terça-feira, 7 de abril de 2009

O proscênio e a crítica



Robert Brustein





Como o soneto no século XIX, o proscênio, na nossa própria época, tem sido desaprovado, desprezado, difamado e condenado pelos críticos mais influentes do país; na falta de um Woodsworth para tomar sua defesa em consequência desse ataque injusto e excessivo, o proscênio passa por um processo de destruição e anulação. Como começou esse processo?, indagou Brook Atkinson no início de um artigo recente, concordando com William Poel e Tyrone Guthrie sobre ser o proscênio "a causa principal da estagnação do teatro moderno.
Para Walter Ken, que é quase sempre bastante otimista em relação às produções e aos resultados das peças da Boradway, o proscênio "é aquele palco abarrotado de gente espiando pelo buraco da cortina, que nos foi impingido pelos realistas do século XIX", e que implica, inexoravelmente, em más imitações de uma minoria pouco popular de dramaturgos como Ibsen e Tchecov. Thorton Wilder foi outro que, muitas vezes, chegou à conclusão de serem o proscênio, e em especial a caixa de palco (sua parceira mais constante), os principais inimigos da verdade no teatro, uma vez que restringem a força da peça e atentam contra a sua credibilidade.


Estagnação

É verdade que esses críticos raramente têm a mesma opinião sobre o que é, precisamente, esse tipo de estagnação pela qual o proscênio é responsável; para Atkinson, as peças encenadas no palco italiano são "violentas e sensacionais" e para Wilder são "relaxantes, ambíguas e destituídas de emoções"; mas se dão as mãos no momento de acusar o proscênio por quase todos os insucessos das peças e das produções teatrais americanas.



Conformismo

No momento atual, é muito fácil concordar com qualquer dessas pressuposições críticas, uma vez que o teatro contemporâneo americano certamente tem suas deficiências. Desgastado, estagnado, sem originalidade (embora nem sempre inaproveitável), fraco, desonesto, enfadonho, piegas, sentimental e soporífico, e ao mesmo tempo com rompantes de energia, ele se reveza entre a sonolência e a histeria, como um beatnik estimulado por benzedrina. Uma vez que a maior parte de nossas peças parece ter sido escrita pelo mesmo autor, encenada pelo mesmo diretor e representada pelos mesmos atores, temos também de admitir estar o teatro americano realmente correndo o perigo de esquecer seu papel, devido ao seu conformismo árido e melancólico.


Preocupação

Mas, por agora, coloquemos um ponto final no nosso agradável entendimento com os críticos. Apesar de Atkinson, Kerr e Wilder terem todos demonstrado uma preocupação autêntica sobre a necessidade de uma mudança radical no teatro, não me convenceram de ter uma idéia concreta sobre que direção deve tomar essa mudança.


Responsabilidade

Porém, em um nível puramente formal, não se pode dizer que seus argumentos contra o proscênio sejam infundados ou sem visão. Sou facilmente influenciado pela idéia de ser o palco italiano parcialmente responsável por muitos excessos teatrais de natureza exclusivamente técnica, como confinar um desempenho a seu espaço (Atkinson), forçar o dramaturgo a "usar de artifícios, mutilar e distorcer a peça", e algumas vezes "imobilizar e reduzir a ação a um momento no tempo e no espaço" (Wilder).


Juras

Também ouvi atores jurarem, e acredito em parte, que o arco do proscênio intercepta a comunicação com o público, deixando-os com a sensação de liberarem seus emoções em uma enorme boca negra que as traga sem devolver nada. E, a partir de minhas próprias observações, estou me convencendo de que o proscênio permite às pessoas de talento secundário no teatro, como artistas cênicos, figurinistas e iluminadores, usurpar o palco do autor da peça, introduzindo efeitos exibicionistas e irrelevantes, que quase sempre desviam a atenção da ação principal.


