O BALÉ
Ivor Guest
Tradução: Milena Uzeda
O presente artigo oferece um amplo histórico do universo do balé, a partir do momento em que passou a acontecer em espaços fechados com uma determinada finalidade. Inicialmente destinado apenas ao entretenimento das cortes, com o tempo o balé ampliaria seu alcance, até tornar-se um dos mais poderosos e belos veículos de expressão artística.
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As origens
O balé como uma forma artística do teatro ocidental teve origem nas cortes italianas renascentistas, onde a dança era um instrumento de necessidade do reinado e uma forma híbrida de espetáculo elaborado cujos objetivos eram entreter e, principalmente, impressionar. Foi quando, então, tornou-se comum a figura do mestre da dança profissional, cuja tarefa era criar danças para ocasiões importantes: homens como Domenico of Piacenza, Antonio Cornazano e William, o Judeu. Quando Carlos VIII da França invadiu a Itália, em 1494, para reivindicar o trono napolitano, essas diversões promovidas pela corte já estavam consolidadas e maravilhavam os cortesãos franceses pela sua suntuosidade.
No século seguinte - principalmente graças à influência de Catarina de Médici, uma princesa italiana que se casou com Henrique II da França - essa forma de espetáculo em que, além da dança, também se recorria a cantos e declamações, foi desenvolvida na corte francesa. A produção, em Paris, do Ballet Comique de la Reine (1581) constituiu um marco importante. Não foi o primeiro balé cortesão francês, mas indubitavelmente o mais bem produzido daquela época e o mais celebrado desde então, o que resultou na distribuição do seu libreto entre as cortes européias como um exemplo da superioridade da cultura francesa.
Ao longo de vários reinados, o balé tornou-se uma característica importante da vida cortesã francesa, assumindo ampla variedade de formas e não raro criado para passar mensagens políticas. Esses balés, que muitas vezes admitiam plebeus, eram representados principalmente por cortesãos que, a partir do reinado de Luís XIII, passaram a dividir o espetáculo com bailarinos profissionais. Os próprios reis não se consideravam indignos de participação, principalmente Luís XIV, que desde jovem já mostrava um talento singular para a dança. No começo do seu reinado, o balé cortesão alcançou o seu apogeu, sendo usado praticamente como um instrumento do Estado na implantação e consolidação da noção de monarquia absoluta, cultuada na pessoa do rei, que um dia viria tornar-se conhecido por um dos seus papéis no balé, o de ‘Roi Soleil’.
No teatro
O interesse de Luís XIV pelas artes, e principalmente pela dança, levou-o a fundar a Ópera de Paris sob a direção do compositor Lully. O quase desaparecimento do balé como um divertimento da corte, nessa época, coincidiu com a adoção de um ponto-de-vista muito mais austero por parte do rei, com o fim da sua juventude e com o crescente envolvimento da França em guerras dispendiosas. Em alguns aspectos, as óperas de Lully continuaram representando a tradição do balé cortesão, principalmente no que diz respeito à importância da dança, que cresceu no começo do século XVIII com as óperas-balé de Campra e Rameau. Já consolidada no teatro, a dança se profissionalizou e o seu potencial técnico e interpretativo foi refletido no surgimento das primeiras grandes estrelas, principalmente Marie Camargo e Marie Sallé e, no lado masculino, de Louis Dupré e de Gaétan Vestris - cada um, à sua maneira, desenvolveu o estilo essencialmente francês da danse noble.
Cisão
A cisão entre o balé e a ópera, ocorrida no século XVIII, simbolizou um progresso muito mais significativo. A idéia de um desempenho dramático, transmitido sem palavras e através da pantomima e da dança, não foi invenção de uma só pessoa, mas surgiu na mente dos mestres da dança. Entre as mais remotas manifestações práticas estavam as produções de John Weaver em Londres, principalmente The Loves of Mars and Venus (1717). Aproximadamente uma geração depois, Franz Hilferding encenava versões em mímica de peças em Viena, enquanto, em Paris, Jean-François De Hesse, influenciado pela Commedia dell’Arte, produzia balés-pantomima no Théâtre Italien. Esses foram os mais importantes precursores dos dois coreógrafos que abriram caminho para o estabelecimento do balé como uma forma eminentemente teatral no palco da casa de ópera: Gasparo Angiolini e Jean-Georges Noverre. Esse último foi o mais influente dos dois, pois viria expor suas idéias em Letters on Dancing and Ballets, publicada em 1760 e reconhecida, desde então, como uma obra seminal sobre teoria da coreografia. Depois de fazer sua reputação em Stuttgart, foi contratado pela Ópera de Paris, onde, depois de sua morte, os irmãos Gardel e Dauberval adotariam sua fórmula para aquilo que chamava de ballet d’action.
