sábado, 11 de setembro de 2010

Teatro/CRÍTICA

"A caolha"

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Tragédia e lirismo no Jockey


Lionel Fischer


Certas relações, como todos sabemos, são inevitavelmente complicadas, ainda que não deixem de ter aspectos positivos. No presente caso, estamos diante de uma mulher que, além de pobre (trabalha como lavadeira), possui um defeito que infunde "terror às criancinhas e repulsa aos adultos". Isto se deve à ausência de seu olho esquerdo, onde existe uma ferida repugnante que jamais cicatriza. Quando atinge a idade escolar, o filho, que até então não dera importância a este fato e tratava a mãe com extremo carinho, passa a ser alvo de chacotas de seus colegas, o mesmo acontecendo quando, já mais velho, é hostilizado pelos companheiros de trabalho. Da adolescência em diante, o filho vai aos poucos mudando seu comportamento com relação à mãe. Até que, no final, lhe é revelada uma surpresa aterradora.

Eis, em resumo, o enredo de "A caolha", texto de João Batista livremente inspirado no conto homônimo de Júlia Lopes de Almeida (1862-1934). Em cartaz no Teatro Municipal do Jockey, "A caolha" - mais recente produção da Cia. Dramática de Comédia - chega à cena com direção de Batista e elenco formado por Sonia Praça (Caolha), Pericles Amim (Antonico, seu filho), Leonardo Miranda (Narrador/Seu Tobias/Dono do bar), Giselda Mauler (Madrinha), Cleiton Rasga (Inspetor/Marceneiro/Alfaiate/Rapaz do Bar), Julia Deccache (Isabel/Professora) e Conrado Cavalcante (Músico/Rapaz do Bar).

Como não li o original, não posso avaliar os méritos da presente adaptação. De qualquer forma, ela consegue materializar na cena uma história pungente, cuja fluência mantém o espectador em permanente estado de tensão e interesse. E a estes predicados se junta um outro, que em muito contribui para a forte relação que se estabelece entre palco e platéia: a linguagem utilizada. Esta se apóia nos melodramas circenses (circo-teatro), muito em voga em palcos nacionais no início do século passado.

Aqui, tal linguagem é trabalhada com total seriedade, sem nenhuma pretensão de criticá-la. Isto significa que o grupo assumiu uma série de riscos, à medida que retoma um gênero já há muito abandonado e que poderia perfeitamente ser encarado como algo anacrônico, e portanto sujeito a um certo ridículo. Mas tal seriedade, aliada à beleza das marcas, à delicadeza com que os sentimentos são abordados e à atmosfera impregnada de lirismo e tragédia conferem ao presente espetáculo um inquestionável grau de excelência. Isto só vem demonstrar o seguinte: um espetáculo pode ser eficaz tanto se utiliza os mais avançados recursos tecnológicos quanto este, que opta pelo despojamento e simplicidade. Sem dúvida, uma montagem que merece ser prestigiada de forma incondicional pelo púublico carioca.

Com relação ao elenco, todos os atores se mostram perfeitamente à vontade nos personagens que interpretam, deles extraindo os principais conteúdos propostos pelo autor - e aqui cabe destacar os secos e curtos diálogos criados por João Batista, suficientes para fazer chegar até a platéia os principais sentimentos e emoções implícitas.

Na equipe técnica, são de excelente nível a direção musical e música original de Marcelo Alonso Neves, assim como as letras das canções, assinadas pelo diretor. Igualmente irrepreensíveis a belíssima cenografia de Doris Rollemberg e os apropriados figurinos de Mauro Leite, em total sintonia com a condição social e personalidade dos personagens. Outro destaque fica por conta da expressiva luz de Renato Machado, determinante para o aprofundamento dos múltiplos conflitos em jogo, cabendo ainda ressaltar a ótima direção de movimento de Dani Canavellas, a preparação vocal de Paula Leal, e as precisas intervenções do operador de luz Luiz Oliva e do operador de som Eduardo dos Santos.

A CAOLHA - Texto e direção de João Batista. Com a Cia. Dramática de Comédia. Teatro Municipal do Jockey. Quinta a domingo, 21h.

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