sexta-feira, 17 de abril de 2009

Não há segredos

Peter Brook

Durante todos estes anos, quando me perguntavam: "Podemos ver um de seus ensaios?", eu respondia que não. Me via obrigado a reagir assim por causa de algumas experiências negativas. Entretanto, compreendo a vontade das pessoas de saber o que fazemos na realidade. Desta maneira, tenho vontade de dizer: "Não, não há segredos". Tentarei descrever nosso processo de trabalho e para fazê-lo utilizarei minha produção recente de "A tempestade", em Paris.
Em primeiro lugar, a escolha da peça. Somos uma companhia internacional que trabalha há muito tempo. Tínhamos concluído o grande ciclo de trabalhos com o "Mahabharata" em francês, em inglês e o filme. Recentemente, havíamos feito uma temporada de peças e músicas sul-africanas, em homenagem ao bicentenário da Revolução Francesa e ao Ano dos Direitos Humanos. Senti, então, a necessidade de tomar um rumo novo. Eu tinha começado a me interessar pela estranha e fugidia relação entre o cérebro e a mente, e ao ler o livro "O homem que confundiu sua mulher com um guarda-chuva", do médico Oliver Sacks, vislumbrei a possibilidade de adaptar para o teatro esse mistério, mediante as anotações de comportamento de certos casos neurológicos.

Modelo

Entretanto, quando trabalhamos com um tema que não tem forma nem estrutura aparentes, é essencial que se disponha de um tempo ilimitado. Assim, vendo que necessitaríamos de tempo para realizar nossas pesquisas, e admitindo ainda a responsabilidade prática de se manter um teatro e uma organização, procurei uma peça apropriada para nossa companhia internacional. Tal raciocínio tem sempre me levado a Shakespeare. Ele é o modelo insuperável e sua obra é sempre pertinente e contemporânea.
"A tempestade" é uma obra que conheço bem, já que a dirigi há uns 35 anos em Stratford. Quando realizei, em Paris (1968), o primeiro seminário com atores de diversas culturas, que conduziria à criação de nosso Centro Internacional, escolhi cenas de "A tempestade" para improvisações e estudos. Porém, naquele momento não me ocorreu que "A tempestade" poderia ser a resposta ao meu problema, até que um dia falei com um amigo da procura feita para encontrar a peça e ele me sugeriu "A tempestade". De imediato, compreendi que era o que necessitava para nossos atores. Como em outras ocasiões, entendi que os ingredientes necessários para que tomasse uma decisão já estavam no meu inconsciente, sem que a parte consciente participasse das deliberações.

Estupidez

Assim, no momento em que compreendi que "A tempestade" podia ser a solução, as vantagens foram evidentes. É estupidez um diretor dizer "quero montar Hamlet" e depois se perguntar quem vai interpretar o papel. No caso de "A tempestade", o ator africano que tínhamos conosco, Sotigui Kouyaté, podia trazer algo de novo e mais autêntico ao papel de Próspero. Portanto, o ponto de partida estava claro. Só nos faltava fixar uma data. Calculei que precisaríamos de 14 semanas de ensaios, mas umas semanas depois reorganizei nossos planos e adiei o início dos ensaios por dois meses.
Jean-Claude Carrière começou a trabalhar na tradução francesa e eu iniciei as conversas sobre os aspectos visuais com a cenógrafa Chloé Oboleski. Estávamos diante da parte mais delicada do processo, porque nele existe uma contradição. Tem de haver um palco e ajustá-lo de modo adequado, o que exige planejamento e organização. No entanto, a experiência demonstra que as decisões tomadas antes dos ensaios são menos acertadas do que as tomadas quando o processo está em curso, porque então o diretor e o cenógrafo não estão sozinhos, com sua visão e estética pessoais, mas recebem uma visão mais profunda tanto da peça como de suas possibilidades teatrais, que surge da exploração rica e entrelaçada de todo um grupo de indivíduos imaginativos e criativos.