Domínio
Os irmãos Gardel viriam dominar o balé parisiense até as vésperas do período romântico. O mais velho, Maximilien, tinha o dom de produzir balés baseados em opéras comiques, abordagem que encantava a todos e que contribuiu para dar à nova forma do balé uma base sólida no repertório da Ópera de Paris. Com sua morte prematura, foi substituído pelo irmão Pierre, que se tornou o mestre inigualável do balé francês de 1787 a 1820. Seus balés mais famosos - Télémaque e Psyché (ambos de 1790) - possuíam um sabor neoclássico, mas ele também produziu um balé cômico, La Dansomanie (1800), que permaneceu no repertório por 25 anos. Jean Dauberval, dono de uma personalidade mais sensível, talvez fosse ainda mais talentoso. Porém trabalhava principalmente em Bordeaux, preferindo a situação mais amena que lá reinava. Sua fama perpetuou-se pela obra-prima cômica La Fille Mal Gardée, que ainda sobrevive em diversas versões.
Sapatilha
O balé prosperou por toda a Europa no século XVIII, sobretudo o italiano, que assumiu um estilo próprio baseando-se essencialmente na mímica, e já no final do século transformou Salvatore Vigano em um estupendo coreógrafo - suas peças teatrais coreografadas mantinham um alto nível de homogeneidade.
A técnica do balé também vinha conquistando espaço e cada vez distanciando-se mais da concepção de dança social. No final do século, já começava a se cristalizar na forma em que Carlo Blasis viria registrar tão no seu Tratado Elementar Sobre a Teoria e Prática da Arte da Dança (1820). Um progresso de suma importância consistiu na introdução da sapatilha de balé sem salto. Isso tornaria possível a extraordinária extensão da técnica da bailarina propiciada pela prática de pointe, recurso que seria explorado ao longo do século XIX.
Já o bailarino assegurou sua importância na segunda metade do século XVIII. Auguste Vestris e Charles Le Picq eram tão ovacionados quanto suas parceiras. Entre as bailarinas famosas dessa época figuravam Anne Heinel, Madeleine Guimard e Marie Gardel.
Romantismo
O movimento romântico, que se disseminou e modificou a arte em todos os seus aspectos na primeira metade do século XIX, encontrou solo fértil no balé. O primeiro sinal desse florescimento extraordinário, que geraria uma moda inédita para o balé, veio com Marie Taglioni, cujo estilo possuía uma poesia compatível com a imagem romântica de uma bailarina. Ela teve a sorte de ser dirigida por um protetor que coreografava balés sob medida para ela - o mais famoso deles, La Sylphide (Ópera de Paris, 1832), tornou-se o protótipo de muitos outros balés produzidos na época romântica e posteriormente. Seu tema, o amor entre uma fada e um mortal, era essencialmente romântico, expressando com extrema delicadeza a questão do inatingível.
Outra diva da época era a bailarina vienense Fanny Elssler, que deixava a platéia alvoroçada com a sua interpretação da espanhola Cachucha. Essas duas bailarinas se tornaram celebridades internacionais - com o surgimento do navio a vapor e da ferrovia, suas carreiras levaram-nas, em momentos diferentes, à Russia, sendo que Elssler passou dois anos na América do Norte em uma tournée triunfante.
