A voz do ator
Rose Gonçalves
O ator precisa exercitar sua voz todos os dias. Engano pensar que só quando ele está em cartaz deverá aquecê-la. O modelo cuida do seu corpo, o pianista das mãos e assim por diante. O programa de voz para ator é feito com alguns exercícios muito tradicionais, antigos, mas ainda com certeza os únicos que realmente funcionam - embora existam muitas técnicas supostamente energizantes, fontes ocultas de energia, repletas de malabarismos em cachoeiras, com aromas, voz computadorizada, apostilas mágicas etc. Tudo isso é lindo e parece moderno, mas na realidade serve mais para vender - não é à toa que com o título "falar bem" muitos livros apareceram nos últimos anos.
Chego à conclusão que atualmente todo mundo entende de voz. A quantidade de diretores, atores, professores de corpo, de música, que arriscam dar exercícios de voz (palavra falada) para os atores é incalculável. Basta um dia alguém ter aprendido algum exercício de voz em um curso e pronto: já passa a ser professor da área. O efeito de um exercício de voz feito erradamente é um desastre. Um professor capacitado para dar aula de voz - ou seja, um especialista - não apenas ensina o exercício: ele observa como está sendo feito e assim pode corrigir no ato, evitando posteriores problemas.
Defesa
Um programa de voz começa ensinando ao ator, por exemplo, a se defender destes exercícios dados por pessoas não capacitadas, pois nunca vi tantos problemas de voz na classe artística. Também já vi atores que se entregam a pedidos mirabolantes de diretores e arrasam sua voz. O preparador vocal tem que ser intermediário entre o diretor e o ator, ou seja, fazer o pedido do diretor se tornar possível com, às vezes, um simples toque.
O ator que trabalha a voz conhece seus limites e irá efetuar seu trabalho fazendo o menor esforço vocal, sem poupar potência. Não é deixar de fazer e sim fazer corretamente, com técnica. Ainda me espanto em ver como existem peças sem uma preparação vocal para os atores. Quando a verba é pouca, a primeira economia será retirar a "voz". Mas como, se teatro é texto?
De acordo com a técnica Espaço-Direcional.Beuttenmüller, que utilizo há 23 anos, um ator precisa:
* Usar os seus sentidos (tato/visão/audição/olfato/ paladar).
* Articular (lábios e dentes) vogais e consoantes - com prazer, saboreando.
* Dar ao texto a noção de tempo no espaço passado, presente e futuro.
* Marcar no espaço as referências: onde, para onde (para não empilhar informações).
* Dar à palavra o que ela pede: sua imagem se envolver com o que se diz é o ritmo, tornar a palavra viva.
* Fazer a melhor pontuação expressiva, que nem sempre bate com a gramatical, dando conforto para quem fala e melhor entendimento para quem ouve.
* Projetar / abraçar sonoramente a platéia, dar a voz, usar todas as bocas do corpo para essa doação.
Postura
É claro que o ator também precisa ter boa postura, para ter uma boa voz.
O pescoço esticado para cima ou para frente modifica o tom de voz (fica mais aguda), além de ser um forte motivo para a rouquidão. A correta postura do pescoço é queixo paralelo ao chão.
O tronco arcado para frente (postura dos ansiosos) além de esteticamente horrível, faz com que o tom fique alterado (a voz fica mais aguda), além de diminuir a possibilidade de projeção da voz. Um ator precisa ter o tronco alinhado à cabeça e com mobilidade para frente e para trás.
As pernas e os quadris devem sempre estar soltos. Joelhos endurecidos endurecem a voz e assim não poderemos dar o redondo da palavra "samba", por exemplo.
Os pés também têm postura correta para dar um bom tom de voz. Às vezes percebo o pé do ator fora do chão - como se ele estivesse flutuando ou quicando entre o pé direito e o pé esquerdo - ou com o calcanhar fora do chão; ou, ao contrário, com a ponta do pé sem tocar o chão ou dedos recuados. Causas típicas de tom errado. É como se o ator estivesse falando em uma nota errada - como no canto. Então ele chega ao final do espetáculo cansado e com grande possibilidade de rouquidão. Os pés devem tocar o chão, pois só assim estaremos no tom certo. A postura ideal para um ator é comparada à de um boneco de pano na postura correta, ou seja, ter tônus sem ter tensão nas articulações.
Um ator espremido (cheio de emoção) corporalmente não consegue lançar sua voz e acaba se ferindo vocalmente. Eu adoro “desespremê-lo” ou “desembrulhá-lo”, soltar o seu corpo sem modificá-lo visualmente. O ator ganha conforto e a platéia irá se deliciar com a emoção e a voz do personagem.
Respiração
A respiração é outro requisito importante para a saúde da voz de um ator. Aqui começam as discórdias entre canto-fala-interpretação-corpo. Qual será a correta respiração? Vamos começar decifrando o lógico. Por que o nosso Criador colocaria o nariz no meio do nosso rosto? O nariz tem a função da respiração. No silêncio, o ator deve inspirar e expirar pelo nariz, na fala inspirar pelo nariz e expirar pela boca. É claro que muitas vezes, no meio de grandes orações, pegamos colaborações por via oral, pois seria impossível (falso) parar e renovar o ar pelo nariz.
Num diálogo o ator deve escutar o outro com os lábios unidos, respirando unicamente pelo nariz. Ao responder ele enxerga - cheira, inspira pelo nariz - e diz o texto. É simples, bonito e ideal para a voz. Mas o que mais vejo é o contrário: ouvir com os lábios entreabertos ou abertos, dando ao ator um visual feio. E ao responder ele abre mais a boca e pega ar de forma barulhenta. Ao falar joga esse ar todo de uma vez nas primeiras palavras e recomeça então uma série de respirações por via oral. Respiração complicada, apelativa, pois parece demonstrativa de emoção e o pior: pode arrasar a voz.
Um ator que respire pelo nariz pode fazer grandes orações sem precisar renovar o ar muitas vezes, dificilmente ficará rouco e aprende a usar a inspiração (entrada de ar) já com a emoção que ele precisa. Experimente enxergar o bonito - lábios unidos -, cheire com alegria, e você verá como o rosto se ilumina, os olhos brilham e a voz será a resposta disso.
A respiração por via bucal é necessária sim, num monólogo vamos utilizá-la algumas vezes, mas nas pausas a gasolina tem que ser aditivada (pelo nariz), para que a resposta sonora volte com gás. Eu aceito e adoro aprender novas técnicas, mas nada me convenceu das vantagens da respiração bucal em cena, que considero um suicídio vocal.
Para prevenir problemas de voz e para recuperar uma voz a respiração tem que ser: entrada pelo nariz, armazenamento intercostal-diafragmática, saída pela boca. Algumas vezes entrada pela boca, saída pela boca (são consideradas colaborações, não são respirações). Inicia-se nas pausas as respirações e assim por diante.
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Rose Gonçalves é fonoaudióloga e professora de voz na CAL
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quinta-feira, 12 de março de 2009
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Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirMuito boa as dicas. Eu sou ator, e não tinha noção de como trabalhar bem a voz. Lembro-me em meu primeiro espetáculo: postura e voz estavam errada. E isso se refletiu no final da peça por onde sentir cansaço e muito ronquidão, fiquei até sem voz por algumas horas. Vou seguir essas tecnicas.
ResponderExcluir(Uziel Marinho)