Confusão

Antes dos ensaios, o trabalho do diretor e do cenógrafo é limitado e subjetivo, impõe formas rígidas e acaba reprimindo um desenvolvimento natural. Portanto, o método de trabalho que funciona implica num sutil equilíbrio entre o que deve ser preparado com antecedência e o que pode ser deixado em aberto. A princípio, estudei de novo minhas antigas produções e experimentos com esta peça e compreendi que não desejava conservar nada. Quando voltei a ler a peça, certas formam vacilantes começaram a dançar de maneira confusa na minha mente.
Minha primeira produção em Stratford tinha seguido a idéia generalizada de que "A tempestade" é um grande espetáculo e que por isso pressupõe complexos efeitos cênicos.

Disfarce

Mas nesta nova produção, percebi intuitivamente que um grande espetáculo não era a resposta, já que disfarçava as autênticas qualidades da obra e o que nós queríamos devia tomar a forma de uma série de jogos (do jogo em seu sentido mais literal), executados por um pequeno grupo de atores. A análise intelectual me levou à conclusão de que a peça não tem nenhuma base ralista, já que a ilha é uma mera imagem e um símbolo. Portanto, nenhuma forma de ilustração literal pode representá-la. Assim, rabisquei na última página um esboço de um jardin Zen, no qual se sugere uma ilha através de um rochedo e a água através de pedrinhas secas. Esse poderia ser o espaço onde os atores sugeririam todos os níveis do tema, contando apenas com a própria imaginação.

Desvantagens

Quando Chloé e eu tivemos nossa primeira conversa, só encontramos desvantagens nessa proposta. Seria difícil andar sobre as pedrinhas, já que isso faria um ruído contínuo - que distrairia a todos - e sentar-se nelas seria problemático. Assim, descartamos o jardim Zen, porém continuávamos convencidos de que era válido o princípio de sugestão com um mínimo de recursos cênicos. A questão que permanecia era se devíamos representar a natureza usando uma superfície natural ou de um modo imaginativo, usando uma superfície substitutiva, como madeira ou tapetes.

Dificuldade

Todo cenógrafo e todo diretor de "A tempestade" se defrontam forçosamente com uma dificuldade essencial. A peça tem uma unidade de lugar, a ilha, exceto na primeira cena, que se desenvolve num barco durante uma tempestade. Seria necessário violar esta unidade, realizando um cenário realista para a primeira cena? Quanto melhor se faz, mais se destrói a possibilidade de se representar a continuação, a ilha, de um modo que não seja mais naturalista. E mais difícil ainda é interpretar a segunda cena, na qual Próspero conta sua vida à filha. Se a solução escolhida for um cenário pictórico complexo, a solução é fácil: se representa um naufrágio espetacular e depois se desliza até a ilha deserta. Porém, se esse enfoque for descartado, deve-se encontrar o modo mais simples de se representar o mar e em seguida a terra. Decidimos deixar este problema sem solução, para ser esclarecido depois, quando os atores começassem a trabalhar em nosso palco.

Escolha

Nossa companhia é composta de atores que já tinham trabalhado no Centro Internacional. A escolha da distribuição dos papéis foi norteada pelo objetivo de uma reinterpretação da peça, sob a ótica de culturas tradicionais, de modo que escolhemos um Próspero e um Ariel africanos, e um jovem ator alemão, que trabalhava conosco pela primeira vez, para que desse uma nova ótica a Calibã - algo que sugerisse a rebelião feroz, perigosa e incontrolável de um adolescente de hoje. Miranda, tal como a concebeu Shakespeare, tem 14 anos e Fernando é apenas um pouco mais velho. Nos pareceu óbvio que estes papéis revelariam sua autêntica beleza se fossem interpretados por atores dessa idade. Descobrimos ua menina índia, cuja mãe a havia ensinado a dançar desde pequena e outra garota muito jovem, que era meio vietnamita.

