta um fantasma de verdade. Tenho certeza que vais gostar do mundo. Abre bem o olho para veres as coisas bonitas que existem por aí e cuida bem da menina.
Pluft - Sim, mamãe, sim. Adeus! Vamos, Maribel, vamos procurar seus amigos.
Maribel - Adeus, senhora Fantasma. Voltaremos para procurar o tesouro. Nunca vi família mais simpática, muito obrigada...
Pluft - Vamos, Maribel...Iiii! Está me nascendo uma coragem!
Mãe (No telefone) - Zero-zero-zero-zero, alô! Prima Bolha, querida, imagine que o meu Pluft resolveu ir! Sim, tal pai, tal Pluft! Que coragem, hem, prima Bolha? Que coragem! (Entram em disparada Pluft e Maribel)
Pluft - Lá vem ele, mamãe, lá vem ele! Que medo! Que medo! Que medo!
Mãe - Pluft...
Pluft - Mas ele é enorme, mamãe!
Maribel (Põe a mordaça e senta na cadeira) - Depressa, para ele não desconfiar. (Pluft e a mãe ajudam a amarrar a menina enquanto se ouve o canto do Perna de Pau)
Perna de Pau - A menina Maribel, bel, bel. Tem os olhos cor do céu, céu, ceu. E os cabelos cor de mel, mel, mel...(Pluft e a mãe saem. O marinheiro entra com um castiçal) Ah! (Tira a mordaça da menina) Você ainda está acordada, minha bela? Pois agora podemos procurar a noite toda. Trouxe três velas. De manhãzinha sairemos para navegar, navegar, navegar. (Olha para o encosto da cadeira) Que é isto? O laço afrouxou? (Deixa o castiçal e começa a apertar o laço. Pluft, na ponta dos pés, apaga a vela e corre. A cena escurece) Oh! O vento apagou a vela. (Tira uma caixa de fósforos do bolso e torna a acender a vela) Vamos começar a busca. (Ilumina uma velha espada que está pendurada na parede) Ah! Cá está a espada do capitão Bonança! Agora é minha. (Pega a espada, baixa o castiçal e simula uma luta de esgrima. Depois, satisfeito, coloca a espada na cintura. Torna segurar o castiçal e, sempre procurando, dirige-se para o lugar onde está Pluft, atrás da cortina)
Maribel - Ai!
Perna de Pau (Virando-se) - Que é? (Pluft aproveita e apaga a vela) Apagou de novo! O que foi, hem, menina?
Maribel (Disfarçando) - Estou com medo...
Perna de Pau - Medo? Perto do capitão Perna de Pau? Ah! Ah! Ah! Foi o vento. (Acende de novo) Nem vento pode com o capitão Perna de Pau. Pergunta ao mar, se eu tinha medo de vento. (O vento começa a soprar) O vento é que tem medo de mim. (Ouve-se uma grande trovoada, com ventos fortes. Perna de Pau estremece e corre para a janela) Eu estava brincando, eu estava brincando. (O vento cessa. Perna de Pau vai ao baú) Ah! Aqui está o baú do velho Bonança. Onde é o lugar de guardar tesouros? Lugar de guardar tesouros é baú, ora! (Começa a abrir o baú e quando aproxima a vela, Maribel grita de novo)
Maribel - Ai!
Perna de Pau - O que foi, hem, menina? (Quando ele se vira, Gerúndio se levanta e sopra a vela) De novo! Raios me partam! Sacripanta! Com um marinheiro honesto não se brinca!
Pluft - Obrigado, tio Gerúndio.
Perna de Pau - Quem falou aí? (Corre para onde está Pluft)
Gerúndio (Erguendo-se do baú) - Não amola não, sim? (Torna a deitar-se. Quando Gerúndio fala, Perna de Pau olha para o lado do baú e Pluft apaga a vela)
Perna de Pau - Quem está aí? Quem está aí? Não tenho medo de ninguém, estão ouvindo? (Pluft e tio Gerúndio começam a rir acompanhados de outras gargalhadas de fora de cena) Quem é que está rindo de mim? Quem é que está rindo de mim, já disse! (Cessa o riso) Acho que estou ficando doido. Voltarei quando o sol nascer. Quero ver quem pode apagar o sol. O sol ninguém apaga, estão ouvindo? Vamos, menina, amanhã bem cedo voltaremos. (Desamarra Maribel) Quero ver quem pode apagar a luz do sol. O sol ninguém apaga, nem vento, nem...(Saindo) fantasmas! (Gerúndio se levanta e dá uma enorme gargalhada. Perna de Pau sai assustadíssimo puxando Maribel)
Pluft - Coitadinha. Coitadinha. Coitadinha. Lá vai ela puxadinha por aquele bruto. Seu cara de gente! Ela está tão branquinha que até parece um fantasminha. Que gracinha! (Dando socos no ar) Vou pegar aquele bruto, dar um soco nele! Mamãe, precisamos salvar a menina!
