Exercício de Canto
E.D. Easty
O primeiro exercício chama-se um Exercício de Canto, mas não deixe este título enganá-lo, porque o exercício não é projetado para ajudar cantores ou para aprimoramento da voz. No entanto, de vez em quando, casos raros de falta de ouvido musical serão descobertos durante o exercício e até podem ser curados com sua prática contínua. O exercício é sempre empregado e seguindo o trabalho de Memória Sensorial de Stanislavsky. Ele é dividido em duas partes, sendo a segunda um tanto cansativa.
São muitos os objetivos desta primeira metade do Exercício de Canto. Uma das perplexidades da arte de representar é que existem problemas inatos com os atores que são muito escorregadios e, às vezes, intangíveis. Freqüentemente estes problemas incluem um bloqueio mental contra expressar emoções fortes, com lágrimas, na frente de um público; por isso a aula é útil. Os problemas podem ser maneirismos nervosos, expressividade-clichê, timidez, e, literalmente, dezenas mais. Se o exercício for supervisionado corretamente, revelará muitos problemas que o ator não poderia nunca te resolvido sozinho e muitos que ele provavelmente desconhecia.
Ao trabalhar a primeira parte do Exercício de Canto, outro termo de instrução que vou enfatizar é Não cante a música com um sentido preconcebido. Você deve lembrar que o objetivo do exercício é ajudar a libertar o instrumento e não ver como se pode cantar bem uma canção no sentido convencional. A primeira metade do exercício deve ser feita da seguinte maneira:
O ator escolherá uma canção simples que ele conheça bem. Ele deve ficar na frente da turma e cantar a canção, seguindo a melodia durante todo o tempo, mas sem tentar "representar a música". Isto significa nenhum movimento do braço ou movimentos do rosto excessivos, como erguer as sobrancelhas e, o mais essencial, nenhuma entonação vocal que lembre o estilo da canção ou a história. Todo o olhar e atenção do ator devem estar voltados para a turma.
O objetivo de não cantar a música com seu sentido é: temos a tendência de "cantar junto" com a música ou o cantor porque podemos ouví-la em uma gravação, no rádio, na TV, boates ou filmes, conseqüentemente adotando um "padrão vocal" de cantar. Se permitirmos este padrão vocal no exercício, ele será usado como um disfarce para esconder as emoções e sentimentos verdadeiros que estão dentro do instrumento do ator enquanto ele faz o exercício.
O objetivo principal desta parte do exercício é fazer o ator ciente do que está acontecendo dentro dele à medida que canta a canção. A canção age somente como um manual e um transmissor de emoções da mesma maneira que precisa-se de um balde de água para pôr em funcionamento um poço bombeado à mão. Ele deve examinar suas emoções pessoalmente enquanto elas acontecem e deixá-las fluir de seu instrumento, sejam elas raiva, lágrimas, risos ou até indiferença. Estamos sempre sentindo algum tipo de emoção e enquanto fizermos o exercício não se deve parar de cantar a canção por razão alguma até o professor achar que a finalidade plena foi alcançada.
Na primeira vez que tenta fazer o exercício, o ator freqüentemente demonstra ansiedade com a percepção final de sua voz e seus sentimentos à medida que eles ocorrem. O professor pode ajudar diminuindo sua ansiedade e também impedindo-o de tentar sair desta super-consciência dizendo-lhe para não preocupar-se, e explicando para a turma toda a beleza da emoção pura que está sendo libertada. Desde modo, a turma e o estudante podem observar o que está acontecendo de uma maneira quase impessoal. O ator que estiver fazendo este exercício deve esforçar-se para relaxar a fim de que sua emoção flua. Assim ele também poderá fazer uma análise mais fácil do que está acontecendo.
Por alguma razão desconhecida, lágrimas representam a emoção que é libertada com mais frequência. Isto é bom, muito bom, porque as lágrimas e sua expressão são resultado, freqüentemente, de um bloqueio mental desconhecido que fora removido, e que poderia dificultar o instrumento durante o próprio trabalho de palco. Este exercício pode ser o mais útil de todos os seus trabalhos na sala de aula se for supervisionado e feito de forma certa pelo ator. Graças à sua natureza relacionada ao íntimo do ator, os resultados são automaticamente usados no seu trabalho preparatório e no trabalho final de palco.
