Joseph Swoboda:
técnico e artista
Denis Bablet
A excelência da cenografia tcheca é hoje internacionalmente reconhecida. Na Bienal de São Paulo de 1961, os tchecos conquistaram todas as medalhas e o prêmio de melhor cenógrafo estrangeiro foi conferido a Joseph Swoboda.
A obra de Swoboda é controversa - pode-se discordar de alguns dos 300 espetáculos por ele montados - mas ele é, sem sombra de dúvida, um dos grandes cenógrafos de hoje; um homem em constante experimentação, um explorador insaciável, um inventor à procura da reonovação contínua. Nascido em 1920, Swoboda pertence à geração dos "quarentões" que reúne alguns dos melhores diretores tchecos, como Krejca, Radok e Pleskot. Seus trabalhos para os pequenos teatros de Praga começaram cedo. Em 1948, idealizou seu primeiro décor para o Teatro Nacional, do qual tornou-se diretor de produção dois anos mais tarde. Foi o criador da Lanterna Mágica, e continuou a encenar novas produções, trabalhando na Polônia, Itália, Alemanha e Holanda, bem como em sua própria terra. Quando o conheci em Praga, Swoboda preparava-se para partir para Cuba onde iria trabalhar na produção de Krejca de "Romeu e Julieta".
Coletivo
Swoboda não é o tipo de cenógrafo que se satisfaz em ilustrar uma dramatização de modo mais ou menos acurado, através de maquetes a serem adaptados por especialistas às condições técnicas e espaciais do palco. Swoboda encara o trabalho teatral como coletivo. "A cenografia é um dos instrumentos da grande orquestra formada por vários meios de expressão teatral. Mas é um instrumento de primeira importância. A produção e a cenografia entremesclam-se a tal ponto que a cenografia pode ser considerada uma mise-en-scène visual e plástica".
Desconfiança
Muitos artistas do meio teatral desconfiaram das técnicas modernas e recusaram-se a utilizá-las sob o pretexto de quererem manter a "pureza" das origens do teatro. A posição de Swoboda é clara: as técnicas modernas alteraram profundamente a sensibilidade do espectador. Sobre isso, escreveu: "O modo como vemos uma paisagem hoje difere daquela de um pintor do século XIX: não a observamos parte por parte, com pausas para reflexão, mas em sua torrente de imagens, como se fosse um filme". Atualmente existe uma visível lacuna entre o teatro e as técnicas modernas, mas "o teatro merece novas técnicas, assim como as habitações modernas merecem elevadores e lavanderias automáticas".
Princípios
Assim sendo, o papel de mágico deve ser rejeitado e o sentimento das técnicas, assimilado. "A História da Arte nos ensina que o o bom artista é um profundo conhecedor do material com o qual trabalha; o escultor deve ter uma 'queda' por pedras, o arquiteto, por madeira e concreto, e assim por diante. Isso ainda torna-se mais importante para um artista cênico, que trabalha com uma grande variedade de materiais. Ele deve aprender suas propriedades e exigências. E não é apenas uma questão de madeira, ferro etc., mas de luz, ótica, física, química. Ele deve conhecer pelos menos seus princípios fundamentais. Deve estudar os diferentes ramos técnicos e estar apto a dialogar com os especialistas dessas disciplinas, para que possa colaborar com eles".
Respeito
Swoboda tem grande respeito pela equipe técnica do Teatro Nacional: "Eu reuni novos colaboradores que não mais tratam o cenógrafo como um louco. O teatro é um organismos tal qual o organismo humano; modifica-se e adapta-se a novas condições e possibilidaddes. Os homens podem mudar o organismo do teatro. Eu acredito que o sucesso maior virá quando o meu sonho for alcançado: atrair especialistas da mais alta qualificação para cada uma das subáreas do teatro".
Equipe
A minha atual equipe consiste em três arquitetos, que fazem todos os desenhos, nos mínimos detalhes; um engenheiro mecânico, que busca a melhor e mais barata solução técnica para um problema, e um especialista em acústica e eletrônica, que é um homem vital, já que a televisão torna-se cada vez mais importante no teatro. Em "Romeu e Julieta" os elementos do cenário tiveram que ser deslocados no ritmo e sem prejudicar os atores. Utilizamos circuitos fechados de televisão e intercomunicação transistorizada. Alguém tem que ser capaz de orquestrar tudo isso".
