segunda-feira, 30 de abril de 2012

Teatro/CRÍTICA

"Antes que você me toque"

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Deliciosa e enriquecedora jornada


Lionel Fischer


No início - dizem - era o Verbo. No meio - sem nenhum duplo sentido - não sei o que havia. Mas hoje, não há como negar que o sexo é um componente fundamental em nossas vidas. Nunca se transou tanto como agora. Nunca a propaganda, seja lá do que for, investiu tanto em apelos eróticos. Nunca se cuidou tanto do corpo,  obviamente com o propósito de exibi-lo e gerar desejo. Nunca, enfim, a humanidade investiu tanto no sexo e o praticou em tantas variáveis. Ainda assim, ouso supor que não haja um justa correspondência entre tal investimento e a felicidade que supostamente deveria gerar. Por que será?

Como não sou psicanalista, sociólogo e muito menos sexólogo, não sei exatamente a que atribuir tal descompasso. Mas é bem possível que o presente espetáculo ajude o espectador a compreender melhor uma série de questões que envolvem o ato de entregar-se fisicamente a alguém. Com dramaturgia assinada por Claudia Mele (idealizadora do projeto) e Ivan Sugahara (também responsável pela direção), "Antes que você me toque" está em cartaz na Boate 2a2, casa noturna exclusiva para casais que curtem o voyeurismo, o exibicionismo e os adeptos do swing. No elenco, Claudia Mele, Cristina Lago, Igor Angelkorte e Saulo Rodrigues.

"Com a abordagem de temas diversos como a descoberta do sexo, o jogo de sedução, o exercício da volúpia, a falta de afeto, o amor e as dificuldades da relação a dois, a peça propõe um questionamento sobre a sexualidade no mundo contemporâneo". Este trecho, extraído do release que me foi enviado, sintetiza os principais temas abordados no espetáculo, que mescla ficção e vivências de toda a equipe de criação que, além dos profissionais já citados, inclui Livia Paiva. E dentre todos os temas, um me parece o mais crucial: a falta de afeto.

Como já deixei claro acima, não sou um especialista no assunto. Mas me parece óbvio que, quando fazemos sexo sem amor, enveredamos para o trágico. Sim, pois tudo passa a se resumir a patéticas tentativas de se demonstrar habilidade, a mera performance, através da qual homens e mulheres - sobretudo os homens - se empenham desesperadamente em dar prazer ao outro, totalmente esquecidos de que o dito prazer não pode excluir, em hipótese alguma, uma entrega de almas. E o momento mais tocante do espetáculo é justamente o que mostra o dilacerante encontro de um homem e uma mulher que não se conheciam e resolvem ir para a cama - é claro que não entrarei em maiores detalhes, pois isso privaria o espectador de usufruir o impacto de uma cena belíssima.

Bem escrito, contendo ótimos personagens (fruto, como já disse, de ficção e realidade), muitas vezes tocante e ao mesmo tempo exibindo cenas engraçadíssimas, "Antes que você me toque" recebeu excelente versão cênica de Ivan Sugahara, que explora com grande imaginação vários espaços da boate e jamais, que fique bem claro, submete a platéia a qualquer tipo de constrangimento. Muito pelo contrário: atores e espectadores se irmanam numa deliciosa e enriquecedora jornada.

Quanto aos atores, torna-se evidente seu visceral envolvimento com todas as questões levantadas pelo espetáculo que ajudaram a criar. Todos exibem charme, carisma, verdade, humor, delicadeza, perplexidade, tristeza, tesão, enfim, incontáveis sentimentos, afora notável capacidade de entrega. A todos, portanto, parabenizo em igual medida e a todos agradeço a inesquecível festa para a qual fui convidado.

Na equipe técnica, são de excelente nível as contribuições de Nello Marrese (cenografia), Renato Machado (iluminação) e Ivan Sugahara (trilha sonora). Mas não há como não conferir um destaque todo especial para os maravilhosos figurinos de Tarsila Takahashi, em alguns momentos lindíssimos e em outros deliciosamente críticos e hilariantes.

ANTES QUE VOCÊ ME TOQUE - Dramaturgia de Claudia Mele e Ivan Sugahara. Direção de Ivan Sugahara. Com Claudia Mele, Cristina Lago, Igor Angelkorte e Saulo Rodrigues. Boate 2a2. Quinta a sábado, 20h30.    







   

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