segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Teatro/CRÍTICA

"Aquela mulher"

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Bela versão de ótimo texto


Lionel Fischer


Marília Gabriela é uma mulher. Mas antes que alguém atribua conotações acacianas a esta assertiva, gostaria de ponderar que Marília Gabriela não é "apenas uma mulher", mas uma mulher extremamente bem-sucedida em sua principal atividade - jornalista, entrevistadora, dona de um programa televisivo etc. - e que, segundo alguns, estaria cometendo, de uns anos para cá, uma espécie de heresia: o desejo de tornar-se atriz. Trata-se, naturalmente, de um sintoma claríssimo de nossa velha conhecida: a inveja. É como se dissessem: "Mas será que não basta ela já ser quem é no universo jornalístico/televisivo? Será que tem ambições de também brilhar em outro segmento que sempre lhe foi estranho?".

Como jamais troquei uma palavra ou seguer um olhar com Marília Gabriela - o que muito lamento - não posso, evidentemente, responder por ela. Mas posso, sim, elogiar sua coragem de dar prosseguimento a uma atividade paralela - repleta de riscos - quando poderia perfeitamente contentar-se com o status que já adquiriu há muito tempo. Assim, é com grande admiração que a revejo no palco, desta vez protagonizando o monólogo "Aquela mulher", do angolano José Eduardo Agualusa. Em cartaz no Teatro do Leblon - Sala Marília Pêra, o espetáculo leva a ssinatura do ator Antônio Fagundes, que estréia como diretor - insisto em colocar acento agudo em estréia, pois, para mim, estréia sem acento é ensaio geral.

Tendo como enredo a espera de uma mulher que aguarda a confirmação de que novamente dirigirá o destino da nação mais poderosa do mundo, o texto de Agualusa, ainda que faça referência a Hillary Clinton e seu marido, aborda vários temas da maior pertinência, como o poder - e, mais especificamente, o poder exercido por uma uma mulher -, o amor, a solidão, a hipocrisia, uma vasta gama de contradições e fragilidades etc. Em última instância, o ótimo texto nos fala sobre o complexo, comovente e eventualmente hilariante ato de viver.

Marília Gabriela interpreta a Senhora H. E a Senhora H. é uma mulher de forte personalidade, como Marília. Tal sintonia já é suficiente para os invejosos de plantão argumentarem: "Mas então, qual seria a dificuldade de fazer tal personagem, já que ambas possuem a mesma essência?". E aqui, e novamente não desejando parecer acaciano, ouso afirmar que uma pessoa "forte" tem que conter, necessariamente, aspectos frágeis, pois do contrário não passaria de um ser monolítico, contrariando descadaramente a dialética da vida, que pressupõe a permanente alternância (ou embate) entre os opostos - no caso, tais embates se dariam nas entranhas da pessoa em questão, mesmo que ela tente ou até consiga camuflá-los em nome da preservação de sua imagem pública.

Isto posto, cumpre registrar a grande evolução de Marília Gabriela como atriz, evolução esta que se torna cada vez mais evidente a cada novo espetáculo que faz. E aqui não poderia ser de outra forma, já que dirigida por um dos maiores atores que este país possui: Antônio Fagundes. Aproveitando seu enorme talento e vastíssima experiência, Fagundes extrai da atriz um desempenho superior a todos os anteriores, já que Marília consegue trabalhar muito bem as pausas, impor à sua poderosa voz surpreendentes nuances e realizar um expressivo trabalho corporal, afora se entregar com total paixão à tarefa de materializar uma personalidade tão complexa. E isto também só se torna possível porque Fagundes, sabiamente, renunciou a desnecessárias firulas formais e criou uma dinâmica cênica austera, seca, que faz emergir, com humor e sensibilidade, os múltiplos aspectos de uma mulher tão poderosa e ao mesmo tempo tão romântica. Sob todos os aspectos, estamos diante de uma parceria que deu certo e que, portanto, desejamos que venha a se repetir.

Na equipe técnica, destacamos com o mesmo entusiasmo o exemplar trabalho de todos os profissionais envolvidos nesta mais do que oportuna empreitada - Theodoro Cochrane (cenário e figurinos), André Abujamra (trilha sonora), Márcio Aurélio (iluminação) e Clarisse Abujamra (preparação corporal).

AQUELA MULHER - Texto de José Eduardo Agualusa. Direção de Antônio Fagundes. Com Marília Gabriela. Teatro do Leblon. Sexta e sábado, 21h. Domingo, 20h.

Um comentário:

  1. Sua crítica traduz exatamente o que penso dela, e deste trabalho.
    Que bom tão belas e verdadeiras palavras.
    Fiquei fã do Blog.

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