Primeiras estrelas
Paris ainda era vista como o principal centro do balé, mas uma série de bailarinas brilhantemente treinadas começava a surgir na Itália - principalmente no Scala, de Milão, que em 1837 passou para a direção de Carlo Blasis. A bailarina que sucedeu Taglioni e Elssler em Paris, Carlotta Grisi, adquirira suas primeiras técnicas nessa escola e teve seu estilo aprimorado por Jules Perrot. Ela saltou para a fama quando criou o papel-título de Giselle (1841), balé que sobrevive até hoje mantendo intacta grande parte da sua coreografia original, e é considerado a maior obra-prima do balé romântico. Foi criado nos modelos de La Sylphide, mas com muito mais recursos: um estilo mais refinado, desenvolvido por Adolphe Adam; cenário projetado pelo poeta e crítico Théophile Gautier; e as coreografias mais importantes dirigidas por Perrot.
Jules Perrot fora o bailarino mais famoso da Ópera de Paris nos anos 30 do século XVIII - “o último homem a dançar”, nas palavras de Gautier - e passou a dedicar o seu talento à arte coreográfica. Trabalhou muito pouco em Paris, e Londres foi o cenário de suas grandes composições, que o colocavam um passo adiante dos seus contemporâneos. O Her Majesty’s Theatre, em Londres, funcionava em algumas temporadas e, enquanto não possuía a regularidade obtida por companhias e escolas de balé permanentes, seguia uma política de contratação de uma galáxia inigualável de estrelas do balé e da ópera. Dentre os balés de Perrot destacam-se Ondine (1843), interpretada por Fanny Cerrito, Esmeralda (1844), por Grisi, e Catarina (1846), por Lucile Granh. Porém, ainda mais extraordinários eram aqueles seus balés que reuniam diversas estrelas, dos quais o mais famoso era o Pas de Quatre (1845), em que Taglioni, Cerrito, Grisi e Grahn bailavam juntas.
Em Copenhage, havia um coreógrafo trabalhando em uma companhia mais modesta. Francês por nascimento e treinado na escola de Paris, ele produziu um enorme repertório de balés, muitos dos quais vêm sendo mantidos, até hoje, com grande parte de sua coreografia original. Era August Bournonville, que dirigiu o balé no Royal Theatre de Paris entre 1830 e 1877, com duas pequenas interrupções. Esses balés - principalmente sua versão de La Sylphide (1836), Napoli (1842) e Conservatory (1849) - podem ser vistos como réplicas, embora numa escala muito menos pródiga, das obras-primas perdidas de Perrot.
Diversão
A popularidade do balé começou a decair por volta de 1850, mas o ímpeto do romantismo continuava vivo e coreógrafos que haviam vivido durante esses anos dourados continuaram produzindo trabalhos de sucesso. Arthur Saint-Léon - marido da bailarina Cerrito e, quando no seu auge, um bailarino de extraordinário virtuosismo - era adepto da produção de balés divertidos, repletos de couleur locale, na forma de danças nacionais. Na década de 1860, ele dominou o cenário do balé na Rússia e em Paris; o seu Little Hump-backed Horse (1864) foi durante muito tempo um dos favoritos em São Petesburgo e Moscou, enquanto o seu último balé, Coppélia (Ópera de Paris, 1870), produzido com um estilo brilhante por Léo Delibes, não perdeu nada do seu charme atemporal. Assim como ele, Marie Taglioni também passou a se dedicar à coreografia, produzindo somente um único balé, Le Papillon (Ópera de Paris, 1860), com trilha sonora de Offenbach.
Rússia czarista
Com o declínio da popularidade do balé na Europa Ocidental, o centro das atenções passou a ser a Rússia, onde os czares criaram companhias de balé, em grande escala, em São Petesburgo e Moscou, esta última permanecendo o centro mais significativo até a Revolução. No século XIX, muito do incentivo foi promovido por uma sucessão de mestres do balé treinados na França, dirigidos por Charles Didelot, um dos maiores coreógrafos da era pré-romântica que reestruturou a escola de São Petesburgo, a qual, desde então, começou a produzir excelentes bailarinos. Após Didelot veio Perrot e Saint-Léon, e em seguida o homem cujo nome é imediatamente associado ao grande florescimento do balé na Rússia, no final do século: Marius Petipa.
