segunda-feira, 15 de julho de 2013

ADOLPHE APPIA

           
           A nova concepção de drama, que teve suas raízes no final do século XIX, demandou uma nova concepção de cenografia assim como na performance artística do ator. Um dos pioneiros desta época, o cenógrafo suíço Adolphe Appia (1862-1928), apontava a disparidade entre cenografias bidimensionais e a tridimensionalidade do ator como um problema a ser resolvido na concepção da cenografia. Para tal, Appia desenhou cenografias que em sua
simplicidade criavam um ambiente tridimensional e não mais um plano bidimensional como o que ocorria na cenografia tradicional.
          
          Como muitos dos seus contemporâneos Appia reagiu contra as condições sociais e econômicas do seu tempo, registrando um protesto romântico por almejar uma arte teatral independente da realidade e determinada somente pela imaginação criadora do artista. Os dramas musicais de Wagner serviram de ponto focal para suas idéias. Enquanto que a música e o texto de Wagner eram livres das convenções do mundo real, a representação dos dramas
wagnerianos ainda estavam presos às influências convencionais do meio teatral. 

          Para Appia a solução seguia a ideia de que a música de Wagner constituía não somente o elemento temporal, mas também o espacial, tomando uma forma física na sua encenação. O ponto de
partida para Appia foi a concepção wagneriana de Gesamtkunstwerk, ou da participação igual de todas as artes na obra artística total, embora sua visão seja distinta da de Wagner. Este tipo
de pensamento favorece ao ator treinado em dança e ritmo. 

          Uma influência decisiva no seu pensamento foi seu encontro em 1906 com Emile Jacques-Dalcroze (1865-1950), que com
sua ginástica rítmica representava a realização da síntese entre a arte musical e o corpo vivo do ator. Esta síntese se refletirá nas criações de Appia intituladas “espaços rítmicos”, realizados a partir 1909. Estes demonstravam o princípio do “espaço vivo” formulado na
L'œuvre d'art vivant (1921). 

          A obra de Appia é antes de mais nada uma obra de reflexão, está contida basicamente nos seus três livros mais importantes: La Mise en scène du drame wagnérien (1895), Die Musik und die Inszenierung (1899) e L'œuvre d'art vivant (1921). Appia tem como ponto de partida para suas reflexões a obra wagneriana, é ela que dá o suporte para sua discussão e que com suas contradições torna-se a fonte principal de seu trabalho.  Os seus primeiros esboços são destinados a Tetralogia. Seus primeiros escritos concernem a representação do Der Ring des Nibelungen (Anel dos Nibelungos) e a mise en scène do drama wagneriano. É com esta obra cheia de possibilidades e problemas cênicos que ele vai se preocupar e são suas representações que provocaram sua reação. 

          Appia identificou os seguintes problemas essenciais: 

1. Wagner criou um novo tipo de drama onde a sua força expressiva baseia-se na vida interior dos personagens e que estes são suficientes
para a localização espacial da ação dramática; 

2. as óperas de Wagner eram representadas com os tradicionais panos de fundo pondo em contradição o ator como um ser vivo e uma cenografia que tentava representar ou criar a ilusão de um ambiente. No entanto, as indicações cênicas supérfluas mantiveram o drama wagneriano preso à visão realista de seus contemporâneos. Apesar de ter renovado a estrutura dramática, Wagner manteve a
representação tradicional. 

          Para Appia o Festspielhaus representava o gênio de Wagner mas em compensação as suas produções exprimiam uma grande contradição entre as propostas de renovação de Wagner e a impossibilidade de realizá-las. Com a consciência da oposição entre o drama wagneriano e a falsidade dos telões de fundo pintados, Appia criticou as práticas teatrais de seu tempo. Condenou o espaço cênico italiano com sua oposição de dois mundos claramente distintos, o do espectador e o do mundo fictício. 

          Esta distinção entre o mundo real e o imaginário levou Appia a propor a criação de um mundo cênico que desse a ilusão de ser um mundo real. Com a impossibilidade de imitar o mundo real no palco, Appia propõe a cópia deste universo através da criação de um mundo simbólico. Ele transforma a cenografia em um conjunto de signos que fornecem ao espectador toda a informação demandada para sua localização histórica, geográfica, social etc. A pintura
pode imitar o mundo real, Appia impõe limites as suas convenções, ele reduz toda figuração a superfícies planas.

          Para a criação no teatro de um espaço delimitado, ele o faz através de grandes panos ou cortinas verticais penduradas uma atrás da outra e que criam a ilusão de que o ator penetra na cena - a cena passa a ser tridimensional. Ainda o ator deve ser posto em algum plano horizontal para delimitar-se outra linha do espaço cênico, os grandes tablados horizontais, os praticáveis, fornecem este plano de estabilidade formando um grande equilíbrio com o plano vertical. 

