segunda-feira, 6 de abril de 2009

Teatro/CRÍTICA

“Sobre o suicídio”

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A doença da sociedade


Lionel Fischer


“Em 1846 o jovem Marx publica um ensaio – ‘Sobre o suicídio’ – onde denuncia o suicídio como sintoma de uma sociedade doente: ‘É um absurdo considerar antinatural um comportamento que se consuma com tanta freqüência; o suicídio não é, de modo algum, antinatural, pois diariamente somos suas testemunhas. O que é contra a natureza não acontece. Ao contrário, está na natureza da nossa sociedade gerar muitos suicídios”. Extraído do programa do presente espetáculo, este texto ilustra bem a postura de Karl Marx sobre um tema tão polêmico quanto desconcertante. Mas vale a pena citar um outro fragmento, também inserido no programa, que talvez contribua, entre outras coisas, para que o espectador possa entender as premissas essenciais que levaram a Cia. Ensaio Aberto a teatralizar o referido texto:
“O suicídio é significativo, tanto para Marx como para Peuchet, sobretudo como sintoma de uma sociedade doente, que necessita de uma transformação radical. A sociedade moderna, escreve Marx citando Peuchet, que por sua vez cita Jean-Jacques Rousseau, é um deserto, habitado por bestas selvagens. Cada indivíduo está isolado dos demais, é um entre milhões, numa espécie de solidão em massa. As pessoas agem entre si como estranhas, numa relação de hostilidade mútua: nessa sociedade de luta e competição impiedosas, de guerra de todos contra todos, somente resta ao indivíduo ser vítima ou carrasco. Eis portanto, o contexto social que explica o desespero e o suicídio”.
Como torna-se evidente em ambos os fragmentos de texto acima mencionados, a razão primordial que leva ao suicídio não advém de patologias específicas, tampouco de desesperos decorrentes de motivações singulares – ainda que estas existam, como aquelas, e o espetáculo não as negue –, mas sim em função de um organismo enfermo (a sociedade) que, portanto, só poderia gerar múltiplas “enfermidades”, aí incluindo-se o suicídio.
De autoria de Karl Marx, “Sobre o suicídio” (Espaço Sesc) chega à cena com tradução de Rubens Enderle e Francisco Fontanella, direção e dramaturgia de Luiz Fernando Lobo e elenco formado por Fernanda Avellar, Françoise Berlanger, Tuca Moraes e Luiz Fernando Lobo.
Estruturada em cima de quatro histórias reais e permeada de comentários sobre o tema, a presente montagem levanta questões da mais alta pertinência sobre um fenômeno cada vez mais freqüente em nossa época. Ao mesmo tempo, deixa em aberto a possibilidade do seguinte argumento: se o suicídio seria inerente a uma sociedade doente, como explicar o altíssimo número de pessoas que dão cabo de suas vidas num país como a Suécia, tido quase que como um modelo de equilíbrio social e econômico? Teria a ver com o tédio diante de um contexto tão organizado e previsível, e praticamente incapaz de sofrer qualquer tipo de transformação?
Enfim...cada espectador sairá do Espaço Sesc concordando ou não com o que acabou de assistir. Mas certamente a maioria haverá de apreciar a seriedade com que o tema é tratado e a beleza e expressividade de muitas passagens, em especial aquelas que mesclam projeções com o texto articulado pelos atores, por sinal de forma segura e, em vários momentos, muito emocionada – tal emoção, cumpre registrar, não advém de uma entrega passional e arrebatada dos intérpretes, mas da firmeza e convicção com que lidam com as palavras, com a contracena e com a platéia.
Na equipe técnica, Felipe Radicetti assina ótima direção musical e trilha original, cabendo ainda destacar os surpreendentes vídeos de Batman Zavareze e Fabio Ghivelder, a expressiva iluminação de Jef Dubois, os austeros figurinos de Beth Filipecki e Reinaldo Machado, e a ótima tradução de Rubens Enderle e Francisco Fontanella.

SOBRE O SUICÍDIO – Texto de Karl Marx. Direção de Luiz Fernando Lobo. Com a Cia. Ensaio Aberto. Espaço Sesc. Quinta a sábado, 21h. Domingo, 19h30.

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