O gênio Petipa
Petipa chegara em São Petesburgo em 1847 e seguiu seu aprendizado coreográfico sob a orientação de Perrot e Saint-Léon. O último exercia uma maior influência sobre o aprendiz, que manteve vivo alguns de seus balés, particularmente Giselle, adaptando-os para um gosto mais contemporâneo e para as técnicas aprimoradas dos bailarinos. A mudança de gosto não veio acompanhada pela vulgarização, tendência nefasta no ocidente, e em muitos dos seus primeiros balés Petipa já conseguia injetar um conteúdo verdadeiramente poético. Isto era mais evidente em The Bayadere (1877), com sua cena de ‘As Sombras’, um ato de pura dança que ainda é considerado um paradigma da dança clássica na sua forma mais genuína.
A crescente indiferença do público com relação ao balé, sentida até mesmo em São Petesburgo, foi detida em 1884 pelo surgimento da grande bailarina dramática italiana Virginia Zucchi, seguida por uma série de compatriotas que introduziram o virtuosismo da escola de Milão. Zucchi restaurou a popularidade do balé praticamente sozinha, e este novo despertar resultaria nas obras-primas criadas por Petipa, já em idade mais avançada, e principalmente na festejada associação dele com Tchaikovsky. A primeira colaboração de Petipa com Tchaikovsky foi em A Bela Adormecida (1890) e depois em O Quebra-Nozes (1892). Contudo, devido ao delicado estado de saúde de Petipa, seu assistente Lev Ivanov foi o principal responsável pela coreografia, embora seguindo a orientação do mestre. O terceiro balé de Tchaikovsky, Lago dos Cisnes (1894-5), havia sido produzido anteriormente em Moscou, mas a versão de Petipa e Ivanov superou totalmente a original. Um dos últimos balés de Petipa foi Raymonda (1900), com trilha sonora de Glazounov, criado quando o coreógrafo já havia ultrapassado os 80 anos de idade.
Naufrágio
Apesar do enorme legado de Petipa, sentia-se uma necessidade de mudança após o seu longo período de dominação. O balé russo havia-se tornado seguro o bastante para garantir sua auto-suficiência. As bailarinas dominavam os segredos da técnica dos italianos e um jovem coreógrafo russo, Michel Fokine, já formava idéias que modificariam a arte do balé.
Durante o período em que o balé emergia na Rússia através de Petipa, a Europa Ocidental assistia a seu triste naufrágio. Em Londres, ele fora até mesmo expulso da casa de ópera e obrigado a instalar-se na sala de espetáculos musicais populares. A esperança renasceu com o aparecimento de Adeline Genée, no Empire Theatre, no começo do século XX - até mesmo em Paris, o balé já parecia representar uma arte sem espaço no teatro moderno, mas um novo despertar estava iminente.
Serge Diaghilev
O causador desse despertar foi Serge Diaghilev. Homem extraordinário, ele emergiu como a figura dominante de um grupo de jovens intelectuais em São Petesburgo e revelou um talento especial para organizar exibições - em 1909, trouxe uma companhia de bailarinos russos a Paris e se é que é possível mudar o curso da História em um único dia, foi o que aconteceu na primeira noite de apresentação da companhia na Cidade-Luz. O balé russo foi uma revelação e Paris, bem como toda a Europa logo em seguida, foi enfeitiçada pela genialidade russa - a coreografia de Michel Fokine, o cenário de Benois e Bakst, o talento de Tamara Karsavina e, acima de tudo, a incrível técnica de Vaslav Nijinsky, que atraía mais atenção do que as próprias bailarinas.
Durante os 20 anos seguintes, o Balé Diaghilev despertou a Europa para o potencial do balé como uma arte autêntica, fruto do trabalho conjunto de coreógrafos, músicos e artistas. Afastando seus bailarinos dos Imperial Theatres e, depois da Revolução, conquistando outros que haviam emigrado para o Ocidente, a companhia ganhou ainda mais força pela habilidade singular de Diaghilev em atrair artistas, escritores e músicos do mais alto calibre. A companhia sobreviveu às vicissitudes da Primeira Guerra Mundial e da Revolução Russa, e embora atormentada por problemas financeiros crônicos, jamais perdeu seu esplendor.