Mãe (Entrando) - Se ao menos pudéssemos saber onde está o tesouro!
Pluft - Só tio Gerúndio sabe.
Mãe - Que é que adianta ele saber? Só quer dormir.
Pluft - Xilto também sabe.
Mãe - É mesmo.
Pluft (Para o público) - Xisto é meu primo, fanstasma de avião. (Chamando) Xisto! Xisto! (Olham para cima. Ouve-se barulho de avião se aproximando)
Mãe - Xisto, você sabe onde está o tesouro do falecido capitão Bonança? O quê? (Barulho de bolhas) Fale mais alto, ou então, desce!
Pluft - Ele fica enjoado quando desce. O quê? Ele está falando em fantasmês. Pode falar português, Xisto, todo mundo aqui é amigo. (À platéia) Ele é muito desconfiado. Está dizendo que quem sabe onde está o tesouro é a prima Bolha. É bem capaz. Prima Bolha trabalha na polícia secretíssima...
Mãe (Que durante a conversa de Pluft com a platéia ficou conversando com Xisto em fantasmês) - Obrigada, Xisto, vou telefonar já para a prima Bolha. (Corre ao telefone) Zero-zero-zero-zero, alô! Quer fazer o favor de chamar dona Bolha de Sabão. Alô? Prima Bolha, querida, antes de mais nada quero avisar que amanhã é a reunião das senhoras fantasmas para incentivar o intercâmbio cultural entre gente e fantasma. (Barulhos de bolhas muito agitadas)
Pluft - Anda, mamãe. Não temos tempo a perder. Deixa de falar difícil e entra logo no assunto. (Um relógio bate três horas). Três horas da manhã! Está vendo? Coitadinha da Maribel...Não aguento mais. Vou sozinho ao mundo salvar minha amiga! (Trepa na janela e fica olhando, enquanto a mãe fala fantasmês no telefone. Ouve-se bem longe a canção do Bonança) Mais gente, mamãe! Os três amigos da Maribel. Só pode ser...que animação!
Mãe - Visitas! Pastéis! Pastéis! (Sai)
Pluft - Que medo, que coragem...nem sei! (Sai. A canção aumenta e surgem como no prólogo os três marinheiros)
Sebastião - Deve ser aqui! Veja no mapa, Julião!
Julião - Veja você, Sebastião. (Troca o mapa pela vela de Sebastião)
João (Com o mapa) - Uma casa perdida na areia branca perto de um mar verde. Deve estar perto. Pega a luneta, Julião!
Julião - Estou vendo um mar calmo com alguma espuminha branca.
Sebastião - Então vamos!
João - Já andamos muito. Pobre Maribel! Maribel é a neta...
Sebastião - Pobre Maribel! Pobre da netinha do grande capitão Bonança!
Julião - Precisamos salvar a neta do nosso grande capitão Bonança!
João - Precisamos achar o tesouro da neta do grande capitão Bonança!
Sebastião - Viva o grande capitão Bonança!
Todos - Viva!
Sebastião (Para Julião) - Vamos!
Julião (Para João) - Vamos!
João (Para alguém imaginário) - Vamos! (Os três começam a cantar entrando na cena desconfiados. Procuram um pouco. João, com muito medo, vai saindo até aparecer de novo no proscênio)
Sebastião - Deve ser aqui mesmo. Veja no mapa, João. (Não o encontrando, sai a procurá-lo e vai pegá-lo fugindo) João!
João - Pronto, Sebastião! (Faz continência)
Sebastião e Julião - Um por todos e todos por um, vamos!
João - Vamos! (João tenta fugir de novo, mas é agarrado por Sebastião)
Julião - Pobre Maribel! Temos que ajudar os nossos amigos!
João - Temos?
Sebastião - Então, vamos primeiro estudar o mapa. (Sentam-se no proscênio e estudam o mapa) Numa casa velha perdida na areia branca, perto do mar verde...
Pluft (Sem ser percebido pelos marinheiros) - É aqui, é aqui. São eles, são eles, mamãe. Os amigos de Maribel! Agora eles podem salvar Maribel!
