quinta-feira, 26 de março de 2009

Teatro no Século de Ouro Espanhol

Os séculos XVI e XVII foram os chamados Séculos de Ouro da literatura espanhola. O período mais brilhante é o que compreende os últimos 30 anos do século XVI e os primeiros 30 do século XVII. Foi esta a época das gerações de Cervantes, Lope de Vega e Quevedo.
Do ponto de vista do teatro, foi a grande época clássica da Espanha, aquela em que o teatro nacional atravessou um período cuja importância é comparável à do da Grécia Antiga, da Inglaterra elizabetana e da França clássica.
Na Espanha, como nos outros países europeus, o teatro formou-se nas igrejas. Os primeiros espetáculos eram cerimônias e textos litúrgicos, sendo os cônegos, diáconos e subdiáconos os primeiros atores. A introdução cada vez maior de elementos profanos nas representações religiosas - frases e atos satíricos - teve como resultado a proibição de qualquer representação teatral dentro das igrejas. Passou, então, do interior para o exterior dos templos e dali para os palácios dos príncipes e para os mosteiros.

Alterações
Durante todo o século XVI, o dramar eligioso continuou a ser cultivado sob a forma de Autos Sacramentais, mas já contando com notáveis alterações e com a introdução de elementos completamente alheios à Igreja. Ao lado desse teatro religioso, coexistiam algumas formas de teatro profano, como a égloba pastoril, farsas cômicas, peças alegóricas e até textos imitados do teatro italiano. Aliás, a influência italiana na formação teatral da Espanha foi muito grande, assim como foi na França e na Inglaterra. As situações mais características da comédia italiana, como as cenas noturnas, com a inevitável confusão de personagens no escuro, foram habituais nas comédias de Capa e Espada.

Corrales
Este primitivo teatro, à medida que se popularizou, foi deixando os palácios aristocráticos e os mosteiros, como já havia deixado o interior das igrejas, para se localizar nas praças públicas e finalmente nos pátios das casas. Aos poucos foram sendo construídos locais fechados lateralmente, denominados "corrales". Os "corrales", no início, não tinham teto, e as janelas das casas vizinhas, quando altas, eram aproveitadas como "torrinhas", e quando baixas, como "aposentos" (correspondente aos nossos camarotes). O pátio (a nossa platéia), era o lugar mais barato e ali o povo assistia aos espetáculos, de pé. Só os homens podiam entrar no pátio, e, constituindo o elemento mais barulhento da assistência, eram chamados de "mosqueteiros". As mulheres ocupavam uma galeria alta, "la cazuela", no fundo do teatro, em frente do palco. Este se erguia um pouco acima do nível do chão e nele costumavam sentar-se alguns homens, de costas para os atores. Os cenários eram os mais simples possíveis, e as mudanças de lugar anunciadas pelos próprios atores ou "cômicos". Na Espanha, desde o século XVI, era permitido às mulheres trabalhar como atrizes, coisa que na Inglaterra só ocorreu depois da Restauração, e na Alemanha a partir do século XVIII.

Os espetáculos
As representações teatrais davam-se aos domingos e duas ou três vezes por semana. Logo antes da Quaresma - período em que os "corrales" permaneciam fechados - havia espetáculos diariamente. Começavam às 2 horas da tarde, no inverno, e às 3, no verão. Primeiro, havia uma espécie de prólogo, em verso, onde eram explicadas as cenas que iriam ser apresentadas e onde se faziam alusões aos acontecimentos do momento. Seguia-se a "comédia", propriamente dita, que constava de três atos ou jornadas. Nos intervalos, representavam-se alguns "entremeses", que eram pecinhas curtas e engraçadas, ao mesmo tempo em que se cantavam e dançavam músicas da época. Muitas vezes os atores eram os próprios autores, como ocasionalmente o foram Juan de Enzina, Gil Vicente, Lope de Rueda, Pedro Navarro e outros.

