quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Cérebros abertos,
corações fechados

Bernardo Jablonski


"Educação, para a maioria das pessoas, significa tentar fazer com que a criança venha a se assemelhar a um típico adulto de nossa sociedade. Para mim, educação significa fazer pessoas criativas, mesmo que não sejam muito (...). Mas é preciso educar para fazer inovadores, inventores e não-conformistas (...). Em diversos graus todo indivíduo pode ser criativo".
(J. Piaget)


Uma das boas consequências do boom do teatro para adolescentes foi a forte procura deste segmento pelas aulas de teatro. Como as atividades artísticas dentro da formação escolar "oficial" não são bem vistas, e quando existem, são poucas e sem continuidade, muitos adolescentes vêm procurando os cursos livres que possam fornecer algum tipo de formação teatral.

Esta demanda nos parece bastante útil, tanto no que diz respeito ao fortalecimento da atividade teatral entre nós, como para o aprimoramento do sujeito como um todo. A frase do famoso psicólogo suíço J. Piaget que serve de epígrafe, alerta para o fato de que o ensino tradicional vem pagando um preço bem caro por sua massificação, obviamente necessária e democrática. O problema é que, se é preciso ensinar a muitos em pequenos espaços, os alunos devem permanecer como recipientes passivos, de boca e cérebros abertos, mas de corações fechados. Em um quadro destes, criatividade e emoções são forçosamente relegados a um segundo plano, com o aprimoramento cognitivo se dando às custas de um desenvolvimento pouco adequado das esferas afetivas, morais e até sociais.


BENEFÍCIOS

Neste sentido, atividades artísticas - como o teatro - podem servir preventiva e terapeuticamente para sanar as falhas de nossa educação formal. A prática artística, segundo a psicologia contemporânea, traz diversos benefícios quando se pensa em um amadurecimento mais global e saudável. A começar pelo aspecto emocional: a educação tradicional impede um maior e mais preciso autoconhecimento de nossas emoções.

Como disseram Hodgson e Richards, "do mesmo modo que o corpo, as emoções que sentimos necessitam ser ajustadas e flexíveis. Elas devem ser exercitadas para não corrermos o risco de perder a capacidade de nos exprimirmos sensitivamente. Nossas emoções são uma parte vital de nossa capacidade de construir relações, e se não exercitarmos o controle desse aspecto iremos, provavelmente, estabelecendo maus relacionamentos ou rompendo aqueles que poderiam ser valorizados".


EMPECILHO

Considero essa citação exepcionalmente clara, por retratar com precisão o que NÃO acontece na educação clássica, pela qual demonstrar emoções é ser fraco, "infantil", inconveniente ou simplesmente um empecilho. Como disse o psicólogo social P. Zimbardo, "nossa sociedade ingenuamente acredita que suprimindo as emoções, estaremos elevando a razão". Não estamos. Pelo contrário, estamos nos "neurotizando" e formando sujeitos pela metade.

Mas além de um desenvolvimento mais espontâneo e menos repressor das emoções, as atividades artísticas favorecem igualmente o desenvolvimento da imaginação e da criatividade. A prática teatral costuma estimular também a habilidade de expressão verbal, além de proporcionar - para os adolescentes - um campo para discutir e expressar seus problemas, angústias e preocupações.


CATARSE

É frequente nas aulas a criação de situações dramáticas girando em torno da família, trabalho, sexualidade, críticas sociais, amizade e afeto. De alguma forma, o partilhar em grupo, em um espaço seguro, do que lhes afeta, tem inegavelmente um valor catártico e "calmante", além de servir como um canal não destrutivo, e sim, produtivo de suas inquietações e de como solucioná-las. Desinibição (para os mais tímidos), trabalho em equipe e suas consequências - disciplina, horários, divisão socializada de tarefas e muito suor - são outras das vantagens de uma prática artística regular.

Em resumo, o incentivo ao exercício teatral, por parte de crianças ou de adolescentes, tem inúmeros efeitos benéficos que não podem ser menosprezados, se quisermos uma sociedade mais justa e mais saudável. A vida é curta e a arte é longa. Mas uma vida com arte, é mais longa e é mais viva.
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Artigo extraído do jornal Boca de Cena nº 5/1966. Bernardo Jablonski é Doutor em Psicologia, Professor do Tablado e da PUC-Rio, além de autor, ator, diretor e roteirista.

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