sábado, 18 de fevereiro de 2012

FUTURISMO

DADAÍSMO
SURREALISMO


Odette Aslan



           O espírito novo às vezes abre seu caminho à força. A representação de Ubu-Rei escandalizou em 1896. As Mamas de Tirésias provocaram torcidas de nariz em 1917. Os dadaístas, futuristas e surrealistas desencadearam violentos tumultos.


           Embora Jarry tenha sido poeta simbolista, sua peça Ubu-Rei envereda por outro caminho. Ele pretende que ela seja representada por personagens mascaradas, semelhantes a grandes marionetes. Para corcovear, Ubu deve ter uma cabeça de cavalo de papelão pendurada no pescoço, "como no antigo teatro inglês".


          No momento da criação, os comediantes não se preocuparam com o sentido exato das frases ou das palavras fantasiosas do texto: "Não ocorreu a nenhum de nós a idéia de nos informarmos sobre o significado das palavras que pronunciávamos. O que nos agradava era justamente o fato de não as compreendermos" (Firmin Gémier).


          O cenário é muito pouco figurativo: cartazes pendurados indicam o lugar da ação. Para significar que se abre uma porta, um comediante estende o braço; Gémier põe uma chave na mão de seu parceiro como numa fechadura, imita o barulho da lingüeta e vira o braço; isto mostra que a porta está aberta. Para descer uma encosta, Os Palotins, com ametade do corpo escondida atrás de um biombo, flexionam progressivamente os joelhos. Tudo isso parecia ao espectador da época afrontoso, provocante.


          Jarry especificou sua teoria cênica num artigo intitulado "De l'inutilité du théâtre au théâtre". Ele é contra o cenário realista, o telão pintado. Ele quer uma "essência" de cenário, um fundo neutro, em que cada um imagina o que quiser a partir de cartazes escritos. Quando se precisa abrir ou fechar uma janela, esta é trazida à cena como um acessório. É um teatro sintético, desmistificado.


          Jarry também recusa a maquiagem, por que "os músculos permanecem os mesmos sob um rosto disfarçado e pintado". É melhor esconder o verdadeiro semblante do ator com uma máscara-caráter (por exemplo, o avarento). Para dar-lhe alguma expressão, Jarry sugere que "através de lentos movimentos de cabeça, de cima para baixo e de baixo para cima, e vibrações laterais, o ator desloque as sombras por toda a superfície de sua máscara".


          Além do mais, cumpre-lhe encontrar uma voz especial que faça falar a máscara-personagem. Pouco importa se a emissão for monótona. Já aparecem nessas preocupações o esboço de um grande movimento de renovações.


          Depois de Ubu, o teatro do século XX procura encontrar-se. Além da reação contra o naturalismo, a nova cena se caracteriza por:


. O sentido da provocação, do espicaçar, a vontade de destruir a tradição, de matar o luar sentimental e o academicismo burguês. Espírito de escárnio, de zombaria do futurismo e do surrealismo.


. A desintegração da linguagem. Apollinaire suprimiu a pontuação e pregou a inverossimilhança. A intriga desaparece, o texto explode, torna-se absurdo; busca-se uma escrita "inconsciente": a linguagem automática do surrealismo, ou a construção não compreensível do zaum russo. A tendência é no sentido de uma linguagem falada, que não parece ser premeditada. A estrutura da peça bem feita é sacudida como um coqueiro.


. A explosão da noção de personagem. Esta se decompõe, torna-se imprecisa; ela pode ser um objeto.


. A fragmentação da noção de autor: o encenador reconstrói a peça e converte-se em co-autor. Nada de reconstitução histórica, nada de fidelidade ao autor do "argumento".


. A fragmentação do espaço: o local da cena se remodela.


Futurismo


          Teoria atribuída ao italiano Marinetti, desenvolveu-se principalmente na Itália, na França e na Rússia, de 1909 a 1930. Mais que os dadaístas e os surrealistas, os futuristas voltaram-se para os problemas cênicos. Marinetti é contra o drama psicológico, a verossimilhança, o tema do amor. Os cenógrafos e encenadores futuristas preconizam a não-obediência ao autor, o não-respeito à exatidão histórica, a intrusão da modernidade na cena, a orientação mais para o music hall do que para um teatro dramático.


