terça-feira, 23 de julho de 2013

A POÉTICA TEATRAL DE LORCA: A ESPANHA, OS GITANOS E A MORTE

            Federico Garcia Lorca foi um dos maiores representantes do teatro poético do século XX. Seu interesse pela arte dramática é, inclusive, muito precoce, e já aos vinte e dois anos de idade, em Madri, fazia ele encenar "El malefício de la mariposa" à qual se seguiram outras. Já na edição do "Libro de Poemas" já se encontra poemas como "Santiago", escrito em 1918, à época com 20 anos, por Lorca (1989:55), onde já se encontra os diálogos cênicos.

          Com a existência do grupo La Barraca, conjunto de amadores dirigido por Lorca e que levou às cidades de seu país  espetáculos culturais de grande importância, "transformando-se num esplêndido veículo difusor das mais legítimas representações clássicas do teatro espanhol" (Cavalheiro, apud Lorca 1975). A sua plenitude como dramaturgo só foi alcançada com a trilogia, essencialmente trágica, formada por "Bodas de Sangue", "Yerma" e "A casa de Bernarda Alba", esta última, a sua única peça escrita inteiramente em prosa e talvez a sua obra dramática suprema. Para Lorca: "O teatro é o barômetro de um povo".

           Nesse sentido, observa Mota (1989) que a produção dramatúrgica lorquiana, iniciada muito cedo, apoia-se na sua alta capacidade de superar o mimetismo e recriar personagens, cujo sentido trágico e às vezes patético faz delas irrequietos anjos ou demônios, porém marcadas pelo profundo traço de humanidade e, por conseguinte, mais próximas da própria vida, herança do teatro clássico grego. Nessas peças, paralelamente às expressões secas e profundas, o poeta justapõe deliciosas glosas populares, quadras espirituosas, enfim, filões do tesouro oral espanhol. O teatro lorquiano apresenta-se impregnado de poesia, numa demonstração do quanto ele soube louvar-se nos recursos da poética diretamente ligada à essência da iberidade.

           Yerma, poema trágico, aborda o sofrimento de uma mulher estéril de forma a lhe conferir a maior densidade. Em plena vida do campo, em meio a costumes a que não faltam a poesia e as notas comuns de um cotidiano em que se inserem personagens simples, desenrola-se esse pungente drama de maternidade frustrada. "Não há em Yerma desperdício de vocábulos, quadros secundários. As palavras são essenciais, caem da boca dos personagens dolorosas como cutiladas em carne viva" (Cavalheiro, apud Lorca, 1975)
           Dona Rosita, a Solteira ou A Linguagem das Flores, é um poema granadino do novecentos, dividido em vários jardins com cenas de canto e dança. Dessa comédia levemente irônica, o próprio Lorca (1975) diria: "Escrevo quando sinto prazer. Não sou desses autores que seguem a teoria de um livro todos os anos. Minha última comédia eu a concebi em 1924. (...) No entanto, não escrevi até 1935. Foram os anos que bordaram as cenas e puseram versos à história da flor..."

            A Casa de Bernarda Alba apresenta um Lorca que se despojara aos 36 anos de idade, de quaisquer elementos não substanciais para oferecer, com impressionante realismo, uma das suas obras-primas. Peça de forte intensidade e vigor, sentimentos e emoções. A Casa de Bernarda Alba faz sentir, com efeito, o que ainda era lícito esperar do autor, não o colhesse a morte trágica pouco depois de a ter concluído. É o drama das mulheres nos povoados de Espanha, onde se conserva todo o realismo vibrante na pujança da linguagem lorquiana. A respeito mencionou Barata (1979:75): “(...) uma encenação da Casa de Bernarda Alba, em que Bernarda era representada por um ator, procurando o encenador vincar o aspecto repressivo e machista do clima que se vive no universo fechado e andrógino criado por Lorca".

           Bodas de Sangue é uma tragédia em 3 atos desenvolvidos em 7 quadros, onde o autor deixa claro que seu teatro é poesia, referindo-se às bodas pela dupla morte dos personagens e como a parte instintiva e vital do homem que aproxima impulsiva e incontrolavelmente, Leonardo e a noiva, fazendo-os esquecer as posições sociais e deveres assumidos, e o sangue que explode rompendo com todas as convenções derramando-se nas mortes finais, envolvendo um noivo que casara mas não desposara e uma noiva que foge com o ex-noivo após a cerimônia do casamento.