O repertório
As temporadas anteriores à I Guerra Mundial foram dominadas por dois coreógrafos, Fokine e Nijinsky. O primeiro, já consolidado como o principal coreógrafo do Balé Imperial Russo, produziu uma série de obras-primas: Les Sylphides (1909), The Firebird, Scheherazade, Le Carnaval (todas em 1910), Petrushka e Le Spectre de la Rose (ambas em 1911). The Firebird e Petrushka também introduziram um jovem compositor que se tornaria uma importante figura do balé durante os sessenta anos seguintes, Igor Stravinsky. Mas Fokine decepcionou-se quando Diaghilev começou a incentivar a inclinação de Nijinsky para a coreografia. Este produziu três balés até a sua carreira ser interrompida por uma doença mental. E embora houvesse diferentes pontos-de-vista acerca da sua habilidade coreográfica, dois de seus balés - L’Aprés-Midi d’un Faune (1912) e Le Sacre Printemps (1913) - foram motivos de aclamados escândalos.
Mas Fokine e Nijinsky não estavam disponíveis quando o Balé Diaghilev recomeçou suas tournées européias após a guerra. Foi quando surgiu um novo coreógrafo, Leonide Massine, que se mostrou adepto da produção de obras cômicas, tais como La Boutique Fantasque (1919), com trilha musical de Falla. Em 1921, Diaghilev apostou tudo em um revival de A Bela Adormecida em Londres, produzido por Bakst, mas apesar de ter sido um sucesso artístico e de ter despertado o crescente público do balé às glórias de Petipa, acabou sendo um fracasso financeiro. Porém, como sempre, Diaghilev sobreviveu. Massine foi então sucedido como diretor de coreografia por Bronislava Nijinsky, cujo Les Noces (1923) foi uma profunda rememoração da antiga Rússia que ela deixara para sempre e um contraste marcante com o mais contemporâneo Les Biches (1924), uma evocação delicada dos prazeres sociais do cenário da Riviera. Na última fase da companhia, George Balanchine produziu alguns dos seus primeiros trabalhos, incluindo Apollon Musagète (1928) e Le Fils Prodigue (1929).
Picasso, Utrillo...
O corpo de baile de Diaghilev incluía muitos dos melhores artistas da época - Karsavina, Spessivtseva, Danilova, Markova, entre as bailarinas, e Nijinsky, Massine, Dolin, Lifar, entre os homens - enquanto que entre os artistas envolvidos na produção figuravam Benois, Bakst, Picasso, Larionov, Goncharova, Derain, Laurencin, Braque, Utrillo e Chirico.
Fora da órbita de Diaghilev, uma outra dançarina russa atraía um público menos sofisticado, porém muito mais extenso. Era Anna Pavlova, que havia sido treinada na Escola Imperial e se tornara uma bailarina importante em São Petesburgo antes da Revolução. Por mais de vinte anos, ela viajou o mundo com sua própria companhia, arrebatando milhões de pessoas com a poesia da sua dança.
Juntos, Diaghilev e Pavlova assentaram a fundação sobre a qual o balé ocidental viria ser reconstruído. Mas nenhum deles presenciaria o resultado dos seus esforços, pois morreram prematuramente: Diaghilev, em 1929 e Pavlova, em 1931.
Novas vertentes
Duas vertentes de desenvolvimento sucederam à morte de Diaghilev: a fundação de companhias itinerantes internacionais (moldadas no estilo do Balé Diaghilev) e o surgimento das companhias nacionais. O próprio Balé Diaghilev se dissolveu imediatamente após o desligamento de seu fundador e em 1932, uma nova companhia - o Ballets Russes de Monte-Carlo - foi formada sob a direção do Coronel W. de Basil e de René Blum em torno de um núcleo de dançarinos russos, tendo Massine e Balanchine como coreógrafos, e Serge Grigoriev - que havia representado o mesmo papel para Diaghilev - como régisseur. Esta companhia se estabeleceu como a herdeira da tradição de Diaghilev, adquirindo, aos olhos do público, um glamour que a tornava mais encantadora. Ela lançou uma nova geração de dançarinos, principalmente as ‘bailarinas infantes’, Tamara Toumanova, Tatiana Riabouchinska e Irina Baronova, e o seu repertório se tornaria notável por dois dos sucessos mais recentes de Balanchine - Cottillon e La Concurrence (ambos de 1932) - e o primeiro balé sinfônico de Massine, que marcou uma nova tendência em coreografia: Les Presages para a Quinta Sinfonia de Tchaikovsky e Choreartium para a Quarta Sinfonia de Brahms (ambas em 1933).
