terça-feira, 4 de agosto de 2009

Ensaios abertos

Richard Schechner


Richard Schechner é professor da N. Y. University, editor da The Drama Review e criador do Performance Group. Neste artigo, ele discorre sobre os objetivos e as técnicas relativas à questão dos ensaios de uma peça abertos ao público, utilizando a platéia como uma ferramenta para melhorar a produção. O artigo foi retirado de seu livro Environmental Theatre (Teatro Ambiental), Hawtnorn Books, Inc., 1973.

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Quando falo em ensaios abertos não me refiro a exibir uma peça antecipadamente visando a lucros imediatos antes que a crítica arrase com a produção. Um verdadeiro ensaio aberto consiste em exibir uma peça, ou partes da mesma, ainda inacabada. A presença da platéia torna-se necessária para que a produção sofra alterações de acordo com a reação da mesma. Os ensaios abertos, de certa forma, seguem a trilha já delineada por Meyerhold em 1929, quando afirmou: "Nós produzimos cada peça tomando como pressuposto que ela ainda estará inacabada quando for encenada. Fazemos isso de forma consciente, pois sabemos que a crítica mais severa é a que é feita pelo espectador".

Os ensaios abertos, a meu ver, devem alcançar, por exemplo, as seguintes metas:

1. Trabalhar principalmente com partes da peça que seduzam a platéia.

2. Localizar as passagens difíceis, tal como o navio que experimenta grande dificuldade ao navegar em águas rasas. Essas passagens podem ser problemáticas do ponto de vista dos atores ou da platéia, ou, então, de ambos. A primeira cena do banquete de Macbeth, onde os atores se exaltam uns com os outros, por exemplo, foi representada sem maiores problemas nos ensaios fechados, mas fracassou frente à platéia. Os atores ficaram tensos, contidos e amedrontados. Os ensaios abertos apontaram para o tipo de ajuda necessária nos ensaios fechados.

3. Testar o ambiente. Independentemente do quão cuidadoso seja o planejamento da montagem, muitos dos problemas são evidenciados quando a platéia ocupa o auditório. Somente os espectadores podem fazer tais descobertas, pois em poucos dias centenas de pessoas diferentes exploram milhares de possibilidades.

4. Repetir as cenas com diferentes variações, diferentes encenações. Não só pode-se testar como a platéia reage, mas também como os atores reagem. Muitas das cenas do Performance Group desenvolvem-se dessa forma. Algumas vezes, ocorrem debates com os espectadores sobre essas variações. É comum as pessoas permanecerem até depois dos ensaios para falar com o diretor e com os atores individualmente. Essa forma de representar com diferentes variações apresenta muitas vantagens. Primeiro, pode-se ter acesso às mudanças imediatas de reação; os espectadores travam conhecimento com o processo que a montagem de uma peça implica: a fria tarefa de ter de escolher entre diferentes alternativas.

5. Acabar com a idéia fantasiosa de que fazer teatro é uma coisa "mágica". Ao deixar que a platéia participe do trabalho inacabado - ao fazer questão que o trabalho seja mostrado "em andamento" - no processo árduo para dar continuidade ao mesmo, ao lavar a roupa suja em público, defrontamo-nos claramente com uma barreira, chegando, talvez, a reduzi-la. O importante é distinguir entre o que é puramente pessoal e deve ser tratado a portas fechadas (caso contrário, perde-se a confiança) e os problemas centrados na produção. As platéias investem, em grande medida, na ilusão de que os atores são pessoas especiais (não no sentido de pessoas dotadas de habilidades especiais) que sobem ao palco para viver outras vidas, vidas mágicas. Essas projeções fazem com que os atores se sintam muito satisfeitos, mas também amedrontados. O mesmo se dá com o diretor. Nada é mais vergonhoso para um ator ou um diretor do que cometer um erro e saber que todos sabem que ele cometeu um erro. Os ensaios abertos ajudam a reduzir a pressão pelo sucesso imediato: ou pelo sucesso que advém de viver essas outras vidas. Geralmente, os atores conseguem sentir o verdadeiro carinho que os espectadores lhes dispensam e vice-versa. Pode-se, então, estabelecer novas relações entre platéia e atores, mais descontraídas e verdadeiras.

6. Divulgar uma produção. Eu não acredito em suspresas no teatro. A única surpresa gratificante é assistir a um ator ou atriz superar o seu próprio trabalho ao representar. Desse ponto de vista, cada apresentação pode ser surpreendente. Deve-se, também, quebrar o monopólio que os críticos exercem quanto à "recepção" de um novo trabalho - e a única arma contra a Palavra da Crítica é a propaganda boca a boca. Os ensaios abertos representam uma oportunidade de o público formar suas próprias idéias sobre uma peça, de contá-la a seus amigos, de assistir ao processo de montagem de uma peça.

7. Extinguir ou, ao menos, reduzir a distinção entre ensaios e espetáculo. Isso encontra-se atrelado ao anti-ilusionismo característico dos ensaios abertos. As pessoas, a meu ver, devem ter uma maior consciência das habilidades que o fazer teatral implica, devendo também comparar os temas e os ritmos do trabalho aos invés de as personalidades de tal ator ou uma "personagem" que acabou engolindo o ator. Acredito num meio termo altamente consciente, crítico e irônico. Uma distinção muito acentuada entre ensaios e espetáculo leva a produções cada vez mais "seguras" ou "técnicas de brilho momentâneo". A noite de estréia do espetáculo torna-se um momento decisivo para o qual devem-se voltar toda a energia e empenho. Os espetáculos ficam, então, estagnados nas fases preparatórias ou congelados num momento de "sucesso", perdendo a vitalidade conforme a repetição rotineira.
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O presente artigo, aqui reduzido, consta da revista Cadernos de Teatro nº 129/1992, edição já esgotada. Tradução de Adriana Saad. Uma colaboração do Curso de Tradução do Departamento de Letras da PUC-RJ.

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