Como escrever uma peça?
Dumas Filho
Meu caro amigo:
Você me pergunta como uma peça é escrita. Isso muito me honra, mas muito me embaraça.
Com estudo, trabalho, paciência, memória, energia, o homem pode ganhar uma reputação como pintor, escultor ou músico. Nessas artes há processos mecânicos e materiais que podem se tornar pessoais, sendo com eles possível ganhar fama e particularmente habilidade, e alcançar sucesso. O público para quem essas obras são mostradas, não tendo nenhum conhecimento da técnica empregada, olha seus autores, de saída, como seus superiores, sente que o artista pode responder as críticas: "Aprendeste pintura, escultura ou música? Não? Então não opines. Não podes julgar. Deves ser do ofício para entenderes a beleza", e assim por diante.
E é dessa maneira que certas escolas e celebridades frequentemente se impõem ao bem intencionado público. Que não se atreve a protestar. Mas em relação ao drama e à comédia a situação é diversa. O público é uma parte interessada nos acontecimentos e aparece, pode-se dizer, para o julgamento do caso.
A linguagem que empregamos nas nossas peças é uma linguagem usada todos os dias pelos espectadores; os sentimentos que descrevemos são deles, as pessoas que pomos em cena são eles próprios, em paixões identificadas e situações familiares. Nenhum estudo preparatório é necessário, nenhuma iniciação em curso é indispensável; olhos para ouvir é tudo de que necessitam.
No momento que nos afastamos, não direi da verdade, mas do que pensam ser verdade, deixarão de ouvir. Porque no teatro, como na vida, da qual o teatro é um reflexo, há duas espécies de verdade: a verdade absoluta, que no fim sempre prevalece e a verdade senão falsa, mas pelo menos superficial, que consiste de maneiras, costumes, convenções sociais; a verdade incondicional que revolta, e abranda, que acede à fraqueza humana.
Para se sair bem é preciso fazer toda espécie de concessões à segunda para se concluir com a primeira. Os espectadores, como todo soberano - como reis, nações e mulheres - não gostam que se lhes digam a verdade, toda a verdade. Deixe-me acrescentar depressa que eles têm uma desculpa, que é a de ignorá-la. Raramente a escutam. Por conseguinte, gostam de ser adulados, lastimados, consolados, distraídos de suas preocupações e inquietações, que são insignificantes, mas que consideram grandes, porque lhes são próprias.
Isto não é tudo; por um curioso efeito ótico, os espectadores sempre se vêem nos papéis que representam gente boa, suave, generosa, heróica; nos personagens ridículos e corrompidos só vêem seus vizinhos. Como esperar então que a verdade que lhes dizemos poderá lhes fazer bem?
Mas vejo que não estou absolutamente respondendo sua pergunta. Você me pergunta como uma peça é feita, e eu lhe digo, ou melhor, tentarei lhe dizer qual é a receita.
Bem, meu caro amigo, se quer que eu seja bem franco, confessarei que não sei escrever uma peça. Um dia, há muito tempo, mal acabados meus estudos, fiz a mesma pegunta a meu pai. Respondeu: "É muito simples: o primeiro ato claro, o último curto e os outros interessantes".
A receita é na realidade muito simples. A única coisa necessária, além disso, é saber como realizá-la. Aí é que as dificuldades começam. O homem que recebeu essa fórmula é como o gato que escuta uma coisa se mexer dentro de uma caixa, por exemplo - mas não sabe como abrí-la. Em outras palavras, há aqueles que podem escrever de nascença (não digo que essa dádiva seja hereditária), e aqueles que não sabem de saída - e nunca saberão. Você é um dramaturgo ou não. Nem vontade nem trabalho tem qualquer coisa a ver com isso. O dom é indispensável. Creio que a qualquer pessoa que você pergunte como se escreve uma peça, responderá, se de fato é capaz de escrever uma, que não sabe como é que se faz. É como se se perguntasse a Romeu o que fez para se apaixonar por Julieta e ela para amá-lo. Responderia que não soube como, simplesmente aconteceu.
Sinceramente,
A. Dumas Filho
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(Artigo extraído da revista Cadernos de Teatro nº 135/1993, edição já esgotada)
segunda-feira, 13 de abril de 2009
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