Em 1937, Massine deixou de Basil para se tornar diretor artístico de uma nova companhia que, confusamente, levava o nome de Ballet Russe de Monte-Carlo. Em 1938, Londres degustou um banquete de balé quando as duas companhias lá se apresentaram simultaneamente. O Ballet Russe de Monte-Carlo emigrou para os EUA pouco tempo depois da explosão da Segunda Guerra mundial e, gradativamente, se transformava em uma companhia americana, passando a maior parte do tempo em tournées pelo país. Dentre os balés por ele criados estavam Rodeo (1942) de Agnes de Milles, Ballet Imperial (1944), Concerto Barocco (1945) e Night Shadow (1945), de Balanchine. A companhia continuou existindo até 1962.
Enquanto isso, a companhia dirigida por de Basil, que se tornou conhecida como o Original Ballet Russe de 1939, interpretava um dos últimos balés de Fokine, incluindo Le Coq d’Or e Paganini (ambos de 1939), apresentando Riabouchinska como atração especial. Após uma tournée bem-sucedida na Austrália, durante a qual Graduation Ball (1940), de Lichine, foi criado, a companhia também chegou aos EUA. Sua última história teve altos e baixos. Ela passou quatro anos na América do Sul e, em 1947, retornou a Londres, onde foi a primeira companhia visitante a aparecer no Covent Garden depois da guerra. Ela foi dissolvida no ano seguinte.
A última das grandes companhias privadas foi Grand Ballet du Marquis de Cuevas, fundada em 1947. Seu legado artístico era muito menos substancial do que a de seus predecessores, porém durou 15 anos e teve o mérito de levar à notoriedade diversos bailarinos americanos - principalmente Rosella Hightower e Marjorie Tallchief. Sua última realização foi ter sido o palco da primeira aparição de Rudolf Nureyev depois de sua saída do balé Kirov, em 1961. Marquis morreu em 1961 e, no ano seguinte, a companhia se dissolveu.
Companhias nacionais
Entretanto, o principal incentivo da atividade desde a morte de Diaghilev tem ocorrido em companhias nacionais ou amparadas pelo município. O balé, como a ópera, sempre tendeu a ser uma arte subsidiada, já que é reconhecida pelos governos pelo seu valor influente como uma manifestação cultural e necessita de um gasto - para produção, orquestra e corpo de baile grandiosos - que geralmente é muito grande para se recuperar somente com o público pagante.
Em Paris, a ópera parece ter sempre gozado de algum tipo de subsídio financeiro, e o Ballet Ópera de Paris teve ajuda suficiente para sobreviver à decadência em que se encontrava já no final do século XIX. Quando da morte de Diaghilev, a companhia estava começando a se recuperar sob o comando de um excepcional diretor, Jacques Rouché, que incorporou Serge Lifar como mestre de balé. Foi um passo audacioso porém importante, pois Lifar viria dominar o balé francês por aproximadamente 30 anos, até 1958. Durante este período, ele não somente inspirou a companhia e ofereceu aos bailarinos um novo motivo de orgulho na sua arte, mas também se tornou uma figura respeitável e influente nos círculos intelectuais e artísticos. Ele produziu um grande número de balés, dos quais alguns ainda são eventualmente apresentados: Suite en Blanc (1943), Les Mirages (1947) e Phédre (1950).