Solução

Embora nada disso me pareça um problema que teatros menores, uma dramaturgia mais definida ou cenógrafos e arquitetos teatrais mais modestos não possam resolver, certamente não negarei que o palco aberto seria uma solução mais eficiente. Assim, vamos admitir ser o palco aberto um instrumento mais flexível que o proscênio, ajudando a estabelecer um relacionamento mais íntimo entre o ator e sua platéia.


Mágica

Se nossos críticos tivessem parado por aí, sem outras idéias absurdas a propor, não haveria maior necessidade de prosseguir com a discussão. Mas os julgamentos desfavoráveis e negativos sobre o proscênio vão bem mais longe. O que começa como um argumento técnico de observação, termina quase sempre em uma conclusão estética irracional e radical, tal como: se o teatro pudesse apenas dispensar o proscênio, jogar fora a caixa de palco e livrar-se da cortina, a falta de estrutura generalizada do teatro americano desapareceria como em um passe de mágica.

Dogma

Pior ainda é saber que essa idéia vem se cristalizando em um verdadeiro dogma, mesmo nos círculos teatrais mais sofisticados. A Ford Foundation está no momento dispendendo vultosas somas em dinheiro para premiar os cenógrafos e arquitetos teatrais esperando que inovações arquitetônicas melhorem a qualidade do teatro americano; com a mesma esperança, outros filantropos estão financiando o palco aberto do Lincoln Square Theatre, sabendo-se no entanto já estar todo o projeto sob o controle das mesmas pessoas que agora buscam essa qualidade discutível para um teatro comercial.

Descrença

Com base em inúmeros precedentes, descremos da eficiências dessas investidas enganosas em busca da perfeição. Depois de um início de temporada desastroso, atribuído pela maioria dos críticos ao proscênio e às montagens convencionais, a American Shakespeare Company em Stratford, Connecticut, reformou por completo sua casa de espetáculos, dando destaque a uma boca de cena mais larga, fugas nessa área, e cenários movimentados por carrinhos. E o resultado? Uma inundação de apresentações voltadas para a aparência externa, mas sem nenhuma melhoria apreciável na interpretação das peças de Shakespeare. O Phoenix Theatre, cujas apresentações foram taxadas de inconstantes e falhas, basicamente porque a companhia nunca adotou uma política definida e corajosa, agora produz todas as suas peças numa boca de cena projetada para a frente, com as cortinas abertas e cenários sem lugar determinado. Resultado? Nenhuma melhoria apreciável na qualidade de suas produções.

Inútil
E quanto à própria Broadway, as enormes bocas de cena que cenógrafos e arquitetos como Jo Mielzimer e Will Steven Armstrong introduziram para abrandar os críticos não surtiram nenhum efeito sobre a melhoria técnica empregada nas peças ou nas produções, servindo apenas para chamar uma atenção desnecessária para todo o conjunto.

Perigo
Não estou querendo insinuar que esse entusiasmo pela reforma arquitetônica cause algum prejuízo; pode até ser bastante proveitoso quanto à parte exterior. A pressuposição de que tal reforma resolva qualquer problema interno, essa sim, é realmente danosa. O perigo reside na ênfase errada; acusando-se o proscênio de todos os males do teatro americano, a verdadeira origem deles permanecerá desconhecida. Examinemos algumas objeções críticas ao palco italiano, para verificar se existe alguma justificativa para toda essa denúncia contundente.

1 - O palco italiano confina o teatro como arte a variações dentro de uma forma padronizada de desempenho.
Errado. O que torna as apresentações na Broaway tão padronizadas, pouco criativas, incoerentes e inassistíveis é simplesmente o fato de nenhum outro tipo de desempenho ser ensinado ou admitido; novas experiências são impossíveis, provavelmente devido ao tempo escasso dos ensaios e à qualidade eventual do elenco. Nossas escolas que ditam as regras de como atuar, lideradas pela Actor's Studio (cujos membros também dão aulas) preferiram restringir seu ensino às técnicas realistas mais cerceadoras, dedicadas à "verdade" interior, mesmo quando se defrontam com peças não-ilusionistas, e reduziram o ato de representar a uma mera repetição, produzindo atores todos parecidos e atuando da mesma forma. Qualquer um que tenha visto o
Picollo Teatro Milano, durante sua recente temporada no Citty Center (um teatro parecendo um grande galpão com um enorme palco italiano) pôde constatar por si próprio, que a verdadeira criatividade na arte dramática sobrevive muito bem dentro do espaço do proscênio, quando os atores são inovadores e bem ensaiados; o diretor familiarizado com outras técnicas além das do Método (estilo realista de representar, criado por Stanislávsky, no qual o ator empenha-se numa identificação pessoal mais fiel com seu papel) e a companhia toda preparada para libertar-se dos moldes convencionais.