Reclusão

No início do processo, nos afastamos de nosso ambiente habitual. Todo o elenco foi para Avignon, onde havíamos alugado alojamento e um lugar para ensaios, nos claustros de um antigo mosteiro. Ali, em reclusão absoluta, ficamos 10 dias. Todos chegaram com sua cópia de "A tempestade", mas os exemplares nunca foram abertos. Não tocamos na obra nenhuma vez. Primeiro exercitamos os corpos e depois as vozes. Fizemos exercícios em grupo para desenvolver uma rápida reação, um contato de mãos, olhos e ouvidos, uma consciência compartilhada, que se perde facilmente e deve ser constantemente renovada, para unir os indivíduos e formar com eles uma equipe sensível e vibrante. Para isso, é preciso fazer exercícios vocais e improvisações, tanto cômicas como dramáticas.
Ao fim de alguns dias, nossos estudos incluiram palavras soltas, depois em grupos e ao final frases em inglês e francês, para tentar fazer com que a obra shakespeariana adquirisse vida para todos. Acho um erro fazer com que os atores iniciem seus trabalhos com uma discussão intelectual, porque a mente racional não é um instrumento de percepção tão poderoso quanto a intuição. A possibilidade de uma compreensão intuitiva através do corpo pode ser estimulada e desenvolvida de diversas maneiras. E só depois vem a análise e discussão do texto.

Possibilidades

Depois deste período de concentração tranquila, regressamos ao nosso teatro em Paris, o Bouffes du Nord. Chloé, a cenógrafa, havia preparado apenas "possibilidades": cordas penduradas ao teto, tábuas, blocos de madeira e caixas de papelão. Também tapetes, montes de terra de cores diferentes, picaretas e pás. São elementos quenão estão relacionados com nenhuma concepção estética, são somente ferramentas que os atores podem usar. As cenas foram improvisadas, com os atores tendo a liberdade para usar o espaço e os objetos. Eu fazia sugestões e frequentemente as retirava, depois de experimentadas pelos atores. Era algo desconcertante, mas a tarefa do diretor consiste em seguir de perto o que se está explorando e com que finalidade. Aliás, esta primeira explosão de energia não é tão caótica como parece, porque produz uma quantidade incomum de preciosa matéria-prima.

Armadilha

O desafio da peça ajuda nesta tarefa. "A tempestade" é de uma qualidade tal que toda invenção parece desnecessária e até vulgar. Estávamos, então, numa armadilha aterradora: tudo que se fazia, depois de um primeiro momento de entusiasmo, tornava-se inadequado. Entretanto, o contrário seria ainda pior, porque não podemos fugir da questão apenas não fazendo nada: nenhum texto jamais "falará por si próprio". O modo mais simples é sempre o mais difícil de se encontrar, porque a mera falta de imaginação não é simplicidade, mas teatro enfadonho. Deve-se intervir, mas também manter um tom crítico diante das próprias tentativas de intervenção.

Desespero

Assim, inventamos, testamos, exploramos e discutimos. A primeira cena, a do naufrágio, foi abordada de 20 maneiras diferentes. Havia tábuas para sugerir o casco de um barco. Ariel e os espíritos tentaram jogos estéticos, como amarrar uma maquete de barco sobre a cabeça dos atores. Os marinheiros subiam nos balcões do teatro. Enfim, tudo parecia excitante quando idealizado, mas pouco convincente no dia seguinte. Desesperados, abandonamos toda forma de ilustração e colocamos os atores em formação, como em um oratório e utilizamos suas vozes para imitar os sons do vento e das ondas. Pareceu promissor, mas logo achamos tudo solene e desumano.
Um a um, descartamos todos os acessórios: tábuas, cordas, escadas e maquetes de barcos. Mas nada se perde por completo: depois de experimentarmos uma maquete de barco para a primeira cena, percebemos que, em sua primeira cena com Próspero, Ariel poderia atuar com uma vela vermelha de barco equilibrada na cabeça, justamente o elemento necessário para dar apoio colorido às suas ações. As cordas, que pareciam fora de lugar nas cenas do barco, acabaram sendo valiosas quando Calibã as utilizou. Da mesma maneira, se um dos músicos não tivesse achado, entre suas "possibilidades", um tubo oco e o enchido com pedras, que fazia um barulho sussurrante, como ondas, não teríamos jamais descoberto que o dispositivo podia substituir nossas toscas tentativas de imitar a tormenta e sugerir que era na ilha da imaginação onde se faria a representação.

