segunda-feira, 9 de abril de 2012

Teatro/CRÍTICA

"A peça do casamento"

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Memória feita de lágrimas e sorrisos


Lionel Fischer


Certamente o dramaturgo norteamericano vivo mais importante, Edward Albee começou sua carreira com obras de caráter crítico: "A história do zoológico" e "A morte de Bessie Smith". As influências do Teatro do Absurdo se refletem em "Exorcismo", "A caixa de areia" e "Sonho americano". Com "Quem tem medo de Virginia Woolf" (1962) cria um melodrama psicológico, mesmo procedimanto adotado em "Um equilíbrio delicado" (1966). Sua produção nos anos 70 e 80 foi muito desigual, até escrever "Três mulheres altas" (1994), que obteve ótima repercussão.

O presente texto, que desconhecia, foi escrito em meados dos anos 80 (segundo informa, no programa, o tradutor Marcos Ribas de Faria) e minha surpresa é idêntica à expressada (também no programa) pelo ator Dudu Sandroni: por que até hoje a peça permaneceu inédita do Brasil? Enfim...

Mas o que importa é que o público carioca pode agora usufruir o privilégio de entrar em contato com uma obra brilhante. Em cartaz na Casa de Cultura Laura Alvim, "A peça do casamento" chega à cena com direção assinada por Pedro Brício e elenco formado por Guida Vianna e Dudu Sandroni.

Jack e Gillian estão casados há 30 anos. Um belo dia, ao voltar do trabalho, Jack comunica à esposa que está indo embora. Segue-se um diálogo hilariante, pois as palavras jamais são entendidas em seu significado óbvio. E a tal ponto que Jack propõe à mulher uma repetição da cena, voltando a sair de casa e retornando logo em seguida. Fica aqui evidente dois aspectos fundamentais do texto: a questão do jogo cênico e a dificuldade de comunicação.

Aos poucos, à medida que os personagens relembram seu passado, entramos na questão da memória. Como os dois dificilmente concordam, o espectador se vê diante de duas possibilidades: ou acredita que ambos se empenham em desvirtuar os fatos vividos apenas para fazer prevalecer sua vontade ou, na realidade, nada mais fazem do que exibir impressões não necessariamente atreladas ao real, mas filtradas, digamos assim, por um processo seletivo que prioriza muito mais as emoções. 

Alternando passagens amargas com outras muito divertidas, Edward Albee produziu um texto de altíssima qualidade, que investiga de forma sensível e profunda o universo das relações amorosas. E o faz através de personagens magnificamente estruturados, diálogos fluentes e uma ação dramática que cativa a platéia ao longo de todo o espetáculo. Este, por sinal, de excelente nível.

Certamente sabedor de que um texto desta natureza não comporta inócuas mirabolâncias formais, o diretor Pedro Brício impõe à cena uma dinâmica em total sintonia com os objetivos do autor. Ou seja: investe todas as suas fichas na relação entre os personagens e  na materialização de suas questões. Exibindo marcas sempre condizentes com os conteúdos em causa, explorando com extrema perícia os tempos rítmicos e as alternâncias de clima, o espetáculo também faculta ao público o privilégio de assistir a duas interpretações absolutamente irretocáveis.

Atores com vasta experiência e inegável talento, Guida Vianna e Dudu Sandroni esgotam todas as possibilidades de seus complexos e divertidos personagens, valorizando ao máximo todas as passagens e exibindo aquele tipo de contracena que só existe quando os atores estão absolutamente seguros do que fazem e se entregam ao jogo teatral com a paixão que lhe é inerente. Sob todos os aspectos, duas performences que se incluem entre as melhores da atual temporada.

Na equipe técnica, Marcos Ribas de Faria assina ótima tradução, a mesma excelência presente na cenografia de Aurora dos Campos, na iluminação de Tomás Ribas, nos figurinos de Rita Murtinho, na trilha sonora de Lucas Marcier e Fabiano Krieger e na preparação corporal de Andrea Jabor.

A PEÇA DO CASAMENTO - Texto de Edward Albee. Direção de Pedro Brício. Com Guida Vianna e Dudu Sandroni. Casa de Cultura Laura Alvim. Quinta a sábado, 21h. Domingo, 20h.

        

Um comentário:

  1. Bom dia, Lionel.

    Gostaria de convidá-lo a assistir meu monólogo que está em cartaz no Centro Cultural Solar de Botafogo. Chama-se "Filemon - Ensaio sobre a solidão" e fará temporada até o dia 29 deste mês, sextas e sábados às 20h e domingos às 19h. Por gentileza, caso seja de seu interesse, entre em contato para que eu disponbilize seus convites.

    Grato pela atenção,

    Rodrigo Vrech

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