Teatro/CRÍTICA
"O caminho para Meca"
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Vigoroso libelo contra a intolerância
Lionel Fischer
De todos os males que afligem a humanidade, acreditamos que a intolerância (em todos os seus aspectos) seja o mais devastador, posto que nega ao outro o direito de exercer sua singularidade. E sempre que alguém se deixa contaminar por esta espécie de vírus, a tendência é que ele se expanda de forma incontrolável, a exemplo do câncer. Tal como ocorre com a inveja.
E infelizmente, como se sabe, são inúmeros os exemplos de sociedades que optaram pela intolerância, sendo a África do Sul um dos casos mais deploráveis, pois até hoje não consegue se libertar do famigerado apartheid. E o presente texto deve sua existência aos muitos preconceitos locais, contra os quais investe de forma vigorosa e lúcida.
Baseado em fatos reais, "O caminho para Meca", de Athol Fugard, tem como protagonista Helen Elizabeth Martins (1897-1976), nascida e criada numa conservadora e protestante aldeia no interior da África do Sul que, após ficar viúva, descobre sua vocação para a escultura. No entanto, sua obra se contrapõe à moral e valores vigentes, e ela acaba tornando-se alvo dos preconceitos da invejosa mediocridade reinante, só não sendo internada em um asilo porque conseguiu reagir aos impulsos daqueles que desejavam torná-la uma excluída.
Em cartaz no Teatro III do Centro Cultural Banco do Brasil, "O caminho para a Meca" chega à cena com tradução de José Almino, direção de Yara de Novaes e elenco formado por Cleyde Yáconis (Helen Martins), Patrícia Gasppar (Elsa, jovem amiga de Helen) e Cacá Amaral (pastor Marius).
Estruturada de forma convencional, a peça gira em torno de um encontro de Elsa e Helen, sendo este motivado por uma carta que a protagonista escreve para sua jovem amiga, na qual manifesta o desejo de se matar. E embora o negue diante de Elsa, ou ao menos simule que não era essa exatamente sua intenção, o fato é que acaba revelando a pressão que vem sofrendo para internar-se em um asilo.
A partir daí, o autor conduz a trama de forma a facultar ao público uma sensível e dolorosa discussão sobre os valores que imperam na sociedade em que as personagens vivem, sendo a mencionada discussão acirrada quando entre em cena o pastor Marius, porta-voz da mentalidade local e encarregado de convencer Helen de que o melhor para ela seria abandonar sua casa, hipótese que Elsa considerada completamente descabida e por isso tenta impedir que Helen a aceite.
Com relação ao espetáculo, Yara de Novaes impõe à cena uma dinâmica pouco expressiva, quase sempre estruturada em cima de marcas que jamais fogem ao previsível - é possível que a encenadora tenha depositado todas as suas fichas na qualidade do texto, sem dúvida de excelente nível, imaginando que sua força dispensaria um melhor acabamento formal. Seja como for, trata-se de um equívoco, naturalmente, mas que consegue ser parcialmente minimizado pela maravilhosa performance de Cleyde Yáconis.
Uma das melhores e mais experientes atrizes nacionais, Cleyde está impecável na pele da atormentada e revolucionária personagem, dela extraindo tudo que é possível através de uma composição que mescla, de forma notável, delicadeza e vigor. Patrícia Gasppar e Cacá Amaral exibem atuações convincentes, mas isentas de maior brilho.
Na equipe técnica, André Cortez assina uma cenografia que não consegue traduzir o claustrofóbico e perturbador universo da protagonista, que tanto inquietava os moradores da aldeia. Fábio Namatame responde por figurinos corriqueiros, sendo um tanto arbitrária a iluminação de Telma Fernandes. Já a trilha sonora de Morris Picciotto enfatiza com propriedade os múltiplos climas emocionais em jogo, cabendo também destacar a ótima tradução de José Almino.
O CAMINHO PARA MECA - Texto de Athol Fugard. Direção de Yara de Novaes. Com Cleyde Yáconis, Patrícia Gasppar e Cacá Amaral. Teatro III do CCBB. Quarta a domingo, 19h30.
segunda-feira, 2 de março de 2009
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