Desde o afastamento de Lifar, o Ballet Ópera de Paris tem se mostrado eclético na sua escolha de coreógrafos, tendo contado com trabalhos assinados por Roland Petit e Maurice Béjart (já falecidos). Petit se destacou primeiramente como diretor de coreografia do Ballets des Champs Elysées e do Ballet de Paris, companhias independentes que emergiram pouco tempo depois da Segunda Guerra Mundial, e a partir de 1972 passou a dirigir o Ballet de Marseille. Os seus balés mais populares são Le Jeune Homme et la Mort (1946), produzido em colaboração com o poeta Jean Cocteau, e Carmen (1949). Já Béjart assumiu, em 1960, o Balé du XIXe Siécle, sediado em Bruxelas, e gozou de uma extensa liberdade artística na criação de suas idéias coreográficas. Sua inclinação para o teatro em geral lhe presenteou com um grande círculo de admiradores, embora seu trabalho levante controvérsias em alguns terrenos. Seus balés mais amplamente conhecidos são a sua versão de Le Sacre du Printemps (1959) e Nijinsky, Clown de Dieu (1971).
Rússia, século XX
A Rússia vem desfrutando diretamente da sua própria grande tradição no balé, mas permanece, em muitos aspectos, impassível às criações que Diaghilev instituiu no ocidente. No início da era soviética, o balé se encontrava extremamente ameaçado de ser alijado por consistir em uma manifestação do regime czarista, mas felizmente se descobriu que ele poderia ser moldado à nova realidade social sem abrir mão de sua abençoada tradição. Um exemplo era o balé The Red Poppy (1927), baseado na opressão sobre colônias e Flames of Paris (1932), de Vainonen, ambientado na Revolução Francesa.
O balé de longa duração permanecia o padrão aceito (em contraste com os do ocidente, onde balés mais curtos se tornaram regra segundo o modelo de Diaghilev), mas agora os balés eram construídos com uma narrativa muito mais forte, transmitida através do desenvolvimento de um novo estilo realista de mímica, onde o exemplo mais notável é Romeo e Julieta (1940), de Lavrovsky, encenado com o traço atualmente bastante aclamado e utilizado de Prokofiev. Foi no papel de Julieta que a espetacular Galina Ulanova apresentou sua interpretação mais emocionante.
Atualmente, as grandes escolas de Leningrado e Moscou continuam a crescer, e as companhias que elas servem, incluindo as de outras cidades, são uma fonte de orgulho para um público infinitamente maior do que aquele da era czarista. As duas pricnipais companhias russas são o Balé Bolshoi, de Moscou, e o Balé Kirov, de Leningrado.
Grã-Bretanha
Na Grã-Bretanha, a morte de Diaghilev estimulou o aumento de interesse nos seus próprios bailarinos. O gosto do público se encontrava pronto para tal progresso e duas companhias, o Balé Rambert e o Balé Vic-Wells (mais tarde, Sadler’s Wells) conquistaram um número crescente de seguidores nos anos 30, sob a direção de seus respectivos fundadores, Marie Rambert e Ninette de Valois. Durante a Segunda Guerra Mundial, quando não havia competição estrangeira, eles se estabeleceram como favoritos do público. O Balé Sadler Wells se tornou a companhia nacional quando se mudou para o Royal Opera House, em Covent Garden. Em 1946, foi homenageado com o título real e em 1956 tornou-se o Royal Ballet. Por aproximadamente 30 anos, gozou do talento de Frederick Ashton, um dos maiores coreógrafos da época, cujas obras por muito tempo formaram o esteio do repertório. Entre estas se encontram Synphonic Variations (1946), La Fille Mal Gardée (1960) e Enigma Variations (1968).
Muitos dos balés de Ashton foram interpretados por Margot Fonteyn, que por muito tempo foi a primeira bailarina da companhia, considerada, quando no auge da sua atividade, uma das melhores bailarinas de seu tempo. Sua carreira foi magicamente prolongada por uma parceria com Rudolf Nureyev, que dançou com a companhia por muitos anos e inspirou um progresso notável no padrão e no valor dos bailarinos do sexo masculino. A tradição coreográfica inglesa foi conduzida por John Cranko, cujo trabalho mais significativo foi produzido em Stuttgart, e por Kenneth Mac-Millan, cuja produção prolífica inclui o longo Romeu e Julieta e Song of the Earth (ambos de 1965), e o mais talentoso da geração mais recente, David Bintley.
