Os sofrimentos do jovem Werther,
de Goethe:
Com os olhos na modernidade
Willi Bolle
A carta era, para o indivíduo burguês do século 18, a forma predileta de comunicação; por meio dela, buscava esclarecer o sentido de sua existência. No romance epistolar de Goethe, Os sofrimentos do jovem Werther, o protagonista se dirige em cartas a seu amigo e confidente, para lhe falar de sua experiência amorosa e social. Na parte final do romance, toma a palavra o editor-narrador, ainda assim, mantendo como fundamento de seu relato as cartas.
Cria-se assim uma distância maior em relação ao personagem, cuja patologia é mostrada com objetividade benevolente; ao mesmo tempo, o leitor é levado a aproximar-se da esfera íntima de Werther, na medida em que o centro da ação passa a ser as cartas dirigidas a Lotte. O derradeiro bilhete de amor é uma carta de despedida: "Na noite de Natal, terás entre tuas mãos trêmulas este papel"... Em tais circunstâncias, a carta diz o que nunca é dito, fala do amor e da vida a partir do limiar da morte. No instante antes de pegar na arma, a mesma mão está escrevendo.
Com esta contigüidade das imagens da pena e da arma, o pré-revolucionário Tempestade e Ímpeto - movimento literário onde se inscreve o Werther (1774) - diferencia-se claramente do resignado Romantismo (que surgiu um quarto de século depois), assim como a primavera se distingue do outono. O Werther é a expressão de uma sensibilidade nova e combativa; suas cartas traduzem a poética do jovem Goethe: "Volto-me para dentro de mim mesmo e encontro um mundo".
Ênfase na subjetividade e no mundo interior, mergulho no sonho, mas só para perceber mais agudamente, no ato de despertar, o mundo exterior: a sociedade, a natureza. Fazer poesia conforme a natureza, é o novo lema do movimento Tempestade e Ímpeto, que assim se liberta das regras da estética desgastada e das convenções sem vida.
Werter fala de uma manhã de primavera, quando sente o mundo em sua volta e o céu repousarem em sua alma como a imagem de uma mulher amada - "Ah! Se você pudesse exprimir tudo isso, se pudesse passar para o papel o sopro de tudo o que vive em você". Tal é sua disposição, antes de conhecer Lotte. O encontro de ambos ocorre no meio de crianças, os seres humanos mais próximos da natureza.
Qual é o lugar social da nova sensibiliadde? A burguesia? "Muito se pode dizer em proveito das regras, como também em louvor da sociedade burguesa. Um homem que se forma segundo essas regras nunca produzirá nada de mau gosto ou de ruim /.../; mas, em compensação, diga-se o que se disser, toda regra aniquila o verdadeiro sentimento e a verdadeira expressão da natureza".
O romance documenta como a classe burguesa elaborou sua sensibilidade. Eis a atividade por excelência de Werther: formar a sensibilidade - em contato com a natureza e os homens, lendo Homero e Ossian e, sobretudo, se entregando ao amor. O burguês "precisa ganhar dinheiro", em função disso orienta sua vida.
Para quem trabalha o escritor? Essa pergunta era fundamental para a geração de Tempestade e Ímpeto. Werther, aceitando a pressão da família e dos amigos, se emprega como secretário de um embaixador. Logo percebe que escrever a serviço da nobreza é se submeter à rotina pedante e ao formalismo vazio. Ao seu redor, Werther observa "a miséria aparente", o tédio, a luta ferrenha e mesquinha pela posição social e, o que mais o indigna, "a inevitável condição burguesa".
Sente que brincam com ele "como se fosse uma marionete" e que se encontra em companhia de pessoas que estão "se prostituindo". Na casa do conde, as pessoas da alta sociedade lhe fazem sentir, de maneira humilhante, sua condição de subalterno. - Diante disso, o romance não cultiva nenhuma falsa idéia de conciliação, nem o mito da ascensão social a qualquer preço - ele articula o protesto de uma geração. Werter pede demissão de seu trabalho na corte. Resolve escrever para si mesmo, para sua própria classe.
Com isso, o Werther se torna, em essência, o primeiro romance de formação de Goethe, embora subvertendo, de antemão, toda a linhagem. A "formação" vigente é denunciada como deformação, na medida em que reproduz a mentalidade de "dominadores e subalternos"; basta ver como a burguesia considera as crianças: "nossos iguais, que deveriam nos servir de modelo, as tratamos como nossos súditos".
O jovem Goethe e sua geração colocaram as bases para uma literatura nova, não só alemã, mas universal: a busca de uma sensibilidade nova, de um homem novo se fazendo em contato com o povo. Longe das estilizações, longe mesmo das canções de Ossian, e perto dos iletrados, dessa "classe de pessoas que chamamos de rudes e ignorantes".