Surrealismo


          Não entraremos aqui na discussão dos que querem estabelecer ordens hierárquicas ou cronológicas entre cubismo, futurismo, dadaísmo ou movimento dadá e surrealismo. Peças dadás representadas por seus autores ou peças futuristas apresentadas no Laboratoire d'Art et Action parecem gotas d'água diante das peças por vezes classificadas sob a rubrica surrealista. Por isso, nós as trataremos em conjunto. Queremos apenas salientar de início o que foi o espírito dadá nesse movimento art nouveau de antes e depois da guerra 1914-1918.


Dadá


          Nasceu no Cabaret Voltaire, em Zurique, por volta de 1918, com Hugo Ball, os romenos Marcel Janco e Tristan Tzara, o alsaciano Hans Arp e o alemão Richard Huelsenbeck. O movimento dadaísta estendeu-se à Europa e à América. Inimigo da compartimentação das artes, zombava de pintores, poetas e músicos. Não era uma estética particular, mas um comportamento: insubmissão a tudo, recusa de impasses intelectuais, da lógica, da razão, do banal, uma regressão à infância, uma volta ao começo.


          No dadaísmo florescia o anarquismo, o niilismo, o espírito do espicaçar, a revolta contra o primado da máquina. Exibicionista, não escondia seu gosto pelas manifestações públicas, até as procurava, provocando os espectadores para melhor se afirmar, mas quase sem utilizar atores profissionais para interpretar as peças inseridas em programas em que leituras de poemas se alternavam com manifestos e canções de inspiração dadá, ocorridas "por acaso".


          Considerando que a linguagem estava convertida a uma banalidade jornalística desprovida de sentido, o dadaísmo lançou, para reavivá-la, poemas fonéticos ou "ações de associações respiratórias e auditivas inseparavelmente ligadas com o decurso do tempo" (Raoul Hausmann), em que o som e a respiração exercem um papel criador.


          Poemas feitos para serem ditos, proferidos, mas onde as relações fonéticas são primordiais, onde a palavra desaparece em favor das vogais, das consoantes. Em sua Ur-sonate, de 1925, em Postdam, Kurt Schwitters misturava assobios, gritos e grunhidos às palavras. Usavam também latidos. Manifestos dadaístas foram recitados em público a várias vozes (de cinco a dez), simultaneamente, com provocação e com o máximo de intensidade vocal.


          Num poema simultâneo, dizia Hugo Ball, "um rr prolongado durante vários minutos ou batidas barulhentas ou ainda o soar de sirenes têm sonoridade bem superior à voz humana. Num resumo típico, o poema mostra a luta entre a voz humana e um mundo ameaçador. Quando Benjamin Péret disse o poema de Eluard, "Par le cou des brises" (em junho de 1921, na Galerie Montaigne), leu-o imóvel, com entonações das mais contrárias ao sentido. Entende-se que essa técnica contracorrente tenha sido mais fácil para não-atores do que para profissionais, que, neste caso, teriam de lutar contra a sua maneira habitual de expressão.


          Experimentando colagem, fotomontagem, procurando o movimento das formas, os dadaístas tinham, sobretudo, necessidade de reunir um público ao redor de si, de atuar e fazerem os outros atuar. Eles promoviam reuniões movimentadas, provocando o público de várias maneiras para ver o que acontecia, para ativar o espectador, para solapar o que era rotineiro, sentimental.


          Em L'Empereur de Chine (Ribemon-Dessaignes), apunhala-se, degola-se, como se não fosse nada. Os programas são deliberadamente absurdos, escandalosos. Poetas e autores de esquetes interpretavam suas próprias obras em que "palavras desprovidas de sintaxe, um grito, um gesto de levar a mão à cabeça ou de assoar-se em cena têm tanto sentido e valor quanto as mais sublimes efusões da poesia". (Jacques Rivière).


          Eluard e Cocteau (antes de ser afastado do grupo Littérature, de orientação dadaísta) prestavam sua colaboração de intérpretes voluntários. Durante todas as manifestações dadaístas, os únicos nomes de comediantes profissionais que se encontram citados uma ou duas vezes são: Pierre Bertin, Marcel Herrand, Musidora, Jacqueline Chaumont, Saint-Jean, Pierre Brasseur e Andrée Pascal.


_________________
Extraído de O ator no século XX, Editora Perspectiva





Nenhum comentário:

Postar um comentário