Enquanto o Royal Ballet ganhava importância, o Balé Rambert inevitavelmente ficava ofuscado, porém exercia um importante papel no crescimento de uma tradição de balé nacional, oferecendo-se como palco para a coreografia de Antony Tudor, cujo Jardin aux Lilas (1936) e Dark Elegies (1937) vêm resistindo à ação do tempo. O Balé Rambert ainda sobrevive, mas optou por ultrapassar os limites inflexíveis do balé clássico, tomando a direção da dança moderna. Uma outra companhia inglesa que vem crescendo desde 1950 é o London Festival Ballet.
Estados Unidos
Os EUA também se beneficiaram da era de Diaghilev, herdando o coreógrafo mais musicalmente talentoso de todos os tempos, George Balanchine. Em 1933, ele foi convidado para dirigir a School of American Ballet, da qual surgiu a companhia atualmente conhecida por New York City Ballet (fundada em 1946 como Ballet Society), na qual ele criou quase toda a sua produção coreográfica até a sua morte em 1983. Balanchine gozava de uma relação estreita com Stravinsky, com quem produziu Apollon Musagéte para o Balé Diaghilev, e deu continuidade a seu trabalho resultando em criações como Orpheu (1948), Agon (1957) e outros trabalhos para o NYCB. Sua enorme produção também incluiu a sua versão eterna de O Quebra-Nozes (1954) e a íntegra de Don Quixote (1965) - um outro coreógrafo, Jerome Robbins, produziu balés para a companhia, incluindo Dancers at a Gathering (1969). A predileção de Balanchine por bailarinas altas, esguias e leves teve uma influência no biotipo da sua companhia e praticamente produziu uma nova imagem da bailarina.
A outra importante companhia americana, a American Ballet Theatre, foi formada em 1940 e não é reflexo da genialidade de um homem só. Massine produziu alguns balés para ela durante a Segunda Guerra Mundial. Porém, o mais importante é a quantidade de obras essencialmente americanas, tais como Fancy Free (1944), de Robbins, e Fall River Legend (1948), de Agnes de Mille. Mais adiante, o ABT incorporou as estrelas russas expatriadas, Natalia Makarova e Mikhail Baryshnikov, sendo que o último fora o seu diretor desde 1980. Uma outra companhia que vem ganhando destaque é a Dance Theatre of Harlem, a primeira companhia de balé negro, fundada em 1971.
O balé americano também é representado por uma cadeia de companhias regionais. Um outro campo importante de dança teatral nos EUA é a dança moderna, das quais há diversas modalidades, sendo a principal aquela de Martha Graham. Por muito tempo, a dança moderna e o balé clássico se desenvolveram seguindo caminhos bastante distintos. Mas, de um tempo para cá, vêm surgindo alguns cruzamentos de idéias.
Dinamarca e Alemanha
Copenhage, embora pouco populosa, é reconhecida internacionalmente como um importante centro do balé graças à longa e ininterrupta tradição da sua companhia nacional, o Royal Danish Ballet, e à preservação da herança de Bournonville. Dentre os coreógrafos dinamarqueses mais importantes podem ser citados Harald Lander e Flemming Flindt.
Na Alemanha, berço da dança moderna no início do século, o maior nome é John Cranko, que elevou o Balé de Stuttgart a um nível internacional, tendo sido o seu diretor de 1961 até sua morte em 1973. Cranko produziu muitos trabalhos importantes, como a íntegra de Onegin (1965) e A Megera Domada (1969). Na década seguinte, as atenções se voltam para Hamburgo, onde John Neumeier assumiu o balé no Hamburg State Opera (1973), produzindo grandes trabalhos, alguns deles baseados em Shakespeare, incluindo Sonho de Uma Noite de Verão (1977).
Dentre outras companhias de balé que emergiram por todo o mundo, deve-se destacar o Balé Nacional de Cuba, o Royal Canadian Balé e o Australian Balé - uma evidência de que o balé é, verdadeiramente, uma arte que não conhece fronteiras.
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quarta-feira, 11 de março de 2009
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