Problemas
Poderíamos presumir que o desejo de Swoboda é um palco altamente mecanizado. Muito pelo contrário. "Eu acho que não preciso de nada fora do comum. Ao montar um espetáculo, costumo pensar em termos de dois problemas técnicos - espaço e luz. O equipamento tradicional não constitui nenhum obstáculo para mim, mesmo que eu o considere insuficiente ou que tenha que transformá-lo. Tudo que eu preciso é um grande espaço ao redor da área de encenação que torne móvel o espaço cênico. Portanto, mecanizamos o palco só até um certo ponto - elevadores hidráulicos e maquinaria comum. Quero um palco cinético, onde o movimento seja uma lei; quero um palco que possa mudar de formato e estrutura durante a apresentação, de acordo com as necessidades, ritmo e conteúdo da peça. Um equipamento gigantesco de palco não poderia fazê-lo: é muito pesado e complicado. Acaba sendo útil apenas para as mudanças de cena. Esse tipo de equipamento não permite a utilização da cinética como elemento de expressão. Gostaria de ter um palco cinco vezes maior do que a área de encenação. Aí sim o espaço cênico seria um tipo de oficina onde eu pudesse colocar qualquer dispositivo mecânico, qualquer tipo de iluinação".
Denis Bablet: Como seria o teatro de seus sonhos?
Swoboda: Um grande espaço totalmente lívre e variável, o que possibilitaria ao diretor decidir sobre a estrutura do palco, o número de espectadores e a posição destes, renovada a cada espetáculo. Tanto Shakespeare quanto Tchecov e Ionesco poderiam lá ser encenados, com suas diferentes abordagens e posições especiais do público em relação ao palco. Mas tudo deve ser previamente estudado e planejado. A impressão do espectador ao entrar no teatro deve ser favorecida por algo completamente lógico. Quero que a técnica seja completamente invisível, silenciosa. Mas existem problemas básicos que ainda não resolvemos. Como construir um tablado que não ranja? Ou um pano de boca que absorva a luz? Os espectadores nos balcões nobres vêem grandes borrões de luz por todo o assoalho do palco. O ator fica bem iluminado, mas o tablado fica ainda mais. Nas pinturas renascentistas a relação luminosa do personagem com o fundo é a mesma com o solo. No teatro, o solo é mais fortemente iluminado do que o fundo do palco. Um problema de segunda ordem, talvez, mas que me causa muitos transtornos. O solo é uma fonte de luz parasita, pois aumenta a sua difusão. Eu já encontrei uma saída, mas é muito dispendiosa. Assim, diminuí a reflexão em 40% utilizando tecidos absorventes.
Denis Bablet: O senhor disse que a técnica deve ser invisível?
Swoboda: Exatamente. Não quero que a costura de minha roupa apareça. Mas isso não constitui uma regra; se a intenção for a de que as pessoas vejam o equipamento, então que o seja. Eu amo o teatro e adoro ser um mero espectador. Adoro a harmonia de um bom espetáculo, mas antipatizo com a pesquisa intelectual sobre o palco, e não gosto de diretores e cenógrafos me monstrando o quanto são talentosos. Devemos apenas descobrir, a cada peça, um melhor meio de comunicação com o espectador, contato sem o qual o teatro não existe. Somente então poderemos competir com os filmes e a TV.
Denis Bablet: Algumas pessoas acham que, ao ocultar o aparato técnico, o senhor causa o ilusionismo.
Swoboda: Eu não penso assim. Em "Romeu e Julieta", onde a maquinaria é ocultada, poderia ter sido acusado de ilusionismo se tivesse tentado reconstruir a arquitetura veronesa do Renascimento. Contudo, recusei qualquer procedimento ilusionista, bem como perspectiva e tudo o mais. Abandonei a linguagem renascentista, preservando somente aquelas características do Renascimento que adpatavam-se à peça de Shakespeare: a dimensão do homem no espaço cênico, o sentimento de proporção, a ausência de monumentalismos exagerados, a impressão de uma arquitetura criada pelos verdadeiros humanistas, pessoas que centralizam o homem no palco. Não há nada de ilusionista em minha montagem.
Intestinos
"A literatura dramática é por demais variada para ser incluída em um sistema cujo objetivo é revelar os intestinos do teatro. Pertenço a um teatro com um horizonte bem amplo. Alguns diretores escolhem obras que correspondem a uma única fórmula cênica. Eu não".