Em meio a suas buscas, Werther conhece um jovem camponês que lhe fala de sua paixão por uma mulher. Tentar traduzir a essência daquele amor equivale para Werter a ir até os limites do dizível: "Seria preciso o talento do maior poeta para reproduzir, ao mesmo tempo, de uma maneira viva, a expressão de seus gestos, a harmonia de sua voz, o secreto fogo de seu olhar".
Daí em diante, correm em paralelo a experiência amorosa do jovem camponês e a de Werther, como se aquela paixão conferisse maior credibilidade à sua. Quando Werter reencontra o rapaz pela última vez, este está sendo preso, como autor de um crime passional. Mentalmente, Werther se põe no lugar dele, compreende sua ação e o defende. Replica-lhe o bailio que "desta maneira, todas as leis seriam anuladas e toda a segurança do Estado viria abaixo".
A paixão amorosa subvertendo a segurança do Estado! O amor, irracional e selvagem, irrompendo como uma torrente impetuosa, quebrando os diques e arrastando tudo a que se apega o filisteu! O cidadão sensato e a multidão estremecem por dentro, olhando o criminoso, porque a paixão revolve, torna visível o arcáico fundo de violência, em cima do qual se edifica a sociedade.
O conto da montanha magnética, espécie de embrião do romance de Werther, talvez possa esclarecer um pouco mais essa questão. "Os navios que se aproximavam, perdiam subitamente tudo o que era de ferro, os pregos voavam em direção à montanha e os pobres desgraçados naufragavam em meio às tábuas que desmoronavam". A narrativa popular é como a voz de um mítico destino.
De fato, Werther, embora avisado de que Lotte já está comprometida - acaba sendo "magnetizado". Tudo ocorre como diz o jovem camponês: não que ele tenha ido atrás dela, foi "como que atraído por ela". O instinto, o sonho, o louco desejo, e os diferentes alter ego de Werther: o jovem assassino, a moça suicida, o louco cheio de esperanças buscando flores no inverno para a rainha do seu coração - quanta matéria irracional!.
Então, toma a palavra a sensatez, na figura do editor. Essa diferença de técnica narrativa do romance em relação ao conto popular é significativa. Enquanto o personagem de Werther margulha cada vez mais no mito, sem volta, o narrador o acompanha a partir da margem da razão. À luz das cartas que ele põe em ordem, quer "descobrir os motivos mais íntimos e verdadeiros" da ação.
Tecnicamente novo, nesse romance, é o diálogo da razão com o irracional, ou também, podemos dizer, da Ilustração com o Tempestade e Ímpeto. Através do narrador também é possível conhecer melhor os sentimentos de Lotte. Seu amor por Werther e uma pergunta crucial que ela lhe faz: "Por que é que teve de nascer com essa impetuosidade, com essa paixão indomável que o prende a tudo que o impressiona? /.../ Por favor, modere-se! Seu espírito, seus conhecimentos, seu talento, quantos prazeres eles lhe oferecem! /.../ Não percebe que está se iludindo, que está se arruinando voluntariamente? Por que eu, Werther? Justamente eu...". - Pois é: por quê? Aqui o discurso da razão e do amor chega aos limites do decifrável.
Werther é o documento de uma geração, para a qual a literatura ainda era uma arma. As cartas do jovem Werther são o retrato de uma sociedade onde viver, no sentido pleno da palavra, é impossível. "Quando vejo as limitações que aprisionam a capacidade humana de ação e pesquisa; quando vejo que toda a atividade se esgota na satisfação de necessidades cujo único propósito é prolongar nossa própria existência, e ainda que toda a tranquilidade em relação a certas questões não passa de uma resignação sonhadora, pois as paredes que nos aprisionam estão cobertas de formas coloridas e perspectivas luminosas...".
No limiar da era burguesa, o personagem Werther cogita se vale ou não a pena entrar na máquina de ilusões de uma sociedade cujo projeto histórico real é a destruição dos outros e de si mesma. É verdade que lhe ocorre sentir profunda inveja de Albert, "ao vê-lo enterrado nos papéis até os olhos", ou pensar na oportunidade profissional que lhe propõe o ministro; mas, logo depois, se lembra da fábula do cavalo que, "insatisfeito com sua liberdade, deixou que colocassem sela e arreios, para que o cavalgassem e acabassem com ele".
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segunda-feira, 27 de setembro de 2010
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achei o livro um maximo ele exprime muitos sentementos e principalmente quando se suisida....
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