Mãe (Atravessa a cena afobada) - Preciso contar tudo à prima Bolha. (Desaparece)
Pluft - Mamãe! Estou com medo! (Segue a mãe) Eles não vão me pegar, não?
Mãe (De fora) - Claro que não, filhinho. Estes são amigos. (Pluft volta e espera, sentado no meio da cena)
Sebastião (Levantando-se) - Vamos! (Cantarolando a canção do Bonança para criarem coragem, eles tornam a entrar em cena. Um por um, ao darem com Pluft, levam um susto e se agarram em fila indiana, rodeando o fantasminha) Você está vendo, João?
João - Você está vendo, Julião?
Julião - Você está vendo, Sebastião?
Sebastião - Estou.
Julião - Estou.
João - Estou.
Os três - Um fantasma!
Sebastião - Deve ser sonho. (Esfrega os olhos)
Julião - Deve ser sonho. (Mesmo)
João - Deve ser sonho. (Mesmo)
Pluft - Uuuuhhhhh! (Os três dão um berro, saem correndo cada qual para um lado, sendo que João desaparece pela janela. Pluft olha para eles com desprezo)
Pluft (Saindo) - Medrosos!
Sebastião (Voltando) - Ué! Desapareceu! Era sonho mesmo.
João (De fora) - Uuuuuuiiiii!
Sebastião - João!
João - Pronto, Sebastião!
Sebastião (Corre com Julião para a janela, joga uma corda e os dois fazem a mímica de puxar João) - Precisamos salvar a neta do nosso grade capitão Bonança!
Julião - Precisamos achar o tesouro da neta do grande capitão Bonança!
João (Voz fraca, ao longe) - Precisamos pegar o ladrão do tesouro da neta do grande capitão Bonança! (Entra pela janela como se fosse puxado pela corda) Precisamos mesmo?
Sebastião - Viva o grande capitão Bonança!
Julião - Viva o grande capitão Bonança!
João - Viva o grande capitão Bonança!
Gerúndio (Abrindo o baú) - Viiivooo! (Os três correm e se abraçam no meio da cena)
Sebastião - Você ouviu?
Juklião - Você ouviu?
João - Ouvi, sim...vamos embora!
Sebastião (Segurando-o) - Não! Precisamos salvar a neta do grande Bonança. (Os três começam a caminhar, olhando o ambiente e murmurando como para se convencerem: “Precisamos salvar a neta do grande capitão Bonança”. Aos poucos, começam a cantarolar a canção do capitão, e formando uma fila indiana, põem-se a marchar como soldados. Pluft aparece e marcha atrás deles, divertindo-se muito. Todos param de marchar e marcam passo em fila. Pluft continua a marchar e esbarra no último. João olha para trás e desmaia. Pluft puxa o outro, que também desmaia, e por fim faz o mesmo com o terceiro, Sebastião, que também desmaia)
Pluft - Oh! Mamãe, os marinheiros se desmancharam...(João, quando volta a si, dá com Pluft e sai correndo, mas dá com a mãe que vem entrando e torna a desmaiar)
Mãe - Que gente mais medrosa, meu Deus! Uns homens deste tamanho com medo de um fantasminha. No meu tempo de teatro, conheci muita gente mais corajosa do que estes aí. Copitadinha da Maribel. Arranjou cada amigo!
Pluft (Observando Julião) - Este também está vindo! Marinheiro, marinheiro!
Julião - Hein? Hein? (Começa a levantar-se, apoiando em Pluft) Precisamos salvar a neta do nosso amigo capitão Bonança!
Pluft - Precisamos sim. E eu posso ajudar, marinheiro. Também sou amigo de Maribel, sabe? O Perna de Pau esteve aqui e...
Julião (Afasta-se de um salto) - Meu deusinho do céu! Bebi tanto que já estou vendo coisas na minha frente. Bem que minha mãe dizia que um homem não deve beber demais. Juro que estou vendo coisas. Oh! Vejo monstrinhos à minha frente. Sebastião! Sebastiãozinho! Estou vendo monstrinhos, fantasmas, assombração!
Pluft - Marinheiro bobo, sem educação! Monstrinho é você, seu cara de gente! Vou contar a mamãe que você me chamou de monstrinho. (Sai)
Julião (Procurando acordar Sebastião) - Estou ouvindo coisas, Sebastião. Coisas...
Sebastião - Quem está vendo coisas aí? Oh! Acho que bebemos demais.
Julião - Esta casa é mal asosmbrada.
