quinta-feira, 30 de abril de 2009

Max Reinhardt
fala do Ator

Creio na imortalidade do teatro. É o melhor refúgio para aqueles que guardaram
sua infância no bolso e fugiram com esse tesouro escondido para continuar "brincando"
até o fim de suas vidas.

* * *

Quando se fala do teatro e isto é, sem dúvida, o que esperais de um homem de teatro como eu, temos que colocar o ator na primeira e na última linha, já que só a ele e a mais ninguém pertence o teatro. Ao fazer esta afirmação somente tenho em vista os atores profissionais, como penso, antes de tudo, no ator como poeta e criador. Todos os grandes autores dramáticos são atores natos, hajam ou não exercido tal profissão com maior ou menor êxito. Penso no ator como diretor, como músico, arquiteto, pintor e, certamente, por último, no ator-espectador, pois o talento dramático do espectador é quase tão decisivo como o do ator.

Desejo

O espectador deve intervir também a fim de que nasça o verdadeiro teatro, que é a arte mais completa, mais poderosa, mais direta e que reúne todas as demais. Em cada ser humano existe, consciente ou inconscientemente, o "desejo de transformação". Todos trazemos em nós mesmos as possibilidades de todas as paixões, de todos os destinos, de todas as formas de vida. Nada do que é humano deixa de ter eco em nós. Não fosse assim, não poderíamos nem na vida nem na arte compreender aos demais. Porém, o que herdamos: a educação, as experiências individuais, que não fecundam e não desenvolvem senão uma pequena parte dos milhares de germes que em nós existem. Os demais debilitam-se pouco a pouco e terminam morrendo.

Pobreza

A vida burguesa é estrita, limitada e muuito pobre em matéria emotiva. Nesta pobreza encontram-se virtudes, entre as quais se penetra e se avança dificultosamente. O ser normal sente, em geral "uma vez" na vida o êxtase do amor; "uma vez" na vida a transbordante alegria da liberdade e do ódio; enterra "uma vez" com profunda dor um ser amado e, finalmente, morre, ele mesmo "uma vez". Porém, isto é pouquíssimo para as nossas potencialiddaes inatas de amor, de ódio, de felicidade, de dor. Todos os dias exercitamos nossos músculos e nossos membros para que se fortifiquem e para evitar que se atrofiem. Porém, nossos órgãos espirituais, criados sem dúvida para serem empregados na vida, ficam inativos, sem exercício e perdem com o tempo, sua faculdade de funcionamento. É do funcionamento completo desses órgãos que depende não só nossa saúde espíritual e moral, como também nosso corpo.

Explosões

Sentimos sem a menor dúvida como nos satisfaz uma gargalhada, como nos alivia um soluço, como nos apazigua um acesso de cólera. Buscamos até inconscientemente essas explosões. Diz-se que os ciumentos buscam ardentemente o sofrimento. É porque temos uma necessidade absoluta de sentir emoções e de manifestá-las. Nossa educação certamente trabalha em sentido contrário. Seu primeiro mandamento pode expressar-se assim: "Dissimula o que se passa contigo, não deves deixar perceber nada de tua agitação, de tua fome, de tua sede, procura ocultar toda alegria, toda a dor e toda a ira; é necessário afogar tudo que é primitivo e que tende a manifestar-se".

Freios

Eis como se formam os "freios" de que tanto se fala em nossos dias - a doença da moda - o histerismo e toda essa vã comédia que, em suma, enche a nossa vida. Paixões, sentimentos, emoções, nada disso existe hoje em dia. Dispusemo-nos a substituí-los por uma série de expressões formalistas de um valor geralmente reconhecido e aceito pela sociedade de que fazemos parte. Essa sociedade é tão rígida e nos aprisiona tão estreitamente, que todo movimento espontâneo fica excluído quase que completamente. Do mesmo modo que nossa roupa, que se fabrica em série para todos os tamanhos, temos duas ou três dezenas de fórmulas triviais que se aplicam em todas as ocasiões.

Convenções

Possuímos expressões faciais convencionais para expressar simpatia, prazer, dignidade, o sorriso estereotipado da figura. Perguntamos a nossos semelhantes: "Como está?, sem nos preocuparmos com a resposta ou mesmo sem verdadeiro interesse. E dizêmo-lo sempre com um tom regulado tão perfeitamente que se poderia fixar suas notas, invariavelmente repetidas ao infinito, para expressar a satisfação de nos encontrarmos com eles, enquanto que no fundo o fato nos é absolutamente indiferente, quando não desagradável. O código social corrompeu até o ator, o homem cuja missão é a de expressar sentimentos. Quando se educam gerações ensinando-as a conter suas emoções, já não resta nada, em suma, para reprimir ou liberar.

