terça-feira, 21 de julho de 2009

Albert Camus:
O Absurdo no Teatro

Camus escreveu quatro peças: Calígula (Caligula), O mal-entendido (Le malentendu), Estado de Sítio (L'état de siège) e Os justos (Les justes). Calígula foi concluída em 1938, mas só sete anos depois subiu ao palco no Teatro Hebertot, em Paris. Conforme definição do próprio autor no prefácio da obra, trata-se de uma "tragédia da inteligência". Seu protagonista, o imperador romano, filho de Nero, irrompe em cena após a morte de Drusila, sua irmã e amante, para expressar seu desejo do impossível - "a lua, ou a felicidade, ou a vida eterna" -, seu novo programa de vida - "é preciso ser lógico até o fim, a todo custo" - e sua descobeta do que acatará como sendo a verdade absoluta - "os homens morrem e não são felizes".

Calígula constata o absurdo e decide levá-lo às últimas conseqüências, perdendo os limites do poder, da liberdade, da razão, negando todos os laços que o prendem ao gênero humano. As metáforas são abolidas de sua linguagem: a um cortesão que se declara capaz de dar a vida por ele, Calígula manda imediatamente matar, não sem antes agradecer-lhe por tamanha dedicação. Decididos a colocar um termo na carreira assassina do imperador, o patrício Cherea e o poeta Cipião engendram uma conspiração para matá-lo. "Suicida superior", Calígula nada faz para deter os conspiradores, e "aceita a morte, porque compreendeu que ninguém pode salvar-se sozinho, nem pode ser livre às custas dos outros".

O próprio Camus pretendia representar Calígula, em Argel, mas a deflagração da guerra adiou a estréia da peça, e foi Gérad Philippe (1922-1959) quem acabou vivendo o imperador romano na encenação parisiense de 1945.

O mal-entendido foi escrito no ano de 1943, nas montanhas do centro da França, onde Camus se encontyrava por motivos de saúde. "Essa situação histórica e geográfica", diz ele, "bastaria para explicar a espécie de claustrofobia de que eu sofria então e que se reflete na peça". O tema dessa obra sombria e pessimista encontra-se já mencionado em O estrangeiro, por Meursault, que lê num jornal a notícia: "Um homem partira de uma aldeia para fazer fortuna. Ao fim de 25 anos, rico, regressara casado e com um filho. A mãe dele, juntamente com a irmã, tinha uma estalagem na aldeia. Para lhes fazer uma surpresa, deixara a mulher e o filho em outra estalagem e fora visitar a mãe, que não o reconheceu. Por brincadeira, tivera a idéia de se instalar num quarto, como hóspede. Mostrara o dinheiro que trazia. De noite, a mãe e a irmã tinham-no assassinado a marteladas e atirado seu corpo no rio. No dia seguinte de manhã, a mulher do desgraçado viera à estalagem e revelara, sem saber, a identidade do viajante. A mãe enforcara-se. A irmã atirara-se a um poço". Ao terminar de ler o relato, Meursault comenta: "Devo ter lido essa história milhares de vezes. Por um lado, era inverossímel. Por outro, era natural".

A peça é dividida em três atos: o primeiro mostra a volta do filho pródico, Jan; o segundo focaliza o crime; o terceiro elucida a verdade. Por várias vezes essa verdade parece prestes a se revelar, como no momento em que Jan estende o passaporte a Marta, sua irmã, e ela se recusa a abri-lo.

Consumado o crime, através de um chá envenenado, Marta recebe a cunhada com hostilidade e conta-lhe que Jan tivera a mesma sorte de muitos outros viajantes que por ali passaram. A finalidade de tantos homicídios era obter um dinheiro que lhe permitisse abandonar aquela aldeia cinzenta e ir viver num lugar ensolarado, perto do mar. "Você sabia que ele era seu irmão quando fez isso?", pergunta a viúva. "Se precisa saber", responde a outra, "foi um mal-entendido. E se você tem alguma experiência do mundo, não se surpreenderá".

Representada pela primeira vez em 1944, no teatro dos Mathurins, a peça só se manteve em cartaz durante 40 representações. Os poucos que a aplaudiram exaltavam a qualidade dos diálogos e a escolha do tema. Os que a recusaram apontavam a improbabilidade dos fatos - perguntavam-se, por exemplo, se ninguém jamais notara o desaparecimento das outras vítimas -, e consideravam-na inconvincente como demonstração do absurdo. O próprio Camus acha O mal-entendido enfadonha e sombria. Sua intenção era criar uma "tragédia moderna", "pôr a linguagem da tragédia na boca de personagens contemporâneas. Nada, realmente, é mais difícil, pois é preciso encontrar uma linguagem natural o bastante para ser falada pelos contemporâneos e ainda suficientemente incomum para sugerir o tom trágico".

Mais bem-sucedida foi Os justos, que estreou no Teatro Hebertot de Paris em 1949. O autor assegura que a peça foi rigorosamente baseada em fatos históricos - inclusive a surpreendente entrevista da grã-duquesa com o matador de seu marido.

Os "justos" são os revolussionários russos de 1905, os quais, segundo Camus, viveram "o destino do homem revoltado em todas as suas contradições". Esses "assassinos delicados", como os chama, defrontaram-se com o problema mais cruciante da revolta, que constitui o núcleo de O homem revoltado: existe alguma coisa que se possa fazer para melhorar este mundo de injustiça e sofrimento e que, ao mesmo tempo, não aumente a injustiça e o sofrimento?

Para Kaliayev, um dos "justos", a resposta é negativa, e o assassinato só é permitido se o criminoso morrer também. Encarregado de matar o grão-duque Sérgio, ele falha numa primeira tentativa porque havia crianças presentes, e "matar crianças é um ato contrário à honra de um homem". Procurando defendê-lo perante os outros, que lhe criticam essa fraqueza, sua amada Dora expressa uma posição fundamental de Camus: "Mesmo na destruição há o certo e o errado - há limites". Numa segunda oportunidade, Kaliayev mata o grão-duque e, fiel a si mesmo, faz questão de morrer também. A revolta não é a busca da liberdade absoluta, como acreditava Calígula, mas um protesto contra um excesso de sofrimento e injustiça - e todo sofrimento provocado nesse protesto, toda injustiça cometida em nome dessa revolta devem, necessariamente, ser expiados.

Pomposa, grandiloqüente, Os justos obteve enorme sucesso, apesar de ter sido ferozmente criticada por alguns que a interpretaram como um convite à inação política. Na verdade, Camus desejava mostrar à esquerda da época como estava distante dos ideais defendidos pelos revolucionários de 1905. Queria também denunciar um estado de violência que, apesar da inexistência de rebeliões e de guerras, ainda vigorava na Europa ao terminar a década de 40.

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Por sua extensão, complexidade e inúmeras referências, deixamos para outra oportunidade um comentário sobre Estado de sítio.

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