sexta-feira, 19 de julho de 2013

Teatro/CRÍTICA

"Cucaracha"

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Delicadas e poéticas relações

Lionel Fischer



"Cucaracha aborda a delicada relação de afeto e dependência entre uma enfermeira e sua paciente. A peça investiga temas como amizade e futuro, sobre duas frágeis perspectivas de liberdade". Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima sintetiza a trama da peça, em cartaz no Teatro Glaucio Gill. De autoria de Jô Bilac, "Cucaracha" chega à cena com direção de Vinicius Arneiro e elenco formado por Carolina Pismel e Júia Marini, com Paulo Verlings fazendo uma breve contribuição em OFF - cabe registrar que todos os profissionais citados integram a Cia. Teatro Independente.

Como acho que o título de uma obra tem (ou deve ter) relação com a mesma, após assistir o espetáculo fiz uma breve pesquisa sobre cucaracha (em português, barata). Todos sabemos o que é uma barata, mas muito desconhecem alguns de seus predicados, que detalho a seguir.

Blattaria ou Blattodea é uma ordem de insetos cujos representantes são popularmente conhecidos como baratas. É um grupo cosmopolita, sendo que algumas espécies são consideradas como sinantrópicas. Entre os principais problemas que as baratas podem ocasionar aos seres humanos está a atuação delas como vetores mecânicos de diversos patógenos (bactérias, fungos, protozoários, vermes e vírus). As baratas domésticas são responsáveis pela transmissão de várias doenças, através das patas e fezes pelos locais onde passam. Por isso são perigosas para a saúde dos seres humanos.

Pois bem: concluída a breve pesquisa, não encontrei nenhuma relação entre o dito inseto e a peça em questão. Pode ser uma falha minha, mas ainda assim minha perplexidade permanece a mesma. Estamos diante de uma paciente terminal, internada há oito anos, e que é cuidada por uma enfermeira. De início, tive a sensação de que a paciente estava em coma irreversível, mas logo ela "desperta" e as duas personagens estabelecem uma relação como a detalhada no início desta crítica. 

O contexto é interessante, desde que não encarado de um ponto de vista estritamente realista. No real da vida, paciente e enfermeira poderiam estabelecer diálogos como os exibidos, alguns deles de natureza bem prosaica. No entanto, outras conversas sugerem um universo em que as relações enveredam para o onírico, o poético, com ambas fantasiando situações nas quais a imaginação impera. 

Neste sentido, não sei se foi esta a intenção do autor, a de estabelecer uma espécie de contraponto entre o real e o lúdico. Se foi, não resta dúvida de que seu objetivo se materializa na cena de forma instigante. Mas ainda assim acredito que o texto teria  um maior alcance se as passagens "reais" fossem em menor número, bastando sugerir que a enfermeira, que está viva e com saúde, é completamente engessada e vive numa prisão muito maior do que aquela que está prestes a morrer.

Seja como for, o fato é que Jô Bilac escreveu uma trama interessante, construiu dois bons personagens e levanta questões pertinentes sobre uma série de temas, dentre eles solidão e afeto, e sobretudo sobre o tempo, que sempre pode ser relativizado e que normalmente desperdiçamos com devaneios inócuos.

Quanto à montagem, o diretor Vinicius Arneiro impõe à cena uma dinâmica que investe bastante na expressividade corporal - enquanto a enfermeira é mecânica, age quase todo o tempo como um robô em sintonia com uma rotina imutável e massacrante, a paciente é mais solta corporalmente, como a sugerir que a iminência da morte possui um caráter libertador, mais fluido e muito menos tenso. E tanto Carolina Pismel (enfermeira) quanto Júlia Marini exibem atuações irrepreensíveis, cabendo registrar que a enfermeira atende pelo nome de Mirage (Miragem), o que reforça uma de minhas suposições: a de que tudo que acontece em cena é fruto da imaginação terminal de Vilma - mas posso estar enganado, naturalmente. A destacar ainda a precisa intervenção em OFF de Paulo Verlings.

Na equipe técnica, Daniel Belquer responde por uma música que sublinha com extrema sensibilidade os múltiplos climas emocionais em jogo, o mesmo ocorrendo com a iluminação de Paulo César Medeiros, sendo correto o cenário de Aurora dos Campos e excelentes os figurinos de Thanara Schönardie, que mais do que retratar profissões ou personalidades, enfatizam estados de espírito - em contraposição ao uniforme rígido, engomado e impecável da enfermeira, vemos a paciente vestida com um figurino leve, algo transparente e fundamentalmente solto

CUCARACHA - Texto de Jô Bilac. Direção de Vinicius Arneiro. Com Carolina Pismel e Júlia Marini (participação em OFF de Paulo Verlings). Teatro Glaucio Gill, Quarta e quinta, 21h.    







  

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