quarta-feira, 29 de abril de 2009

Alfred Jarry
(1873-1907)

Martin Esslin

Alfred Jarry é uma das figuras mais extraordinárias e excêntricas entre os poètes maudits da literatura francesa; quando faleceu era conhecido como um pouco mais do que um daqueles bizarros espécimes da bohème parisiense, que mergulhavam sua vida em poesia transformando suas personalidades em personagens grotescos de sua própria criação que desapareciam quando morriam, como aconteceu com Jarry, de seu exagero no absinto e de dissipação. Jarry deixou uma obra cuja influência cresceu após sua morte.

Influências

Selvagem, extravagante e desinibido no uso da linguagem, AJ pertence à escola de Rabelais, mas sua imaginação tem também muito do sombrio, meditativo e fantástico mundo de sonho de outro perverso e infeliz poeta maldito, Isadore Ducasse, que se cognonimou a si próprio de Conde de Lautrémont (1846-1870) e foi o autor da obra-prima da agonia romântica (Les chants de Maldoror) que se tornou mais tarde a inspiração dos surrealistas. Jarry também deve muito a Verlaine e Rimbaud e acima de tudo a Mallarmé, em cujos escritos sobre teatro há um número de apelos dispersos em favor da revolta contra a peça racional e bem feita do fim do século. Em 1885, Mallarmé pedia um teatro de mito que fosse inteiramente não francês em sua irracionalidade, com a história "livre de tempo, de lugar e de personagens conhecidos", porque "o século ou nosso país que o exalta, dissolveu os mitos pelo pensamento. Refaçamo-lo!".

Criação

Ubu Roi ("Ubu Rei") criou de fato uma figura mítica e um mundo de imagens arquetípicas grotescas. Originariamente, a peçla era uma brincadeira escolar dirigida a um dos professores do liceu em Rennes onde Jarry era aluno. O professor era o alvo do ridículo e tinha sido apelidado de Pai Héb ou Pai Hébé e mais tarde, Ubu. Em 1888, quando Jarry tinha 15 anos, escreveu uma peça para bonecos narrando as aventuras de Pai Ubu e fê-la dedicada aos amigos.

Monstro

Ubu é a caricatura selvagem de um burguês estúpido e egoista visto através dos olhos cruéis do colegial, mas seu tipo rabelaisiano, sua ganância e covardia falstafiana é mais do que uma simples sátira social. É uma imagem terrível da natureza animal do homem, sua crueldade e desumanidade. Ubu faz-se a si próprio rei da Polônia, mata e tortura tudo e todos e é finalmente
banido do país. Ele é baixo, vulgar e incrivelmente brutal, um monstro que pareceu burlescamente exagerado em 1896, mas que foi amplamente ultrapassado pela realidade, em 1945. Mais uma vez uma visão intuitiva do lado obscuro da natureza humana que o poeta projetou no palco provou a sua verdade profética.

Confronto

Jarry conscientemente imaginou sua monstruosa peça de bonecos, que foi representada por um elenco vestido de maneira altamente estilizada, com roupas que pareciam de madeira, num cenário de ingenuidade infantil, a fim de confrontar a platéia burguesa com o horror de sua própria complacência e maldade. O público ficou estupefato. Assim que Gémier, que representava Ubu, disse a primeira palavra: "Merdre", aconteceu a tempestade. Levou 15 minutos para se restabelecer o silêncio e as manifestações a favor e contra continuaram toda a noite. Entre os presentes estavam Arthur Symons, Jules Rénard, W.B. Yeats e Mallarmé. Dessa maneira, a peça que tivera apenas duas apresentações em sua primeira temporada e provocou uma torrente de insultos, e à luz dos fatos subsequentes, tornou-se um marco e uma precursora.

Escravo

Jarry cada vez mais assumira a maneira de falar de Ubu, que aparece em muitas de suas obras subsequentes. Em 1889/1901/1902, AJ publicou "Os almanaques do Pai Ubu", enquanto uma sequência completa de "Ubu Rei", "Ubu Encantado", apareceu em 1900. Nesta peça, Ubu chega exilado na França, onde para ser diferente, num país de homens livres, ele se transforma em escravo.

Obras

Algumas das principais obras de Jarry apareceram somente depois de sua morte, destacando-se "Gestos e opiniões do doutor Faustroll" (1911), uma novela episódica modelada em Rabelais e na qual o herói, cuja natureza o próprio nome indica, é meio Fausto, meio troll e que é o principal porta-voz da ciência patafísica. Originariamente, era Ubu que se doutorava em patafísica, simplesmente porque Hébert fora um professor de física. Mas o que fora a princípio uma burla científica, tornou-se depois a própria estética de Jarry. Conforme se define em Faustroll, patafísica é "...a ciência das soluções imaginárias, que atribui simbolicamente as propriedades dos objetos, descritos pela sua virtualidade, aos seus lineamentos.

Tendência

E é justamente a definição de uma aproximação subjetivista e expressionista que antecipa a tendência do Teatro do Absurdo para exprimir estados psicológicos objetivando-os no palco. Assim, Jarry, cuja memória é cultuada pelo Colégio de Patafísica, de que Ionesco, René Clair, Raymond Queneau e Jacques Prévert são membros e no qual o último, Bóris Vian representou importante papel, deve ser considerado como um dos criadores dos conceitos em que grande parte da arte contemporânea, não só em literatura como em teatro, está baseada.

Escândalo

Um pouco da verve e da extravagância de Ubu pode ser encontrada em outra peça que causou quase o mesmo escândalo nos anos 20 - Mamelles de Tirésias, de Guillaume Apollinaire, representada no Théâtre Maubel em Montmartre (1917). Em seu prefácio à peça, GA diz que ela fora escrita muito antes, em 1903. Apollinaire, que conheceu bem Jarry, era amigo dos jovens pintores de gênio que fundaram a escola cubista e de que se tornou um dos mais influentes críticos e teóricos. Denominou sua peça de "drama surrealista" e pode ser considerado o primeiro que inventou o termo que mais tarde se tornou a marca de um dos mais importantes movimentos estéticos do século.

Mistura

A Paris de Jarry e de Appolinaire era um mundo em que a pintura, a poesia e o teatro se misturavam e em que os esforços para encontrar uma arte moderna se justapunham. O cenário para Ubu Roi fora pintado pelo próprio Jarry com a ajuda de Pierre Bonnard, Vuillard, Toulouse-Lautrec e Sérusier.
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Artigo extraído do livro "O Teatro do Absurdo" e publicado na revista Cadernos de Teatro nº58/1973, edição já esgotada.

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