Profundidade
De todos os cenógrafos modernos, Swoboda é aquele que mais se aprofunda na procura por uma expressão dramática através do movimento e do décor. Tal procura é uma extensão das tentativas de Gordon Craig, no início do século, de "fazer com que o volume do palco fosse infinitamente transformável", e de obter "uma flutuação musical do décor". O que mostra que Stanislávski sabia do que falava quando, em 1909, escreveu: "Craig está meio século à frente de nós".
Exemplos:
O trabalho de Swoboda mostra inúmeros exemplos desta procura. "No teatro antigo, os equipamentos eram arrumados e permaneciam imutáveis até o final da cena. Mas o quê pode ser tão estável na história de uma vida cujas imagens desdobram-se sobre o palco? É concebível declararmos o nosso amor na mesma sala onde amaldiçoamos alguém?"
Vida
A montagem de Swoboda, em 1963, para a produção do Teatro Nacional de Praga de "Romeu e Julieta" deu vida a seus princípios. A principal característica da montagem era uma enorme estrutura em três dimensões com painéis que podiam oscilar em direção ao público. Na boca de cena desta estrutura havia um palco frontal com um tablado móvel (fonte, cama, tumba) à direita e, à esquerda, uma escadaria direcionada para baixo do palco, ladeada por uma parede e paralela à estrutura. Esta parede podia subir, descer e até desaparecer por completo, se necessário. Por trás dessa estrutura havia painéis montados sobre troles e, movendo-se paralelamente a ela, um imenso tablado hidráulico com o famoso balcão, que permanecia no palco do princípio ao fim do espetáculo, mas que avançava ou recuava em relação ao público de acordo com sua importância. Havia uma extraordinária mobilidade destes elementos, a qual casava-se perfeitamente à ação.
Tentações
Sem dúvida deve resistir-se às tentações de tamanhos recursos mecânicos. Também não há dúvidas de que poderíamos aderir à incontestável beleza plástica dos movimentos equilibrados nestes elementos cênicos. O formalismo é o risco: o próprio movimento como um fim, sem a função dramática. Contudo, as peças dirigidas por Krejca e Swoboda revelam as surpreendentes possibilidades de um palco cinético, quando seu poder expressivo é utilizado habilmente.
Experiências
Também vale a pena mencionar as experiências de Swoboda no campo da iluminação, mas qualquer tipo de descrição aqui ficaria muito aquém da realidade. Talvez sua experiência mais audaciosa tenha sido o uso de projeções fixas e animadas combinadas à representação dos atores. Assim como a polyscreen (projeção simultânea em várias telas dispersas pelo espaço), Swoboda inventou a Lanterna Mágica, uma forma de armação que relacionava a projeção de filmes (três projetores de 35mm, telas múltiplas e móveis), o som estereofônico (quatro faixas), a projeção de slides, a representação, a dança e assim por diante. A combinação ator e projeções múltiplas permite que o espaço seja dilacerado e que o palco se transforme em uma área multifacetada onde o ator confronte a si mesmo e ao mundo dos objetos de maneira completamente inovadora.
Fórmula
Swoboda deixa-nos um exemplo final da nova fórmula de expressão que está idealizando: "Pensamos em mostrar um velho bêbado andando por uma rua. Nas telas são projetadas diferentes tomadas da rua - marcos de quilometragem, rápidas vistas aéreas e retrospectivas de árvores. Todas essas cenas formam stills. De repente, ao longe, ouve-se o som de um caminhão aproximando-se rapidamente. Inicia-se o movimento das imagens. E acelera. Ouvimos a freiada repentina do caminhão: o velho cai sobre o palco ao congelar a imagem. Em seguida, o som de uma voz, a porta do caminhão batendo, o caminhão partindo vagarosamente enquanto as imagens, pouco a pouco, recomeçam a mover-se. Em momento algum chegamos a ver o caminhão".
(Artido extraído de Encore, jul./ago., 1964, volume 11. Tradução de Maria Lúcia Mayrink. Colaboração do Curso de Tradução do Departamento de Letras da PUC/RJ. Este artigo está publicado na revista Cadernos de Teatro nº 116, 1988, edição já esgotada)
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sexta-feira, 3 de abril de 2009
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