Sebastião - Mas foi aqui que o capitão Bobança escondeu o tesouro. Precisamos salvar Maribel. Vamos esperar o Perna de Pau.
Julião - Juro que vi.
Sebastião - De novo?
Julião - Um monstrinho à minha frente, falando coisas. Deve ser a bebida.
Sebastião - Acorda, João. Precisamos salvar a neta do capitão Bonança.
Julião - Precisamos mesmo, Sebastião?
Sebastião - Claro, Julião. Ele era nosso capitão! (O baú começa a se mexer)
Julião (Levantando-se) - O que é que há neste baú? (O baú se abre e aparece Gerúndio)
Gerúndio - Quer fazer o favor de não se sentar em cima de mim? (Torna a baixar a tampa. Julião, sem fala, tenta avisar Sebastião por meio de gestos, apontando para o baú)
Sebastião - O que é que há com você, homem? Perdeu a voz? Está sem fala. (Sacode Julião). No baú? Nunca vi homem mais medroso do que você. Eu sim é que sou um bocado corajoso e...(Abre o baú)
Gerúndio (Torna a se levantar) - Parem de me amolar! (Mesmo jogo de perder a fala. Acordam João e tentam explicar. João não entende e começa a rir das caras e dos gestos dos dois. Depois se aproxima também do baú, mas antes de levantar a tampa, surge Gerúndio)
Gerúndio - Será possível! (Torna fechar a tampa)
Os três (Correndo) - Socorro! Socorro! Socorro!
Pluft (Entrando com a mãe) - Eles me chamaram de monstrinho, mamãe.
Mãe - Eis aí uma coisa que não admito. Confundir-nos com monstrinhos. Há que salvar a dignidade da família. Onde estão eles?
Pluft (Da janela) - Foram embora. E agora, mamãe, quem vai salvar a Maribel?
Mãe - Temos que dar um jeito, temos que dar um jeito. Vou telefonar de novo para a prima Bolha!
Pluft - Lá vem o dia nascendo, mamãe. E vem chegando também o capitão Perna de Pau com a Maribel. Depressa!
Mãe (No telefone) - Bolha querida, sou eu de novo. O quê? Sim, sim, está bem, então eu fico encarregada dos pastéis de vento? Sei, sei...e dos suspiros? Música? Ah! Eu adoro música, querida, que ótimo! No tempo do finado, sabe, fazíamos sempre muito quarteto, muito quinteto, muito sexteto, muito oiteto...Ah! Quem vai cantar é a Aerogfagia?!
Pluft - Mamãe, lé vem eles, deixa de conversa mole! (Para o público) O defeito de mamãe é falar demais ao telefone.
Mãe - Ah! Bolha querida, é para te pedir de novo o favor de dizer onde é...alô?! Cortaram a ligação. Oh! Meu Deus! Precisamos fazer alguma coisa. Acho que vou fazer pastéis. (Sai)
Pluft - Só o tio Gerúndio pode salvar a menina! (Abre o baú) Tio Gerúndio, se você ajudar a salvar a menina, mamãe disse que faz para você mil pastéis de vento!
Gerúndio (Levantando) - Pastel?! (Volta a dormir bocejando)
Pluft - Nem pastel adianta mais, meu Deus! Quem sabe falando na noiva dele? Titio, quem lhe pede para ajudar a menina é a sua noiva, a senhorita Naftalina Vaporosa!
Gerúndio - Nasftalina Vaporosa! (Gerúndio fica de pé, põe a mão no coração, sorri, mas o sono é mais forte e ele torna a se deitar)
Pluft - Tio Gerundinho, será que o seu coração, que era tão bom, já tá virando teia de aranha? Tio Gerúndio, estamos querendo salvar a neta do seu amigo, o capitão Bonança Arco-Íris!
Gerúndio (Saindo do baú) - Quem falou no meu amigo, o capitão Bonança?
Pluft - O capitão Perna de Pau quer roubar o tesouro dele.
Gerúndio - Bandido!
Pluft - O Perna de Pau vai levar a neta Maribel do capitão Bonança para o mar! Navegar, navegar, navegar e casar com ela. Ela chorou muito e não quer ir não, mas o tesouro está aqui e ele vem aí agora!
Gerúndio - Quem vem aí?
Pluft - O capitão Perna de Pau, titio.
Gerúndio - O Perna de Pau é o pior bandido do mundo. Conheço muito bem aquele ladrão de sardinhas. Roubou todos os peixes do Mar Morto e agora quer o tesouro, hem? Pois ele vai ver...(Tira um apito e começa a apitar para a janela)
Pluft - Viva o tio Gerúndio! Isso é que é fantasma!
