sábado, 29 de agosto de 2009

Teatro/CRÍTICA

"A paixão segundo
sóror Mariana Alcoforado"


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Paixões em versão surpreendente


Lionel Fischer


Uma jovem portuguesa do século XVII vive uma tórrida paixão com um oficial francês. Quando ele a abandona, ela entra para um convento e torna-se freira. Até aí, uma história banal. Entretanto, uma vez confinada no claustro, Mariana Alcoforado entregou-se à tarefa de escrever cartas ao ex-amante. Eis, em resumo, o enredo de "A paixão segundo sóror Mariana Alcoforado", em cartaz até amanhã no Teatro do Jockei. Baseado em "Cartas portuguesas", o texto chega à cena com direção e interpretação de Viviane Rayes e Yashar Zambuzzi.

Embora muitos contestem a autenticidade das cartas e outros cheguem ao extremo de afirmar que sóror Mariana Alcoforado nem teria existido, o que de fato importa é a realidade dos textos. Estes, obviamente, foram escritos por alguém. E essa pessoa, seja ela quem for, deixou um testemunho da maior importância sobre a experiência amorosa.

Mas vamos admitir que as cartas sejam mesmo de Mariana Alcoforado e tenham sido redigidas dentro do contexto acima descrito. Estaríamos, portanto, diante de uma mulher que, tendo renunciado ao mundo e se tornado esposa do Senhor, ainda assim se mantém inteiramente ligada ao homem que a abandonou. E tal ligação, mesmo que contendo elementos espirituais, repousa fundamentalmente numa paixão carnal.

As recordações e lamentos de Mariana muitas vezes se reportam a atitudes egoístas ou insensíveis do oficial. Mas o que impressiona de fato é a abordagem que faz do erotismo e, mais do que isto, como ela o converte numa espécie de gozo que tem a motivá-lo a dor de uma ausência que jamais será suprimida - suas cartas são dilacerantes, poéticas e impregnadas daquele gênero de beleza que só o desespero produz.

No presente caso, os diretores optaram por materializar na cena o oficial, como se ele estivesse enunciando ao vivo as cartas que escreveu. Tal opção, em nosso entendimento, enfraquece a dor da ausência acima mencionada. E Mariana e o oficial não apenas dialogam, mas chegam inclusive a fazer amor, ainda que possamos interpretar tanto os diálogos, como as relações carnais entre ambos, como delírimos da protagonista. Seja como for, e embora reconhecendo todo o direto dos diretores de imprimirem sua versão do texto, acreditamos que seu impacto fica em muito minimizado pelas opções adotadas.

Quanto ao espetáculo, este recebeu uma versão austera e despojada. Mas a montagem depende, fundamentalmente, da performance dos atores e neste sentido achamos procedentes algumas observações. É evidente que Viviani Rayes se entrega com total paixão à tarefa de compor Mariana Alcoforado, mas acreditamos que seu desempenho seria mais convincente se conseguisse impor maiores variações rítmicas (o texto quase sempre é dito numa velocidade excessiva), assim como se explorasse mais um tom de voz menos agudo, já que este contribui para conferir mais histeria do que um real desespero. E na pele do oficial, Yashar Zambuzzi trabalha o personagem com um grau maior de frieza do que de paixão, o que pode levar o espectador a concluir que na realidade ele nunca amou tanto Mariana, sendo tal amor muito mais fruto da imaginação dela do que da efetiva relação que tiveram.

Na ficha técnica, consideramos corretos os trabalhos de Cristiano Gonçalves (iluminação), Te-Un TEATRO (cenário e figurinos) e Yashar Zambuzzi (trilha sonora).

Um comentário:

  1. De fato, uma pena a decisão pela materialização do oficial.
    O imaginário sempre supera, e muito, a realidade.

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