sábado, 22 de agosto de 2009

Teatro/CRÍTICA

"O despertar da primavera - o musical"


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Obra-prima em versão imperdível

Lionel Fischer

Certamente todos os profissionais dar artes cênicas e estudantes de teatro conhecem o texto "O despertar da primavera", de Wedekind. Mas é possível que muitos espectadores ainda não tenham tido o privilégio de entrar em contato com esta obra-prima e sobretudo pouco saibam a respeito do dramaturgo. Então, vamos rapidamente situá-lo.

Autor dramático alemão, Frank Wedekind (1864-1918) foi colaborador da revista satírica Simplizissimus, membro do famoso Kabarett, de Munique e ator de grande destaque. Começou sua carreira com dramas sobre os problemas da juventude e seu choque com a moral burguesa. Deste período constam O mundo jovem e O despertar da primavera, esta última uma de suas obras mais importantes, na qual a temática antiburguesa e o simbolismo expressionista se acentuaram em suas obras seguintes (O espírito da terra e a segunda parte de A caixa de Pandora), em que criou o protótipo da mulher fatal. Sua postura cínica de boêmio e moralista antiburguês, sua exaltação do erotismo e sua predileção por personagens marginais (aventureiros, criminosos, prostitutas etc.) impuseram ao dramaturgo constantes problemas com a censura.

Isto posto, voltemos ao essencial: passados 30 anos da estréia no Rio da peça, levada à cena por um jovem e talentoso grupo que ficou conhecido como O Pessoal do Despertar, dirigido por Paulo Reis, a maravilhosa obra de Wedekind volta ao cartaz. Só que, desta vez, na forma de um musical, estreado em 2006 nos Estados Unidos, no circuito OFF-Broadway e que, ainda no mesmo ano, chegou à Broadway e foi consagrado pelo público e pela crítica, recebendo oito prêmios Tony.

Contando com música de Ducan Sheik, texto e letras de Steven Sater, "O despertar da primavera - o musical" chega ao palco do Teatro Villa-Lobos com direção de Charles Möeller, versão das letras e supervisão musical de Claudio Botelho e elenco protagonizado por Malu Rodrigues (Wendla), Pierre Baitelli (Melchior), Rodrigo Pandolfo (Moritz) e Letícia Colin (Ilse), que dividem a cena com Débora Olivieri e Carlos Gregório - que interpretam todos os personagens adultos - e mais Alice Motta, André Loddi, Bruno Sigrist, Danilo Timm, Davi Guilherme, Eline Porto, Estrela Blanco, Felipe de Carolis, Julia Bernat, Laura Lobo, Lua Blanco, Mariah Viamonte, Pedro Sol e Thiago Marinho - estes últimos fazem os companheiros de colégio dos protagonistas.

Contendo personagens otimamente estruturados, diálogos impregnados de dramaticidade e lirismo, e uma narrativa que prende a atenção do espectador desde o início, "O despertar da primavera" é um texto que permanece atualíssmo, já que aborda temas que, infelizmente, nossa sociedade não foi capaz de banir, como alguns citados no impecável e abrangente release que nos foi enviado: o florescer da sexualidade, o incesto, o suicídio e a opressão, tanto no âmbito familar como no escolar e religioso.

E o texto é tão poderoso que, mesmo convertido em musical, conserva intacto seu fascínio e pertinência, cabendo registrar um dado curioso: se por um lado os autores mantiveram a atmosfera da época, por outro criaram músicas contemporâneas, com o objetivo, quem sabe, de através deste contraste reafirmar a atualidade das questões essencais trabalhadas por Wedekind. No entanto, aqui fazemos uma pequena ressalva: se por um lado a maioria das 19 canções estão em sintonia com o contexto, por outro algumas carecem de maior vigor dramático, contribuindo para minimizar um pouco o dilacerante e claustrofóbico universo em que se debatem os personagens. Mas este senão acaba sendo, em grande parte, compensado pela ótima direção musical de Marcelo Castro e pela paixão com que os atores interpretam as músicas, cujas letras, como de hábito, receberam impecáveis versões de Claudio Botelho.

Quanto ao espetáculo, este marca a 22ª incursão de Charles Möeller e Claudio Botelho no gênero musical. E o que ainda pode ser dito a respeito desta extraordinária parceria, que a cada nova empreitada se supera? Aqui, estamos novamente diante de uma montagem absolutamente irrepreensível, que consegue materializar na cena, de forma sensível e criativa, todos os conteúdos propostos pelo autor. E também fazemos absoluta questão de ressaltar o fato de que Möeller e Botelho tiveram a salutar ousadia - exceção feita a Débora Olivieri e Carlos Gregório, profissionais com vasta experiência - de trabalhar com jovens com idades entre 18 e 25 anos, portanto praticamente em início de carreira, deles extraindo atuações irretocáveis, tanto no que se refere aos protagonistas como a todos os demais. Só nos resta, então, desejar que os sempre caprichosos deuses do teatro abençoem esta mais do que oportuna empreitada e a façam permanecer em cartaz por muito tempo.

No complemento da ficha técnica, destacamos com o mesmo entusiasmo o maravilhoso trabalho de todos os profissionais envolvidos nesta imperdível montagem - Alonso Barros (coreografia), Annmarie Milazzo (arranjos vocais), Rogério Falcão (cenário), Marcelo Pies (figurinos) e Paulo César Medeiros (iluminação).

O DESPERTAR DA PRIMAVERA - Texto de Frank Wedekind. Musical com texto e letras de Steven Sater, música de Duncan Sheik. Direção de Charles Möeller, versões das letras e supervisão musical de Claudio Botelho. Com Pierre Baitelli, Malu Rodrigues, Rodrigo Pandolgo, Letícia Colin e grande elenco. Teatro Villa-Lobos. Quinta e sexta, 21h. Sábado, 21h30. Domingo, 18h.

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