quinta-feira, 5 de abril de 2012

Teatro/CRÍTICA

"JT - Um conto de fadas punk"

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Divertida e lúdica travessura


Lionel Fischer


"Laura Albert, uma cantora punk, que trabalhava com disque-sexo há 10 anos para complementar o orçamento, resolve escrever um livro, 'Maldito coração' (2001), e cria o personagem Jeremiah Terminator Leroy, 'JT LeRoy', um adolescente de 16 anos, louro, de olhos azuis, gay, travesti, drogado e com problemas mentais. LeRoy teria sofrido vários abusos durante a infância e adolescência e como o livro é 'autobiográfico', surge a necessidade de materializar o personagem. Então Laura convida sua cunhada, Savanah Knoop, para ser o JT. Juntas, elas enganam editoras, produtores de cinema, estrelas de Hollywood, rock stars, ganham o mundo e acabam processadas pelo que foi, até agora, a maior travessura do século 21".

Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima sintetiza o enredo de "JT - Um conto de fadas punk", de autoria de Luciana Pessanha, em cartaz no Teatro I do Centro Cultural Banco do Brasil.
Susana Ribeiro assina a direção da montagem (Paulo José responde pela direção geral), estando o elenco formado por Débora Duboc, Natália Lage, Nina Morena, Hossen Minussi e Roberto Souza.

Como deve ter ficado claro no parágrafo inicial, estamos diante de uma trama que, ainda que inspirada em fatos reais, possui ingredientes capazes de levar o espectador a imaginar que tudo não passa de ficção. Mas é justamente esta possível dúvida que confere um caráter todo especial à narrativa, posto que a mesma permite uma grande multiplicidade de interpretações.

Seja como for, o que me parece estar em causa, fundamentalmente, diz respeito à liberdade de criação e sua validade. Se a autora não conseguia materializar sua obra e criou um personagem fictício, supostamente o autor da mesma, ela deve ser considerada uma impostora? E mais: a dita obra perde sua validade em função deste estratagema? 

Para os que pensam desta forma, não custa nada lembrar a ainda não totalmente resolvida polêmica em torno de Shakespeare. Muitos sustentam que não foi o fabuloso bardo o autor das tantas obras-primas que conhecemos. Mas se não foi ele quem as escreveu, é claro que foi um outro. E isto mudaria nossa avaliação? É evidente que não: tudo se resumiria a uma troca de nomes.

Mas, como todos sabemos, cultivamos uma obsessiva necessidade de nomear todas as coisas que nos cercam, porque um mundo nomeado é, ao menos em princípio, um mundo reconhecível. E nossa segurança parece estar completamente atrelada a este permanente reconhecimento.

No presente caso, Luciana Pessanha fez questão de trabalhar numa zona de desconforto, que talvez incomode a alguns, mas certamente gerará grande prazer em outros, em especial naqueles que encaram o teatro e a vida com o espanto de uma criança, que, por priorizar o lúdico, enxerga o mundo sem as muitas amarras que mais tarde a aprisionarão - falo de uma maneira geral, evidentemente, pois imagino que muitos consigam chegar à idade adulta sem abortar a infância tão preciosa que deveriam manter intacta em seus corações.

Bem escrito, contendo ótimos personagens e diálogos fluentes, o ótimo texto de Luciana Pessanha ganhou excelente versão cênica de Susana Ribeiro, em total sintonia com os principais conteúdos propostos pela autora. E se muitas vezes o espetáculo parece "sujo", se exibe marcações um tanto caóticas, estas são absolutamente necessárias, já que o que está em causa é a materialização de um universo que pode ser tudo, menos organizado e impregnado de coerência.

Quanto ao elenco, Débora Duboc exibe performance irretocável em suas duas personagens, Laura Albert e Speedie, evidenciando uma vez mais seus vastos recursos expressivos, tanto nas passagens mais dramáticas como naquelas em que o humor predomina. O mesmo se aplica a Natália Lage (Savanha/JT LeRoy), cabendo aqui registrar a capacidade da atriz de impor características totalmente diversas aos papéis que interpreta. Em participações menores, mas nem por isso desprovidas de interesse, são seguras e eficientes as performances de Roberto Souza (Jeff/Astor), Nina Morena (Sarah/Asia Argento) e Hossen Minussi (Stephen beachy/Levy-histe/Músico).

Na equipe técnica, destaco com o mesmo entusiasmo a direção musical de Ricco Viana, a iluminação de Renato Machado, a cenografia de Fernando Mello da Costa, os figurinos de Kika Lopes, a animação em 3d de Rico e Renato Vilarouca, a preparação vocal de Célio Rentroya e a preparação corporal de Ana Kutner.

JT - UM CONTO DE FADAS PUNK - Texto de Luciana Pessanha. Direção de Susana Ribeiro. Direção geral de Paulo José. Com Débora Duboc, Natália Lage, Nina Morena, Hossen Minussi e Roberto souza. Teatro I do CCBB. Quarta a domingo, 19h.       

2 comentários:

  1. Lionel,

    Muito obrigada.

    É tão reconfortante ser compreendida.

    Um abraço.

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  2. Eu que agradeço. Graças a você passei uma noite muito feliz.
    Beijos,
    Eu

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