Teatro/CRÍTICA
"Besame mucho"
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Amor, humor e amargura no Sesc
Lionel Fischer
Como se sabe, toda causa gera um efeito. Aqui, no entanto, nos deparamos primeiro com os efeitos e só aos poucos vamos conhecendo as causas. O ano é o de 1982. Xico e Olga estão se separando - ele conquistou fama como escritor, mas é ela, socióloga, quem escreve seus textos; e ao longo dos últimos tempos só conseguem ter relações sexuais de dois em dois meses. Já Tuca e Dina não fazem outra coisa a não ser transar - e tal prodígio só se tornou possível a partir do momento em que ela se vestiu como Marilyn Monroe, disparando um processo em que as relações sexuais do casal só se materializam através de infindáveis fantasias.
Nascidos na mesma cidade do interior paulista, os personagens se conhecem desde a infância. E à medida que a peça retorna no tempo, até 1962, vamos tomando conhecimento não apenas de suas histórias particulares, mas também das muitas influências que sobre elas tiveram alguns dos principais fatos ocorridos num período de grande repressão política, social, religiosa e sexual.
Eis, em resumo, o enredo de "Besame mucho", de Mário Prata, grande sucesso teatral nos anos 80. Em cartaz no Espaço Sesc, a montagem leva a assinatura de Roberto Bomtempo e tem elenco formado por Leandro Baumgratz (Xico), Janaina Moura (Olga), Rafael Sardão (Tuca) e Ana Paula Sant'Anna (Dina).
Definida pelo autor como uma comédia romântica, a peça não deixa de sê-lo, na medida em que tem no amor um de seus temas centrais - talvez até mesmo o principal. No entanto, seu maior mérito é o de mostrar a influência do meio sobre os indivíduos, não raro sobrepujando suas expectativas e determinando escolhas não previstas. E se é verdade que o humor predomina em grande parte do texto, isto não exclui passagens impregnadas de dor, decepção e amargura.
Contendo ótimos personagens, um diálogo sempre fluente e abordando questões marcantes do período em que transcorre a ação, "Besame mucho" recebeu excelente versão cênica de Roberto Bomtempo, cabendo destacar a criativa dinâmica cênica, a ótima utilização dos vídeos editados por Édipo Ferraz e a capacidade do diretor de extrair atuações irrepreensíveis do elenco.
Neste particular, voltamos a constatar o óbvio: este país pode carecer de tudo, menos de excelentes intérpretes. E no presente caso, cumpre ressaltar que não estamos diante de atores já consagrados, que saem em capas de revista ou protagonizam novelas de TV. No entanto, e embora ainda bem jovens, todos vêm construindo sólida trajetória no teatro, ainda que eventualmente realizem trabalhos em outros campos. Assim, só resta parabenizar Ana Paula Sant'Anna, Janaina Moura, Leandro Baumgratz e Rafael Sardão pela excelência de suas performances, e a todos desejar que continuem acreditando que o teatro, como o define Peter Brook, é "a arte do encontro".
Na equipe técnica, destacamos com o mesmo entusiasmo os trabalhos de Fernanda Guimarães (preparação corporal), Renato Machado (iluminação), Joana Seibel (figurinos), Roberto Bomtempo (cenografia e trilha sonora) e Alexandre Lino (direção de arte).
BESAME MUCHO - Texto de Mário Prata. Direção de Roberto Bomtempo. Com Janaina Moura, Ana Paula Sant'Anna, Leandro Baumgratz e Rafael Sardão. Espaço Sesc. Quinta e domingo, 20h; sexta e sábado, 21h30.
quinta-feira, 27 de janeiro de 2011
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