sexta-feira, 10 de julho de 2009

Limites no diálogo
arte/psicanálise

Freud acreditava muito no poder utópico da arte de transformar a vida e transportar o sujeito humano para lugares impensáveis e, sem dúvida, buscava com sua psicanálise essa potência. Contudo, sempre insistiu nos liites dessas transformações, sentindo-se muito à vontade em seu ceticismo e pessimismo prudentes e reflexivos.

Vejamos o que nos diz sobre esse ponto, de forma categórica, em "O mal-estar na civilização":

A doce narcose introduzida em nós pela arte pode apenas nos fornecer um recuo efêmero de emergência das necessidades vitais e não é bastante forte para nos fazer esquecer nossa miséria real.

Embora a aposta nessa interlocução esteja cada vez mais viva, não são poucos os estudos psicanalíticos equivocados em relação a esse ponto quando justamente tentam vestir a arte com interpretações reducionistas e buscam recortar as personalidades dos artistas com a tesoura conceitual da psicanálise. Esses autores esqueceram de ler uma série de advertências de Freud, entre elas, de que muitas vezes a psicanálise tem que se curvar diante diante do indizível da criação e do sublime de uma determinada obra. Nosso esforço de compreensão é sempre insuficiente diante da magnitude da arte. Em "O estranho", diz: A psicanálise, infelizmente, também não pode dizer nada de útil sobre a beleza.

Em outro momento de sua correspondência, Freud escreve: Penso que uma hostilidade geral reina entre os artistas e os pesquisadores mergulhados nos detalhes de um trabalho científico. Como sabemos, a arte dá aos primeiros uma chave que lhes permite penetrar facilmente nos corações femininos, enquanto nós,os outros, permanecemos embaraçados diante dessa estranha fechadura.

No texto "O delírio e os sonhos na Gradiva de W. Jensen", ele diz: É a ciência que não resiste diante da obra do poeta.

Portanto, Freud tinha o devido cuidado em não reduzir a expressão artística a uma leitura psicopatológica, mesmo que tenha em alguns momentos se aventurado e mesmo tropeçado nessa tentação. Mas basta ler com cuidado suas inúmeras advertências para nos posicionarmos de forma mais cautelosa nesse terreno. Se a arte é do campo do sublime, do inefável, do indizível, só resta nos dobarmos à sua força e usufruir desse contato sem anestesiá-la com os excessos de conceitos.

De qualqer forma, a potência da arte é justamente a de resistir às tentativas de capturas interpretativas. Estamos diante de uma obra de arte na medida em que esta continua inscrevendo na vida das gerações futuras uma nova interrogação e perturbando assim "o sono do mundo". Se nos surpreendemos ainda com Michelangelo, Da Vinci, Shakespeare, Dostoiévski é justamente poorque suas obras continuam produzindo novas questões para o nosso tempo.

Em sua autobiografia Freud volta novamente ao ponto relativo ao limite da psicanálise frente à arte: A psicanálise não pode, com efeito, dizer nada relativo à elucidação do dom artístico e à descoberta dos meios dos quais o artista se serve para trabalhar, e o desvelamento da técnica artística também não é de sua alçada.
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Fragmento extraído do livro "Sigmund Freud", de autoria de Edson Sousa e Paulo Endo. L&PMPOCKETENCYCLOPEDIA

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