É interessante observar que a primeira metade deste exercício de canto não tem nenhum complemento rígido em qualquer obra de Stanislavsky. Ele usava muitos métodos de improvisação que incorporavam consciência total e exercícios que foram desenvolvidos para explorar emoções e libertá-las, mas só em relação aos papéis ensaiados para trabalho de turma ou produção. O Exercício de Canto, que foi desenvolvido nos Estados Unidos, como nós o conhecemos hoje, inclui grande parte da sua técnica e certamente em princípio é puro método Stanislavsky. É só mais um exemplo do costume do teatro Ocidental de ir diretamente ao problema e resolvê-lo. Isto, claro, é resultado de pura necessidade, pois nossas produções e treinamento não deixam tempo para muito preciosismo.
A segunda metade do exercício é muito útil para encontrar e eliminar inibições que revelam-se tão secretamente que nós não podemos observá-las e novamente, só um professor astuto conseguirá mostrá-las ao ator.
Esta parte do exercício deve ser feita logo após a primeira. Nela o estudante estabelece uma série de exercícios físicos enquanto canta a canção. Os movimentos devem ser firmes, fortes, vigorosos e variados. Uma série típica de movimentos seria intoduzir um passo de marcha no palco, mudar para um salto, depois, sem sair do chão, mexer o torso dançando um jazz controlado, mas livre e rítmico, indo de um passo para outro sem parar. Ele terá que cantar durante todo o tempo em que vai mudando de um passo para outro, só que na realidade, ele não está cantando. A voz deve ser projetada do peito com toda a força comandada por ele, libertando cada palavra ou parte de uma palavra em um impulso de som repentino e dinâmico.
O objetivo é deixar a voz fluir do movimento, não tentar fazê-la acompanhar o movimento. Este exercício mostrará para a turma os problemas que existem na verdadeira expressividade: o relacionamento natural entre nossas ações e o que dizemos. A turma, o professor, e o ator que estiver fazendo o exercício vão descobrir muitos casos de movimentos e sons da voz reprimidos; sons que ficam escondidos no fundo do peito até terem a oportunidade de soltar-se. Este exercício será a solução para muitos problemas intangíveis da representação também.
O último problema e o exercício ligado a ele, chamado Momento Particular, é a dificuldade que todos temos quando tentamos comportar-nos no palco exatamente como faríamos em casa ou nas mesmas condições. Veremos como este problema também lida com fatores inibidores.
Quando estamos a sós em nossos quartos, temos um comportamento que só nós conhecemos. Nos comportamos assim porque sabemos que estamos a sós e ninguém está observando-nos. Sentamos de uma maneira quando estamos a sós diferente de que se houvesse outra pessoa no quarto. Podemos cantar como jamais cantaríamos em frente de um público. Fazemos todo tipo de coisas desprezíveis de maneira totalmente diferente se soubermos que estamos sendo observados. É assim que somos na realidade. Este é o comportamento e é isto que queremos ver no palco.
Um Momento Particular é um tipo de exercício avançado e precisa-se de muita concentração e relaxamento. Não é de se estranhar que raramente obtenha-se sucesso após algumas tentativas. Isto é porque o ator escolhe um momento particular da sua vida, e depois o apresenta na íntegra para a turma. Todo o seu treino de concentração anterior, vontade, memória sensorial e relaxamento devem ser utilizados se a realização do Momento Particular for feita sabendo que a turma toda está assistindo. Eu vi Momentos Particulares que podem parecer constrangedores se não fosse pela beleza da liberdade do ator enquanto ele conduzia o espectador para longe do óbvio e na direção da extensão total da originalidade.
Outro exercício de sala de aula relacionado ao problema de encontrar o nosso interior e libertá-lo na frente de um público chama-se Monólogo. Um monólogo é mais usado para repelir o sentido verbal das falas. Nele o ator memoriza uma conversação em monólogo como se estivesse falando com alguém. Ele não deve expressar com emoção quaisquer falas que não signifiquem nada para ele. Ele deve sentar no palco e falar com a turma, lembrando-se que as falas não têm nenhuma importância fora do palco.
Você se surpreenderia ao ver como é difícil dizer as falas sem emoção e sem nenhum sentido. O exercício vai mostrar o hábito que temos na vida de falar coisas que não sentimos, palavras que na realidade não queremos dizer. Durante este exercício, o professor deve peguntar ao ator se tal trabalho significa algo para ele só para mostrar-lhe os hábitos da fala convencional que ele tem adotado.
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Extraído de On Method Acting, Ivy Brooks, N.Y, 1981. Tradução de Cláudia Pinheiro. Colaboração do Curso de Tradução do Departamento de Letras da PUC-Rio. Este artigo, que tem como título geral As dificuldades dos atores, está publicado na íntegra na revista Cadernos de Teatro nº 137/1994.
quinta-feira, 10 de dezembro de 2009
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