Teatro/CRÍTICA
"Estilhaços"
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Imprescindíveis contatos no Universo
Lionel Fischer
No início, segundo dizem, era o Verbo. E aqui também. Projetado sobre duas telas brancas, lemos o diálogo entre um casal de jovens, que finalmente se separa. Tudo se dá via internet. E como tudo que se dá via internet, orkut, msn, facebooks etc., as palavras são quase sempre abreviadas e quando não o são, constatamos inacreditáveis agressões ao idioma - tão inacreditáveis que torna-se impossível conter o riso. Mas qual teria sido a razão que levou o autor/diretor Eduardo Wotzik a inserir essa curiosa conversa, já que tudo o que se segue se apóia em palavras? Palavras, diga-se de passagem, ausentes de bizarras mutilações e plenas de conteúdo? Bem, talvez consiga encontrar uma resposta satisfatória no decorrer desta crítica.
Inaugurando um novo espaço cênico, o Espaço I do Museu do Universo, no Planetário da Gávea, "Estilhaços" reúne 45 crônicas sobre vários aspectos do mundo de hoje, levantando questões éticas, morais e políticas. Mas se o olhar do autor prioriza o humor crítico sobre os temas que aborda, em contrapartida, em algumas passagens - e de forma imprevista - o riso se estanca, a respiração fica como que suspensa e o coração começa a bater mais acelerado. Essa alternância de climas é um dos grandes trunfos da presente montagem, que tem elenco formado por Analu Prestes, Clarisse Derzié, Ricardo Kosovski e Marcos França.
Disse acima que tentaria encontrar uma explicação para o diálogo projetado na tela. É possível que Eduardo Wotzik tenha pretendido enfatizar a importância das palavras, sua inesgotável capacidade de nos gerar possíveis transformações através do que expressam. Estaria, portanto, estabelecendo um contraponto entre o mundo contemporãneo, que cada vez mais prioriza a redução, a preguiça e a descrença no poder das palavras, e um outro, o que se materializa na cena, e que defende justamente o inverso. E certamente por enfatizar a importância das palavras é que Wotzik criou uma encenação em que o enfático é a tônica.
Sábia solução, sem dúvida, pois do contrário as 45 crônicas apresentadas, ainda que excelentes, não produziriam no espectador o impacto que causam - ele certamente haveria de optar pela leitura das mesmas. Ou então tudo se resumiria a uma espécie de sarau num bar, regado a petiscos. Mas não: ao se apropriarem inteiramente das palavras, a ponto de julgarmos que são de sua autoria, e além disso proferí-las sempre com indispensável vigor, os atores conseguem encontrar (com a participação da direção, evidentemente) o único "lugar" possível para compartilhar suas dúvidas e eventuais certezas com a platéia.
E por estarem sempre misturados ao público, "emergindo" subitamente de diversificados locais, tive a sensação - e como eu, provavelmente muitos também a tiveram - de que aquelas palavras também eram minhas, já que estavam intimamente ligadas à minha vida. Assim, é como se tivesse me tornado autor de um texto que não escrevi, mas que já existia dentro mim em estado embrionário, à espera apenas de um canal que o libertasse. Para mim, em sua essência, "Estilhaços" é isso: a possibilidade que me é oferecida de entrar em profundo contato comigo mesmo e, portanto, com o mundo ao qual pertenço.
No tocante ao elenco, estamos diante de excelentes profissionais, com vastíssima experiência e maravilhosas contribuições a esta milenar e imprescindível arte, através da qual o homem discute suas questões essenciais. Mas aqui não há, no sentido estreito do termo, personagens a representar. Então, como explicar a contundência cênica do quarteto de intérpretes? Acho que pelo mesmo fenômeno que se deu comigo: porque todos também conseguiram se tornar "autores" de um texto que não escreveram. Assim, só me resta manifestar minha irrestrita admiração por Analu Prestes, Clarisse Derzié, Ricardo Kosovski e Marcos França, e desejar que os sempre caprichosos deuses do teatro abençoem esta montagem imprescindível.
Na equipe técnica, José Dias assina uma cenografia deslumbrante, em total sintonia com as propostas da direção, criando um espaço que, propositadamente, não identifica um lugar teatral - os espectadores se sentam em cubos de fiberglass, tendo a rodeá-los passarelas brancas. A mesma eficiência se faz presente na iluminação de Paulo César Medeiros, estruturada a partir de quatro calhas de lâmpadas fluorescentes. Perfeitamente irmanadas, cenografia e iluminação contribuem de forma decisiva para a criação de um espaço propositamente indefinido, mas certamente impregnado de magia.
ESTILHAÇOS - Texto e direção de Eduardo Wotzik. Com Analu Prestes, Clarisse derzié, Ricardo Kosovski e Marcos França. Espaço I do Museu do Universo, no Planetário da Gávea. Quinta a sábado, 21h. Domingo, 20h.
segunda-feira, 10 de janeiro de 2011
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