LOPE DE VEGA (1562-1636).
Foi o autor mais fecundo e mais representativo do Século de Ouro da Espanha. Com ele, sofreu o drama tradicional radicais mudanças, deixando de respeitar as unidades de tempo, lugar e ação, e sendo criado novo estilo poético. Lope de Vega produziu mais de duas mil peças e em sua obra estão representados todos os gêneros dramáticos conhecidos até então: O religioso com os "Autos Sacramentais", as peças abordando temas do Velho e do Novo Testamento, vidas de santos e lendas piedosas; a comédia alegórica, baseada na mitologia oriental, grega e romana; as peças inspiradas em livros de cavalaria, em lendas e costumes de outras nações; toda a história da Espanha, com suas lendas e recordações mais ou menos conhecidas; e, finalmente, enorme número de comédias de costumes, comédias aristocráticas, de Capa e Espada e populares.
Exemplo de seu teatro religioso é o Auto Sacramental "El viaje del alma", e também "Lo fingido y verdadeiro" e "La buena guarda", inspiradas em lendas piedosas. Suas comédias heróicas mais conhecidas são: "El alcalde de Zalamea", "El caballero de Olmedo", "El castigo sin venganza", "Fuente Ovejuna" e "El mejor alcalde del rey". Entre as comédias de costumes, podemos citar: "El acero de Madrid", "La dama boba", "El perro del hortelano" e "La moz del cântaro". Foi durante a vida de Lope de Vega que se edificaram os dois "corrales" mais antigos de Madrid, assim como os principais de Valença, Sevilha, Barcelona, Granada e outras capitais.
Alguns gêneros dramáticos inferiores se desenvolveram durante sua vida, como a "Loa", espécie de introdução ao drama que iria se seguir; "El Entremés", já citado, peça curta que encerrava geralmente o espetáculo, ou que era representada num dos intervalos e que veio com Cervantes a adquirir forma definitiva: "El baile" e "La jácara", poesia cantada que deu origem à "Tonadilha" do século XVIII.
Como continuadores de Lope de Vega, temos:

TIRSO DE MOLINA (1581-1648).
Seu verdadeiro nome era Fray Gabriel Téllez. Por sua fecundidade e pelo valor total de sua
obra é o que mais se aproxima a Lope. Tirso de Molina foi o criador de uma das mais célebres personagens da literatura universal: Don Juan.

DON JUAN RUYZ DE ALARCON (1580-1639).
Embora menos fecundo que os dois anteriores, deu às suas comédias tal perfeição de forma e tal sentido moral, que ficou conhecido como o "clássico de um teatro romântico".

DON GUILLEN DE CASTRO (1569-1631).
Autor das célebres "Mocedades del Cid", as quais, adaptadas por Corneille, constituiriam a primeira tragédia do teatro clássico francês.

DON PEDRO CALDERÓN DE LA BARCA (1600-1681).
Em suas mãos, os Autos Sacramentais tomaram novo impulso, quase chegando a constituir um novo gênero dramático. Utilizando figuras alegóricas, tornou representáveis conceitos teológicos, pensamentos filosóficos e dogmas cristãos. Os Autos mais característicos de sua obra foram: "El gran teatro del mundo", "Los encantos de la culpa", "La cena de Baltazar" e "La vida es sueño". Calderón também refez algumas peças de Lope, como "El médico de su honra", "El alcalde de Zamalea" e "El maestro de danza". Escreveu algumas "Zarzuelas", gênero novo que surgiu pelo predomínio da música dramática nas representações teatrais, e foi autor de "entremeses" e "bailes".

Decadência
Com a morte de Calderón, começou a decadência do teatro espanhol, como consequência da decadência política e militar do país. Dilui-se a inspiração nacional e as obras surgidas são apenas imitações de peças de Lope, Tirso e Calderón. Além disso, a perseguição dos moralistas contra os abusos que se cometiam nas representações ocasionaram o fechamento paulatino de teatros importantes em Sevilha, Valença, Pamplona e Córdoba, com a destruição dos edifícios e a proibição de qualquer tentativa de reconstrui-los. As pessoas começaram a abandonar os espetáculos, as companhias decresciam, cessando, por conseguinte, todo e qualquer estímulo ao autor teatral. A Guerra da Sucessão transformou-se em guerra civil e durou 13 anos, acabando de arruinar a nação.
Finalmente, as novas doutrinas literárias francesas foram postas ao alcance de todos, em boas traduções, nos jornais, nas obras didáticas e satíricas. Essa expansão trouxe novas formas de dramaturgia.
Chega, deste modo, o Século de Ouro ao fim de suas experiências teatrais, tendo criado definitivamente a verdadeira tradição clássica espanhola.

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Artigo extraído da revista Cadernos de Teatro nº 38 (1967), edição já esgotada.

6 comentários:

  1. Na segunda frase do segundo tópico há um erro de digitação, falta um "R" em religioso"

    Alterações
    Durante todo o século XVI, o dramar (eligioso) continuou a ser...

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  2. na revista que vc cita, quem é o autor do artigo?

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    1. Procurei também e não encontrei o nome do autor, mas o referido caderno está disponível nesse link: http://www.otablado.com.br/media/cadernos/arquivos/CADERNOS_DE_TEATRO_38.pdf

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  3. Muito booom, me ajudou muito, tenho o trabalho de espanhol pra entrega próxima semana, valeu 😁😁

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  4. queria o conceito também MS td bm

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