Batalha

Dia após dia, lutamos muito com as palavras e seu significado. O significado emerge do texto lentamente, por força de tentativas. Um texto só ganha vida graças ao detalhe e o detalhe é fruto da compreensão. No início, um ator não pode dar mais que uma compreensão geral do que a frase contém, daí a utilidade de uma técnica que desenvolvemos com os cantores, em "Carmen". Quando o cantor não conseguia transformar sua interpretação em ação, um de meus colaboradores, excelente ator, interpretava a sua parte. Poderia parecer que seguíamos os métodos das piores produções da velha escola, que exigia que o ator imitasse servilmente o que lhe indicavam. Entretanto, uma vez conseguida uma imitação com êxito, se rompia a velha técnica e se dizia ao cantor que rejeitasse por completo o que tinha aprendido. E ele, após ter testado o que significa atuar com detalhe, era então capaz de descobrir seus próprios detalhes, à sua maneira. Este processo serviu também para os atores que não tinham ainda interpretado uma peça de Shakespeare.

Espíritos

As cenas da corte de nobres naufragados são particularmente desconcertantes. Shakespeare as escreveu de um modo que deixa os personagens incompletos e sua situação pouco teatralizada. É como se, nesta sua última peça, ele tivesse deixado de lado, deliberadamente, todas as técnicas que tinha desenvolvido para captar o interesse do público e facultar sua identificação com os personagens. Como resultado, essas cenas podem facilmente se tornar opacas e enfadonhas. Sendo uma fábula, "A tempestade" possui uma leveza de tom semelhante a dos contos orientais, e Shakespeare evitou os intensos momentos dramáticos de suas tragédias. Por isso tentamos desenvolver a incongruência da situação dos nobres em um mundo de ilusões através da presença constante dos espíritos, que enganavam os humanos com truques, induzindo-os a revelar suas intenções ocultas. Foram necessárias muitas improvisações, criadas eplos próprios espíritos. Com a ajuda deles, íamos descobrindo o modo de representar cada uma das diferentes imagens da ilha pelos métodos mais simples. Não suspeitávamos, então, que esta seria a origem de nossa maior crise.

Transformação

Durante as primeiras semanas, a cenógrafa e eu nos convencemos de que necessitávamos de um palco vazio para a imaginação fluir. Havíamos desprezado todos os acessórios dos primeiros dias, convencidos de que a estrutura da história exigia elementos naturais. Então, Chloé trouxe toneladas de terra vermelha ao teatro. Para dar vida e variedade aos movimentos dos atores, ela modelou cuidadosamente a terra, formando desníveis, montinhos e um lago. O resultado foi que o teatro se transformou em um vívido e impressionante lugar de proporções épicas. Entretanto, quando começávamos a ensaiar, descobríamos que a grandeza do palco fazia nossas ações parecerem inadequadas.
Na verdade, o novo cenário se negava a colaborar com este trabalho de sugestão. O palco não representava uma ilha na mente, mas se convertia em uma ilha real. Assim, voltamos a arrumar as cenas, para adaptá-las ao cenário, utilizando grandes objetos. Para representar o barco no mar, pensamos em cobrir o cenário de fumaça, já que aquela paisagem real não podia transformar-se em mar, apenas por intermédio da interpretação. Finalmente, Chloé e eu nos demos conta de que estávamos voltando a cair na armadilha clássica de ter de adaptar a interpretação ao cenário e de tentar justificar a tormenta mediante o acúmulo de imagens realistas. Não víamos saída alguma.

Revelação

Em certo momento, já transcorridos dois terços do período de ensaios, abandonamos tudo e fomos a um colégio onde, num sótão, rodeados por uma centena de colegiais, improvisamos uma versão da peça, utilizando as possibilidades do espaço e fazendo uso unicamente dos objetos existentes na sala. Agimos como os bons contistas. Em geral, as crianças não sabem nada sobre a peça que irão assistir. Assim, a nossa tarefa consiste em encontrar os meios mais imediatos para captar sua imaginação e não deixar que ela escape. Esta experiência sempre se torna muito reveladora e em duas horas conseguimos adiantar várias semanas de trabalho. Descobrimos verdades essenciais sobre o que a peça necessitava. Afinal, as crianças são mais precisas que a maioria dos amigos e críticos teatrais, já que não têm preconceitos, teorias ou idéias pré-determinadas.
"A tempestade" se fez viva de imediato, quando a representamos sobre um tapete e em um espaço muito pequeno. A imaginação do público era livre para reagir a todas as sugestões, porque não tínhamos tido a menor intenção de fixar elementos decorativos. Assim, os atores deram batidas na porta e agitaram uas cortinas grossas de plástico, para representar a tormenta; montes de sapatos se converteram em troncos; Ariel carregou uma rede metálica desde o jardim, para prender os nobres, etc. A representação não teve estilo estético, mas teve êxito, porque os meios convinham à finalidade e nessas condições o argumento da peça foi plenamente transmitido. A cenógrafa e eu tivemos que estabelecer muitas perguntas, que nos preocuparam um pouco.

