Teatro/CRÍTICA
"Estragaram todos os meus sonhos, seus cães miseráveis"
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Amadurecer é preciso, e no entanto...
Lionel Fischer
Os irmãos André, Mariana e Caio estão vivendo uma situação extrema, que se sobrepõe a outras - segundo André, Mariana e Caio mantiveram durante algum tempo uma relação incestuosa, com a qual não se conforma; Mariana morava até a véspera com Luana, tudo levando a crer que tinham uma relação amorosa, recém rompida por razões não explicitadas; André, bem-sucedido corretor de investimentos financeiros, comete um erro e detona todo o patrimônio de seus clientes e de seus pais, que, ignorando o fato, partiram num veleiro. Ocorre, porém, que o tal veleiro desapareceu na costa africana e aqui chegamos à ação central da peça: sem dinheiro e com a perspectiva de jamais rever os pais, os três irmãos literalmente não sabem o que fazer.
Eis, em resumo, o enredo de "Estragaram todos os meus sonhos, seus cães miseráveis", de Daniela Pereira de Carvalho. Em cartaz no Espaço Sesc, a montagem chega à cena com direção de Pedro Neschling - que faz sua estréia na função - e elenco formado por Alexandre Varella (Caio), Carol Portes (Luana), Pedro Osório (André) e Vitória Frate (Mariana).
Em termos de estrutura narrativa, Daniela Pereira de Carvalho alterna a ação propriamente dita com depoimentos de cada um dos personagens, abordando múltiplos temas, supostamente para que a personalidade de cada um se torne mais clara. Mas tal expediente, ainda que não isento de interesse, não me parece contribuir decisivamente para as relações que eles estabelecem entre si e as atitudes que tomam, exceção feita à última, que evidentemente não explicitaremos pois isso privaria o espectador de uma grande surpresa.
Com relação a esta última atitude, ela sugere que o objetivo principal da autora foi o de mostrar a terrível dificuldade de amadurecimento dos jovens atuais, em sua maioria incapazes de enfrentar os desafios do mundo adulto sem a proteção da família. E aí pouco importa se alguns já são bem-sucedidos ou não: diante de um quadro extremamente grave, a tendência seria a de buscar soluções totalmente inviáveis e, no presente caso, muito atreladas a fantasias infantis protagonizadas por heróis fictícios.
Assim encarada, a peça é bastante interessante, não apenas em função do pertinente tema que aborda, mas também porque a autora foi capaz de criar personagens bem estruturados, que se relacionam através de diálogos que mantêm os espectadores sempre atentos e num estado, em geral, marcado pela tensão.
Com relação ao espetáculo, Pedro Neschling faz segura estréia como diretor, impondo à cena uma dinâmica moderna, criativa e sem nenhuma preocupação de ater-se ao realismo. Além disso, o jovem encenador extrai ótimas atuações do elenco, ao que me parece na casa dos 30 anos, mas todos com vasta experiência e alguns trabalhos já exibidos de alta qualidade. Estamos, portanto, diante de um espetáculo que realmente merece ser prestigiado, e que acredito que sensibilizará sobretudo os espectadores de faixa etária semelhante à dos personagens.
Na equipe técnica, Fernando Alexim assina uma cenografia muito expressiva, delimitando os ambientes com marcas no chão e utilizando duas espécies de roda, que ora os personagens utilizam para se sentar, ora as colocam em movimento, como se as mesmas contivessem uma dupla simbologia: a imobilidade e a possibilidade de agir. É também de excelente nível a iluminação de Adriana Ortiz, sempre em sintonia com as emoções em causa. Ana Roque responde por figurinos em consonância com a classe social e personalidade dos personagens, cabendo ainda destacar a coordenação de movimento de Toni Rodrigues e a trilha sonora de Marcelo H e Pedro Neschling.
ESTRAGARAM TODOS OS MEUS SONHOS, SEUS CÃES MISERÁVEIS - Texto de Daniela Pereira de Carvalho. Direção de Pedro Neschling. Com Alexandre Varella, Carol Portes, Pedro Osório e Vitória Frate. Espaço Sesc. Quinta a sábado, 21h. Domingo, 19h30.
segunda-feira, 6 de setembro de 2010
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Crítica interessante. Bem escrita e objetiva. Quanto a peça, surgiu vontade de conferir...
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