Gerúndio - Xisto! Xisto! (Ouve-se um barulho de avião e Xisto cai do teto, em marionetes, vestido igual a tio Gerúndio, com uma gola de marinheiro em cima da roupa de fantasma) Vamos chamar o primeiro batalhão de marinheiros fantasmas. Temos um servicinho para o nosso capitão Bonança. A neta dele está em perigo. Vamos acabar com a coragem daquele ladrão de sardinhas. Marinheiro de banheira. Vamos! (Ouve-se ao longe uma corneta e um tambor chamando os marinheiros-fantasmas. Xisto torna a subir. Gerúndio põe o chapéu do velho Bonança, mas neste momento começa a ter sono de novo e deita na beira do palco)
Mãe (Chega com uma bandeja) - Não! Toma, Gerúndio, feitos agorinha mesmo com o melhor vento sudoeste!
Gerúndio (Levanta, atraído pelos pastéis) - Vento sudoeste...(Prova um) bem salgadinhos. Deliciosos! (Ouve-se de novo a clarinada) O batalhão me espera! (Gerúndio vai até a janela, mas volta duas vezes para comer mais pastéis. Depois sai pela janela)
Mãe - Vamos preparar mais pastéis para o batalhão! Meu Deus, quanto trabalho!
Pluft - Este tio Gerúndio é o maior! (Ouve-se o canto do Perna de Pau. Pluft e a mãe saem)
Perna de Pau (Entrando com Maribel) - Agora está claro como o dia. Claro, ora, pois é dia, ora. (Ri de si mesmo. Empurra a menina, vai até a janela e canta) Viva o sol, do céu da nossa terra, vem surgindo, atrás da linda serra! (Pára de cantar) Ora, lugar de tesouro é baú. Ah! Ah! Ah! Está vendo, minha bela, tudo agora está calmo. Podemos procurar tranquilamente. (Ouve-se a corneta ao longe, chamando os marinheiros do mar. O Perna de Pau se perfila, fazendo continência) Ora, pensei que estivesse no meu navio! Que é isso? Manobras ao mar? (Vai até a janela e pega uma luneta) Mas não vejo nenhum navio ao largo. Que vento esquisito está soprando na praia...(Enquanto ele espia pela luneta, Pluft corre e fala qualquer coisa ao ouvido de Maribel e desaparece deixando Maribel contente) Deve haver algum navio no porto. O dia do meu navio chegará. Vamos ao tesouro. Vamos ao baú. Agora vou dar o golpe do baú...(Ri de si mesmo. Depois abre o baú, tira um travesseiro de matéria plástica e panos, que vai jogando para trás. Junto com os panos vem uma chave que Pluft apanha e entrega a Maribel. Esta, muito aflita, exibe a chave ao público, enquanto Perna de Pau descobre o tesouro) Lá está ele! Lá está ele! É o meu tesouro! (Tira o cofre com cuidado, acaricia-o, ninando-o como se fosse uma criancinha. Tenta abri-lo) A chave! Deve estar por aqui.(Começa a procurar, vai ao baú e descobre uma chave) Achei! Achei a chavinha do meu tesourinho! Era uma vez um marinheiro que recebeu um tesouro...(Tenta abrir o cofre e não consegue) Não é esta! Quem viu a chave do cofre? Quem viu? (Procura a chave de gatinhas) Meu tesourinho, espera um minutinho, sim? Venho já te libertar deste cofre. Onde está a chave? Onde está a chave? (De gatinhas ele sai de cena sempre dizendo “Onde está a chave?”)
Pluft (Aparecendo) - Depressa, Maribel! Venha se esconder aqui conosco enquanto tio Gerúndio não volta com os fantasmas do mar. A chave está conosco, o tesouro está salvo! (Os dois desaparecem. Ouve-se a canção do Bonança. Surgem os três marinheiros, desta vez armados com redes de caçar borboletas)
Sebastião - Viva o grande capitão Bonança!
Os dois - Vivoooo! (Procuram e finalmente encontram o tesouro)
Os três - O tesouro! (Volta o Perna de Pau de gatinhas e, sem vê-los, rodeia-os por entre as pernas)
Perna de Pau - A chave. Preciso encontrar a chave...(Continua sem ver os marinheiros e desaparece de gatinhas)
Os três (Recuperando do susto) - O marinheiro Perna de Pau!
