Teatro/CRÍTICA
"Tudo que eu queria te dizer"
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Montagem imperdível nos Correios
Lionel Fischer
Numa época em que infinitas variações tecnológicas dominam (ou tentam dominar) os mais prosaicos aspectos de nossas vidas, receber ou enviar cartas tornou-se algo tão obsoleto que quase chega a ser risível. No entanto, e falando apenas em meu nome, devo confessar que sou apaixonado por cartas, um pouco porque odeio computadores (cabendo registrar que os mesmos nutrem sentimento análogo por mim) e um outro tanto porque, em muitos pontos de minha paradoxal personalidade, considero-me um homem do século 19.
Assim, quando soube que o presente espetáculo se baseava no livro homônimo de Martha Medeiros, constituído por cartas, fui ao Centro Cultural Correios num estado de excitação que, fosse eu chegado a remédios, não hesitaria em tomar um Rivotril. Além disso, veria em cena uma das mais brilhantes atrizes deste país - Ana Beatriz Nogueira - sendo dirigida pelo excelente encenador argentino Victor Garcia Peralta. Ou seja: só por inimaginável crueldade dos sempre caprichosos deuses do teatro deixaria o local com outro sentimento do que aquele que de lá saí: completamente fascinado.
Numa cena totalmente despojada, idealizada pelo diretor, ocupada apenas por uma cadeira e uma pequena estante sobre a qual estão depositadas algumas garrafas d'água, cujo precioso conteúdo a atriz sorve de tempos em tempos, tomamos conhecimento de seis cartas, totalmente independentes entre si, que não são lidas, obviamente, pela atriz, mas por ela interpretadas.
Sem entrar em maiores detalhes, pois isso privaria o espectador de muitas surpresas, limito-me apenas a dizer que a autora consegue, em todos os temas abordados, exibir doses equivalentes de humor e tristeza, sagacidade e mágoa, ironia e desamparo, enfim, observações oriundas de sua aguda percepção da realidade e de sua notória coragem de dizer o que pensa, sem levar em conta correntes de pensamento ou comportamento em voga.
Diante da excelência dos textos e tendo à sua disposição uma atriz de exceção, o diretor Victor Garcia Peralta impõe à cena uma dinâmica simples e elegante, deixando todo o resto praticamente nas mãos da atriz. Sábia opção, evidentemente, pois como acabo de dizer, Ana Beatriz Nogueira pertence ao seleto rol de atrizes capazes, graças aos seus imensos recursos expressivos, de extrair tudo que um personagem (aqui vários) pode oferecer. E se a isto somarmos seu carisma, forte presença e inteligência cênica, o resultado não poderia ser outro: uma montagem absolutamente imperdível, à qual nenhum espectador pode se dar ao luxo de não assistir.
No tocante à ficha técnica, Ana Beatriz Nogueira veste-se de negro (figurino não assinado), cabendo a Gabriel Mesquita a adequada trilha sonora. Quanto à iluminação, Maneco Quinderé exibe seu talento habitual, aqui iluminando a cena com sutis, delicadas e pertinentes variações.
TUDO QUE EU QUERIA TE DIZER - Texto de Martha Medeiros. Direção de Victor Garcia Peralta. Com Ana Beatriz Nogueira. Espaço Cultural Correios. Quinta a domingo, 19.
segunda-feira, 13 de setembro de 2010
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