2 - O palco italiano confina o teatro como arte a variações de estilo das peças escritas por Ibsen e Tchecov.
Errado. Mesmo se nossos dramaturgos escrevessem tão bem quanto Ibsen e Tchecov, e em decorrência tivéssemos um teatro vigoroso, a idéia novamente estaria errada. No decorrer dos últimos 80 anos, o proscênio foi considerado perfeitamente adequado às peças de Strindberg, Wedekind, Brecht, Lorca, Pirandello, Synge, O'Casey, Kaiser, Toller, O'Neill, Camus, Beckett e Ionesco, para citar apenas um punhado de escritores que escreveram peças não-realistas, e algumas vezes não-ilusionistas, para o palco italiano, sem nenhuma perda de força criativa. Se a Broadway raramente encenou suas peças, eu diria que isso se deve mais aos produtores sem coragem e às platéias sem reação do que ao pobre proscênio. Paralelamente, embora os trabalhos de Sófocles e Shakespeare tenham sido planejados, como é óbvio, para palcos abertos, a sua adaptação ao proscênio não os afeta tanto como a crítica quer que acreditemos. E as peças de Ibsen e Tchecov foram consideradas perfeitamente viáveis no palco circular e na boca de cena. Quando você se sentir inclinado a acusar o proscênio, deve se lembrar da regra prática valiosa de Eric Bentley: "Nenhuma peça terá sucesso num proscênio para o qual ela foi escrita, a menos que tenha as qualidades que a fariam sucesso em todos os tipos de palco para os quais ela não foi escrita". Em outras palavras, se a peça é coerente e a produção adequada, sua apresentação terá êxito até se encenada em uma balsa esburacada no meio do Mar da China.

3 - O palco italiano, e em particular a caixa de palco, induzem a sentir a peça como relaxante e ambígua.
Errado. Essa acusação simplesmente não faz sentido para mim. Não pretendo, aqui, defender o realismo da caixa de palco (ela detém muito mais vitalidade do que seus detratores reconhecem), mas "relaxante" é a última denominação que lhe daria. Para esclarecer, algumas peças realistas americanas, como por exemplo as de Inge e Chayesfsky, são realmente "relaxantes" e "ambíguas" porque apesar de conservarem uma autenticidade superficial, estão mais próximas do romance; mas o realismo de Ibsen, Tchecov, Shaw e O'Neill propõe-se a penetrar abaixo da superfície agradável e chegar até a realidade crua e íntegra. Suspeito que uma das razões pelas quais Ibsen nunca foi encenado na Broadway é a de nunca ser suficientemente "relaxante" para a platéia, e que a popularidade das experiências formais e elaboradas de Wilder e Mac Leish se deve, em parte, ao fato de encontarmos quase sempre sentimentos estúpidos e afirmações fáceis encobertos por uma superfície não-convencional. Em resumo, a determinação de um autor de enfrentar ou evitar umproblema específico é uma questão de consciência e visão, e não tem quase nada a ver com o palco para o qual ele escreve.
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(O presente artigo, aqui ligeiramente reduzido, foi publicado pela primeira vez em 1960, na Theatre Arts e consta da revista Cadernos de Teatro nº 119, 1988, edição já esgotada. A tradução foi feita por Rosa Maria Bengallo. Colaboração do Curso de Tradução do Departamento de Letras da PUC-RJ)


































































































































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