Perna de Pau (Voltando) - Pelo a mor de Deus! Procurem a chave!
Os três - A chave?!
Perna de Pau - A chave do meu tesourinho.
Os três - Oh!
Perna de Pau (Já de pé, puxando os três para o proscênio) - Quem achar a chave para mim, eu dou a neta do capitão Bonança!
Os três - Bandido! É agora que vamos te pegar, ladrão de tesouro! Onde é que você prendeu a Maribel? Anda! Fale!
Perna de Pau (Só então percebendo que está em frente dos três) - Uiiii!...(Os três surram o Perna de Pau com as redes, enquanto se ouve a corneta dos marinheiros-fantasmas. Os quatro se perfilam. Entra Pluft)
Pluft - É o tio Gerúndio com os marinheiros-fantasmas! (Os quatro começam a tremer. O Perna de Pau desmaia, enquanto caem do teto vários fantasmas-marionetes fazendo grande barulho e confusão. Os três desmaiam uns por cima dos outros. Pluft, Maribel, a senhora Fantasma e Gerúndio dão as mãos aos fantasmas do mar e cantam em roda: “Eu fui no Tororó beber água e não achei”)
Gerúndio (Apitando) - Fantasmas do mar! (Ouve-se o tambor e a corneta e os marinheiros-fantasmas sobem. Gerúndio, dirigindo-se ao Perna de Pau, que começa a levantar) Levanta, seu medroso!
Perna de Pau - O fantasma do navio do capitão Bonança! Eu só queria a chave do cofre!?
Pluft - A chave está aqui, titio.
Gerúndio - Abra o cofre, Pluft. (Pluft obedece. Perna de Pau afasta Pluft e tira do cofre um retrato, um papel e um rosário)
Perna de Pau - O retrato da neta Maribel! Uma receita de peixe assado! Um rosário! (Faz o sinal da cruz com muito medo e levanta o rosário, deixando-o cair nas mãos de Pluft. Depois volta ao cofre) E o dinheiro? E o dinheiro?
Gerúndio - O dinheiro está no fundo do mar. Pode ir buscá-lo, Perna de Pau. (Gerúndio apita. Ouve-se o toque da corneta) Os fantasmas do mar vão levá-lo ao tesouro que está enterrado no fundo do mar. (Os fantasmas tornam a descer)
Perna de Pau - Não! Não! Não! Fantasmas não! (Empurrado pelos fantasmas, Perna de Pau recua até a janela e desaparece. Os fantasmas se recolhem)
Mãe (Surgindo com uma bandeja) - Esperem! Esperem! Pastel de vento para todos! Pastel! (Também desaparece pela janela enquanto se ouve sua voz gritando “Pastel”. Pluft e Maribel olham pela janela. Gerúndio boceja e volta ao seu baú. No proscênio começam a despertar os marinheiros)
João - Maribel!
Maribel - João! (Os dois se abraçam. João torna a recuar e Maribel vê Julião) Julião!
Julião - Maribel! (Julião se afasta, Maribel vê Sebastião)
Maribel - Sebastião!
Sebastião - Maribel! (Mesmo jogo. Pluft, muito contente, também se aproxima para ser abraçado, mas os três se afastam com medo)
Pluft - Ei!
Os três (Medrosos) - Ei!
Pluft (Depois de uma pausa) - Viva gente!
Maribel - Viva fantasma!
Pluft - Viva gente!
Todos (Dando as mãos e fazendo uma roda em volta de Pluft) - Viva fantasma!
Pluft - Viva gente!
Gerúndio (Saindo do baú) - Viva o grande capitão Bonança!
Todos - Vivaaaa! (Todos batem palmas, enquanto Gerúndio descobre o retrato do grande capitão pendurado na parede, logo acima do baú e coberto por uma rede)
FIM
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Pluft, o fantasminha foi levado pela primeira vez pelo Tablado, no Rio de Janeiro, em 1955, com cenário de Napoleão Moniz Freire, figurinos de Kalma Murtinho, sonoplastia de Edelvira Fernandes e Martha Rosman; corneta, Jean Pierre Fortin; caracterizações de Fred Amaral; fantasmas de Mário Cláudio da Costa Braga; direção de Maria Clara Machado. Elenco: Pluft (Carmen Sílvia Murgel), Maribel (Vânia Veloso Borges), Marinheiros (João Augusto, Eddy Rezende e Roberto de Cleto), Perna de Pau (Emílio de Matos), Mãe Fantasma (Kalma Murtinho) e tio Gerúndio (Germano Filho).
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quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012
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