Enamorados

Como é possível que o comediante, profundamente preso às ficções da vida burguesa, possa à noite dar esse salto prodigioso a fim de converter-se num rei louco, cujas paixões tudo transtornam?. Como é possível que faça crer ao espectador que está se matando por ciúmes ou se suicidando por amor? Uma das características de nosso teatro atual é que nele quase não existem enamorados. Quando um ator diz em cena "amo-te", em muitos teatros se fará um fundo musical a fim de expressar um estado de espírito poético. Substitui-se, deste modo, a vibração da alma por uma vibração de violinos, sem a qual não se poderia distinguir um "amo-te" de um "como vai".

Mulheres

Em geral as mulheres são mais expressivas e mais impulsivas, por se encontrarem mais próximas da natureza que o homem. Em tempos passados, quando os atores estavam distanciados ainda da sociedade burguesa, e vagavam como boêmios pelo mundo, indubitavelmente, desenvolviam-se entre eles personalidades mais poderosas e mais originais. Suas paixões eram mais impetuosas, seus acessos mais violentos. Nenhum interesse entorpecia seu livre curso. Eram comediantes de corpo e alma. Hoje em dia "a carne" está sempre bem disposta, porém, a alma é débil e os interesses estão divididos. No entanto, todas essas considerações e todas essas regras desapareceram ante o milagre do gênio. Mas os gênios são poucos e muitos são os teatros.

Crianças

São as crianças que refletem mais claramente a essência do gênio, quase todas elas são gênios natos. Sua faculdade de assimilação é única e as tendências criadoras, que se manifestam em seus jogos, são geralmente geniais. Elas querem descobrir o mundo por si mesmas e criá-lo novamente (recriá-lo). Instintivamente, recusam assimilar a vida pela instrução, segundo a fórmula de "uma colherada por hora". Não querem absorver a experiência dos outros. Transformam-se com a rapidez do relâmpago e fazem tudo de acordo com os seus desejos. Seu poder de imaginação é avassalador. Isto é um simples sofá? Pois sim, é uma estrada de ferro e eis que, em seguida, a locomotiva ronca, silva e roda, elas se põem a contemplar, através dos vidros das janelas, de um lado e do outro dos vagões, enquanto vem o guarda, severo, que revisa os bilhetes. De repente, o trem se detém na estação...

Ideal

É o Teatro. Teatro ideal, modelo de arte dramática. Isso explica o fenômeno de que, tanto no teatro como no cinema, as crianças são sempre os melhores atores. Fossem elas favorecidas pelas circunstâncias, seriam todas crianças prodígios. Justamente nos jogos infantis é onde melhor se poderia estudar os principais fundamentos do teatro. As decorações e os acessórios que as crianças utilizam, mesmo sob a forma de coisas, são transformadas logo por sua imaginação soberana. Apesar disso, quanta realidade, que surpreendente naturalismo, que improvisações geniais, que pouco espaço reservado à objetividade do drama, e tudo acompanhado de uma clara consciência, que nunca as abandona, de que tudo que ocorre ali não é senão um jogo.

Erro

Sucede o meso com o ator. É um erro supor que o comediante possa esquecer o espectador, se é precisamente nos momentos de maior turbação, ao sentir milhares de pessoas suspensas, apaixonadas e trêmulas em seus próprios lábios, que essa consciência lhe dá força para libertar-se inteiramente e para despojar-se dos últimos véus que cobrem os recantos mais secretos de sua alma. Também para a criança aquilo é um jogo, porém, um jogo praticado com uma seriedade profunda e que exige a presença de "espectadores" submissos, mudos, atentos, que seguem o desenvolvimento desse jogo e que lhes emprestam concurso.

Nascimento

A arte dramática nasceu durante a primeira infância da humanidade. O homem, reduzido a viver uma existência breve entre uma multidão composta de seres inteiramente diferentes de si mesmos, tão próximos a eles e ao mesmo tempo tão distantes, sentiu uma imperiosa necessidade de passear por meio da imaginação, de uma forma a outra, de um destino a outro, de uma paixão a outra: foram esses seus primeiros ensaios de vôo para além da estreiteza de sua existência material. Se é certo que fomos criados à imagem de Deus, deve haver em nós algo do divino impulso criador.
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O presente artigo, aqui resumido, consta do nº 59/1973 da revista Cadernos de Teatro, edição já esgotada.







































































































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