                O texto percorre a trajetória de uma mãe que havia perdido o marido e filhos assassinados pela navalha de inimigos e que se encontra com o seu único filho que irá se casar com uma jovem moça, que se encontrava largada de um noivado e que, por isso, abre a premonição de que seu filho também será assassinado. A noiva que se casa e foge com o ex-noivo que é assassinado. Ela procede para junto da sogra, pedindo-lhe perdão e pretendendo viverem juntas. O noivo se casa com a jovem que durante as festas das bodas foge com o ex-noivo Leonardo. Leonardo que já se encontrava casado, abandona a mulher e foge com a noiva após a cerimônia do casamento, sendo encontrado pelo noivo em renhida luta, matando-se um ao outro. Com o homicídio de ambos os litigantes, a mãe passa a odiar a noiva que provocou a morte do seu filho.
                No texto, a morte é uma mendiga que atravessa toda a trama, insinuando seu desejo de carregar almas inocentes. Além desses personagens, constam a mulher de Leonardo que já desconfiava da paixão recôndita do marido pela noiva, constatando com a fuga de ambos, após o casamento dela; a sogra de Leonardo, que desconfia dele e protege a filha; a criada que menciona à noiva, as aparições noturnas de Leonardo pelas cercanias; a rapariga, o pai da noiva, a lua, o lenhador e rapazes. Para Castagnino (1970:139) Lorca cultivou uma poesia de cunhagem própria e um teatro de feição inovadora com "Bodas de Sangue".

               O título Bodas de sangue é saturado de poesia; portanto, ambíguo, ambivalente. Pode-se pensar de início que ele se deve ao fato de as bodas terminarem em dupla morte, com o derramamento de sangue, mas pode-se entender por sangue a parte instintiva e vital do homem, que aproxima impulsiva e incontrolavelmente Leonardo e a noiva, fazendo-os esquecer as posições sociais e deveres assumidos. É o sangue, este impulso refreado, que, não mais podendo ser sufocado, explode rompendo com todas as convenções, derramando-se nas mortes finais. Bodas de sangue, no sentido literal; mas também bodas dos instintos que, manifestando-se tardiamente, levam à morte.

                As personagens, dentro de seus papéis sociais, obedecendo às normas da sociedade, impedem ou querem impedir Leonardo de dar livre curso às suas tendências e impulsos. Leonardo é o indivíduo que não aceita  a limitação do próprio ser à mera função social: daí ser dotado de nome. Lorca, como todo bom andaluz, está aderido à sua terra, valendo-se sempre da natureza animal e vegetal.

          Para Lorca, a representação dramática é a poesia que se levanta do livro e se faz humana. E, ao fazer-se humana, fala e grita, e chora e se desespera". O drama Bodas de sangue é a representação de fortes paixões que estão enraizadas na raça espanhola, composta pelo cruzamento de vários povos de sangue quente: andaluzes, árabres, mouriscos. O amor leva à paixão desenfreada, a traição, a vingança e esta leva à morte. O clima trágico percorre o drama de ponta a ponta. A entrega da noiva ao ex-namorado é o impulso da carga biopsíquica da teoria determinista, que tolhe ao indivíduo o livre-arbítrio.

           A falta de coragem de enfrentar tempestivamente a opinião pública, pois na sociedade espanhola o sentimento de honra gritava mais forte do que o direito à felicidade. O código social, pelo casamento de um e pelo noivado da outra, encontra-se irremediavelmente violado e a desonra tem que ser lavada com sangue.

               Para Castagnino (1970, p. 41) o teatro para Lorca é poesia, mas poesia dramática. Seu caráter poético não consiste apenas no valor lírico dos versos ou formas intercalados em sua obra, mas também na substância dramática - recriação ou invenção de vidas apresentadas em sua dimensão estética: "A lírica, pela voz de Federico Garcia Lorca, igualou o Tempo ao Duende; ao duende, demônio do instante. (...) Da luta entre duende e anelo de transcender, nasce o canto perdurável e se elevam os estranháveis paradoxos que a lírica plasmou em todos os tempos”. Também Ortega y Gasset (1958) assinala que “é indizível quanta fruição extrai o andaluz de seu clima, de seu céu, de suas manhãzinhas azuis, de seus crepúsculos dourados. Seus prazeres não são interiores, espirituais, bem fundados em supostos históricos (...) o andaluz tem um sentido vegetal da existência”.
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Extraído de www.luizalbertomachado.com.br

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