Contradição

Ocorre muito frequentemente que certas companhias jovens tenham êxito atuando em espaços pequenos, porém seu trabalho parece insuficiente quando transportado para um cenário mais amplo. Por isso, compreendemos que as divertidas invenções, que tinham tanta expressividade em uma sala pequena, poderiam parecer infantis e falsas se reproduzidas em nosso teatro. Ao mesmo tempo, tínhamos sido testemunhas do sucesso de nossa teoria: deveríamos libertar a obra de todo o planejamento decorativo, que limitava a imaginação.

Solução

Para mim, a solução consistia em voltar à idéia de um tapete como área neutra, porém atrativa, sobre o qual qualquer coisa poderia acontecer. Chloé não estava de acordo, mas sabíamos que deveríamos testar esta proposta. Diante do assombro dos atores, quando voltaram ao teatro, no centro da terra vermelha encontraram um grande tapete persa, sobre o qual representamos há muito tempo "A linguagem dos pássaros". Fizemos, então, um ensaio rápido da peça, utilizando os elementos com os quais tínhamos ensaiado no teatro, porém confinando a ação ao tapete. Os resultados foram contraditórios. Por um lado, a peça ganhava muito, por ter se reduzido o espaço de atuação. Por outro, Chloé temia que os desenhos do tapete persa distraíssem a atenção do espectador. Onde queríamos que ele imaginasse o mar, areia e céu, os complexos desenhos orientais se negavam a cooperar, já que sua beleza própria fazia com que a ilusão fosse impossível.

Descoberta

Pensamos, então, num tapete simples, sem desenhos, mas compreendemos que seria como um carpete de um escritório ou hotel, que faria surgir associações irrelevantes à vida cotidiana. Tentamos fechar o palco com o tapete persa, mas o resultado foi lamentável. Por sorte, tínhamos planejado uns dias de férias e eu os passei olhando o chão, comparando tipos de superfícies em terrenos, parques e descampados. Quando regressei, Chloé havia pregado o tapete em varas de bambu. Logo tirou o tapete, a sua forma ficou impressa na terra, como uma cunha. Chloé encheu de areia este retângulo marcado pelo bambu. Continuava sendo um tapete, mas feito de areia. Os atores ensaiaram nele e então vimos que nosso problema central tinha sido resolvido. Logo, para dar espaço a um ponto de referência importante, Chloé colocou duas pedras no tapete de areia. No final, tiramos uma.

Jardim Zen

Mais tarde, alguns críticos chamaram este espaço de "campo de jogo", termo que na Inglaterra se utiliza exclusivamente para esportes, ou "pátio", como é chamado o lugar de recreio em um colégio. Ambos os termos explicam o que nós queríaos fazer desde o princípio: um lugar onde se joga atuando ou, em outras palavras, um lugar no qual o teatro não pretenderia ser mais que teatro. Alguém escreveu: "É um jardim Zen", e eu recordei do meu primeiro ponto de partida. Como sempre acontecsse, uma pessoa vai a um bosque procurar uma planta e ao voltar se dá conta de que ela cresce na porta de sua casa. Frequentemente descobrimos, muito depois de concluir uma produção, uma nota ou um esboço descartados com os quais se demonstrava que, em algum lugar do subconsciente, havia a resposta, que se levaria depois alguns meses de exploração para se descobrir. Ou seja: não há segredos.

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Este artigo é uma adaptação de uma conferência proferida por Peter Brook em Kioto, por ocasião da entrega de prêmios da Fundação Inamori, em novembro de 1991. Esta palestra está inserida no livro "A porta aberta - reflexões sobre a interpretação e o teatro" (Alba Editorial, Barcelona, 1994). Este artigo consta da edição nº 153/1998 da revista Cadernos de Teatro e foi traduzido por Angela Hampshire.










































































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