sexta-feira, 17 de julho de 2009

Teatro/CRÍTICA

"A inquietude"

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Fugazes momentos de entendimento

Lionel Fischer


No início de 2006, mais precisamente no dia 12, saiu publicada na Tribuna da Imprensa uma crítica minha do espetáculo "Esfíncter", baseado em textos do francês Valère Novarina, direção de Ana Kfouri. Não conhecia o autor, mas meu primeiro contato com ele pode ser resumido nas seguintes palavras, extraídas da referida crítica: "...assim, e ainda que um tanto amargurados, somos forçados a admitir nossa total incapacidade de tecer qualquer tipo de consideração minimamente consistente sobre o presente espetáculo. Podemos, apenas, em função de nosso respeito e admiração por Ana Kfouri, desejar que, em sua próxima montagem, não nos faça sentir como intrusos em uma festa para a qual não fomos convidados".

Como temos um ótimo relacionamento, Ana Kfouri me convidou para assistir novamente ao espetáculo, não para fazer uma outra crítica, mas apenas para conversar depois sobre o mesmo. Aceitei prontamente o convite, mas, lamentavelmente, deixei o teatro com uma sensação de orfandade superior à que sentira da primeira vez. E ainda que a conversa que Ana e eu tivemos tenha sido ótima, ela em nada alterou o sentimento acima mencionado.

Agora, passados três anos, Ana Kfouri volta a apresentar um texto de Valère Novarina, "Inquietude", em cartaz no Espaço Sesc. Só que desta vez Ana não dirige o espetáculo e sim interpreta múltiplos personagens - ou um único, talvez, em suas diversificadas facetas. Thierry Trémouroux assina a direção, cabendo a Angela Leite Lopes a tradução e a dramaturgia.

Como disse acima, passaram-se três anos. E o tempo, como todos sabemos, tem, dentre seus muitos predicados, o poder de nos facultar um novo olhar sobre nós mesmos e o mundo em que vivemos, desde que estejamos, evidentemente, abertos a possíveis transformações. Portanto, ao me dirigir ontem ao Espaço Sesc, o fiz sem nenhuma "seqüela" do espetáculo anterior, desejando ardentemente apreciar o novo texto de um autor que anteriormente me colocara diante de, digamos, enígmas que não fui capaz de decifrar.

No entanto, meu entendimento da presente obra não foi muito superior ao que tive em relação à anterior. Percebe-se, evidentemente, que Novarina não produz uma dramaturgia convencional. Não está empenhado em contar uma história, falar de um determinado personagem, mas talvez objetive liberar as comportas do inconsciente para, através de uma permanente manipulação da linguagem, expressar idéias e sentimentos. Até aí, tudo bem. Só que tais idéias e sentimentos, dada a forma como são expostos, me permitiram, no máximo, fugazes momentos de entendimento. Em contrapartida, algumas passagens me tocaram muito, sem que eu saiba exatamente por quê. Mas não deixa de ser um progresso de minha parte e assim posso supor que, num próximo encontro com Novarina, deixe o teatro com um grau menor de perplexidade.

Quanto à montagem, Thierry Trémouroux impõe à cena uma dinâmica ao mesmo tempo austera e inventiva, lançando mão de poucos elementos mas sempre deles extraindo grande expressividade. Esta também se faz presente na atuação de Ana Kfouri, que utiliza sua ótima voz e esplêndida expressão corporal - afora sua inquestionável inteligência cênica - para se entregar totalmente à tarefa de tentar materializar os intrincados conteúdos propostos pelo autor.

Com relação à equipe técnica, Angela Leite Lopes deve ter comido o pão (ou o brioche, se preferirem) que o Diabo amassou para traduzir este texto extremamente complexo, mas o resultado não poderia ser mais brilhante. Renato Machado ilumina a cena com sua habitual competência e sensibilidade, cabendo ainda destacar a abstrata e lírica cenografia de Desiré Bastos - também responsável pelo correto e funcional figurino - e a música original de Ana Kfouri.

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