          A busca por uma cenografia simbolista terminou com a incompatibilidade entre a cenografia e o ator, a realidade do ator e a ficção da cenografia, onde os elementos deixaram de ser submissos à presença humana. Para Appia o teatro deveria oferecer uma unidade perfeita de representação, uma harmonia completa entre os diversos elementos que compõem o espetáculo. Ele parte de uma reflexão sobre as contradições do drama wagneriano e ataca a noção da Gesamtkunstwerk.

           Para ele, a síntese entre as artes não passa de uma utopia, Appia escreve: “Se a arte dramática deve ser uma reunião harmoniosa, a síntese suprema de todas as artes, eu não compreendo
mais nada de algumas destas artes, e muito menos a arte dramática, o caos é completo” (APPIA, 1921, p. 31). Appia propõe uma distinção entre as artes temporais e as espaciais. Ele não tenta fazer a síntese entre todas as artes proposta por Wagner mas sim uma ordenação entre os elementos do espetáculo que tenham uma importância essencial para que a arte dramática atinja seu maior potencial expressivo. 

           Em suma, Appia refuta a separação entre a cenografia e o ator imposta pela ilusão criada pelo realismo e nega a concepção wagneriana de uma ação comum entre as artes, desta maneira se afastando da concepção original de Gesamtkunstwerk. Sua proposta é a de uma hierarquização entre os elementos que fazem
parte do drama. A hierarquização proposta por Appia, embora artificial, estabelece o seguinte, em ordem de importância: ator, espaço cênico e iluminação.

Ator

          Para Appia o fundamento da arte teatral é a ação dramática. O portador desta ação é o ator que encarna o personagem, é um elemento vivo e plástico e é o centro da cena. A atenção do espectador se concentra sobre sua presença, que é de onde emana todo o poder expressivo da ação dramática. Segundo Appia,
o ator é o fator essencial da ação dramática, é ele que vemos e é dele que é expressa toda emoção que procuramos. Devemos a todo preço fundamentar a ação dramática na presença do ator e portanto devemos evitar todo tipo de contradição com sua presença. Assim, o problema técnico é claramente exposto (apud BABLET, 1989, p. 249). Assim, Appia rejeita novamente a cenografia bidimensional representada pelos telões de fundo e favorece a cenografia em três dimensões.

Espaço

           Sendo o ator o elemento mais importante dentro da hierarquização proposta por Appia, é natural que a questão do espaço cênico se volte para a tridimensionalidade. Também
é natural supor-se que haverá uma congruência plástica entre a cenografia e o ator. Esta harmonia é alcançada através de elementos espaciais que demandam do corpo humano sua expressão natural ao se mover em um ambiente tridimensional. Para Appia, os movimentos do corpo humano demandam obstáculos para se expressar, todos os artistas sabem que a beleza dos movimentos do corpo dependem da variedade de pontos de apoio que oferecem o chão e os objetos (Apud BABLET, 1989, p.254).

          Appia constata que para a completa expressão do corpo humano são necessárias certas resistências que devem ser ordenadas em volumes e planos de contraste, daí a geometrização dos cenários de Appia, onde são empregados um número de linhas retas, verticais, horizontais e oblíquas, praticáveis e escadas (a escada nada mais é que uma combinação de linhas oblíquas, verticais e horizontais), e que oferecem ao corpo humano uma complexa resistência onde sua expressão é forçada ao máximo. 

Iluminação

A iluminação almejada por Appia é aquela que dá vida ao espaço pelo seu jogo de sombras e que age sobre nossa sensibilidade pela sua intensidade variável, sua direção, suas diferentes cores e sua mobilidade. No teatro a iluminação é um fator de animação, de sugestão e de evocação de uma natureza que se aproxima à música, ela pode evocar determinadas atmosferas e ambientes de forma subjetiva. Ainda a iluminação assegura a fusão entre os
diferentes elementos do espetáculo. 

           Para Appia, a iluminação tem as seguintes funções: 

1. ela aumenta o valor plástico do universo cênico, e lhe confere seu máximo poder expressivo; 

2. contribui para a criação de uma atmosfera ou um ambiente cenográfico; 

3. a iluminação pode substituir os signos fornecidos pela pintura, e pode criar a cenografia de si mesma ou através de sombras sugestivas. 
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Extraído de O drama wagneriano e o papel de Adolphe Appia, www.fap.pr.gov.br/arquivos/file/artigo Norton_Dueque.pdf

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