segunda-feira, 6 de julho de 2009

Emoção e técnica

Peter Brook

A mais difícil de todas as tarefas para um ator é a de ser sincero, embora imparcial - ele é condicionado a encarar a sinceridade como o fator mais importante. Essa palavra gera uma grande confusão devido às suas implicações morais. De uma certa forma, a característica mais forte dos atores de Brecht é o grau de sua "falsidade". Somente através da imparcialidade é que um ator consegue enxergar seus próprios clichês.

Armadilha

Existe uma perigosa armadilha na sinceridade. Em primeiro lugar, um jovem ator descobre que seu trabalho é tão exigente que requer dele certas habilidades, como, por exemplo, ter boa voz, um corpo que obedeça às suas ordens, noção de tempo e não se deixar levar pelo acaso. Por isso, procura uma técnica e, logo, adquire uma habilidade que pode se tornar facilmente motivo de orgulho e uma finalidade em si mesma. Dessa forma, isso passa a ser uma aptidão sem qualquer outro objetivo que não seja demonstrar esperteza - em outras palavras, a arte se torna falsa. Ao observar a falsidade dos veteranos, o jovem ator se sente desgostoso. Ele busca a sinceridade.

Carga

Sinceridade é uma palavra com uma carga semântica muito grande, como limpeza, que traz consigo associações infantis de bondade, sinceridade e decência. Isso parece um bom ideal, um objetivo melhor do que o de adquirir cada vez mais uma técnica, e, como sinceridade é um sentimento, é fácil perceber quando alguém está sendo sincero. Portanto, existe um caminho a ser seguido: alcança-se a sinceridade através da "doação" emocional, da dedicação, da honestidade, de uma abordagem livre. Como dizem os franceses, é preciso "mergulhar de cabeça".

Catástrofe

Infelizmente isso pode muito bem resultar numa representação catastrófica. Em qualquer outro tipo de arte, não importa quão fundo se mergulhe no ato de criar, é sempre possível afastar-se e observar o resultado. Quando um pintor dá uma passo atrás para observar sua tela, outras faculdades mentais entram em ação e o advertem de seus excessos. A cabeça de um treinado pianista está fisicamente menos envolvida do que seus dedos e, por mais que ele "se deixe levar" pela música, seus ouvidos possuem seu próprio grau de imparcialidade e controle objetivo.

Dificuldades

O ato de representar é, de várias maneiras, único em suas dificuldades, pois o artista tem que utilizar o material traiçoeiro, mutável e misterioso de si mesmo, como agente intermediário. Exige-se que esteja completamente envolvido, embora distanciado, neutro sem transmitir neutralidade. O ator tem que ser sincero e falso: tem que praticar como ser falso com sinceridade e como mentir honestamente. Isso é quase impossível, mas é essencial e quase sempre ignorado.

Doutrinas

Frequentemente, também - não por sua culpa, mas, sim, das malditas escolas das quais o mundo está cheio - estruturam seu trabalho sobre doutrinas que nada valem. O grande sistema de Stanislavski que pela primeira vez abordou, de forma completa, a arte de representar do ponto de vista da ciência e do conhecimento, trouxe tantos prejuízos como benefícios a muitos iniciantes que o interpretaram erroneamente nos detalhes, servindo apenas para gerar ódio. Depois de Stanislavski, os textos de Artaud, mal lidos e pouco assimilados, levaram ao conceito ingênuo de que o compromisso emocional e auto-exposição feitos de forma resoluta é o que realmente conta. Essa crença é agora ainda mais fomentada pelos trechos mal assimilados e mal compreendidos de Grotowvski.

Naturalismo

Existe, hoje, uma nova forma de representação sincera que consiste em vivenciar todas as coisas através do corpo. Trata-se de um tipo de naturalismo. Segundo as regras do naturalismo tradicional, o ator tenta imitar as emoções e os atos do dia a dia e viver o seu papel. Nesse outro tipo de naturalismo, o ator se entrega completamente a seu comportamento imaginário. É aí que ele se engana. Só porque o tipo de representação com a qual está envolvido parece ficar no outro extremo do naturalismo ultrapassado, acredita também estar distante desse estilo desprezado. Na verdade, aborda a paisagem de suas próprias emoçõpes com a convicção de que todos os detalhes precisam ser reproduzidos com exatidão. Assim, nunca cria nada de original. Na maioria dos casos, o resultado é fraco e pouco convincente.

Desprezo

Existem grupos de atores, principalmente nos Estados Unidos, influenciados por Genet e Artaud, que desprezam todas as formas de naturalismo. Ficariam indignados caso fossem chamados de atores naturalistas, mas é exatamente isso que limita sua arte. Empenhar cada fibra de seu ser em uma ação pode parecer uma forma de envolvimento total, mas a verdadeira exigência artística pode ser ainda mais rigorosa e necessita de menos manifestações ou de manifestações bem diferentes. Para entendermos isso, precisamos considerar que, juntamente com a emoção, existe sempre um papel a ser exercido por uma inteligência especial, que não está lá desde o começo, mas que tem que ser desenvolvida como um instrumento de seleção.

Distanciamento

É preciso haver distanciamento e, especialmente, são necessárias determinadas formas difíceis de serem definidas, mas impossíveis de serem ignoradas. Por exermplo, os atores podem simular uma luta com total abandono e violência genuína. Todo ator é capaz de representar uma cena de morte e ele se entrega a ela com tal abandono que nem sequer percebe que não conhece absolutamente nada sobre a morte.

Teste

Na França um ator, ao fazer um teste, pede que lhe mostrem a cena mais violenta da peça e, sem receio, mergulha nela a fundo para demonstrar seu ritmo. O francês, na representação de um papel clássico, abre suas asas e mergulha na cena, medindo o sucesso ou fracasso da noite pela intensidade com que se entrega às suas emoções e pelo grau de sua carga interior e, desse ponto em diante, acredita em musas, em inspiração e assim por diante. O ponto fraco de seu trabalho é que, desta forma, ele tende a representar generalizações, o que significa que, nas cenas de raiva, ele se deixa levar por sua raiva; ou melhor, mergulha em sua raiva e esta o guia através da cena.Isso pode dar a ele uma certa força e até mesmo, às vezes, um certo poder hipnótico sobre o público, poder esse falsamente considerado "lírico" e "transcendental".

Escravo

Na verdade, esse ator torna-se escravo de sua paixão e é incapaz de desligar-se dela caso uma mudança sutil exija algo de novo. Em um trecho que contenha tanto elementos naturais quanto líricos, ele declama como se todas as palavras tivessem a mesma carga. É essa inépcia que faz os atores parecerem estúpidos e representações grandiosas parecem irreais.

Banal

Jean Genet quer que o teatro saia do banal e, por isso, escreveu uma série de cartas a Roger Blim, quando este estava dirigindo "The screnns", pedindo-lhe que levasse os atores ao "lirismo". Isso parece muito bom na teoria, mas o que vem a ser lirismo? O que é uma atuação "fora do comum"? É necessário ter-se uma voz especial, uma maneira eloquente? Os velhos atores clássicos parecem cantar suas falas. Será isso a relíquia de uma antiga e reconhecida tradição? Até onde a busca por uma forma constitui aceitação da artificialidade?

Problemas

Esse é um dos maiores problemas que enfentamos hoje, e, enquanto insistirmos em acreditar secretamente que máscaras grotescas, maquiagens pesadas, figurinos majestosos, declamações, movimentos de balé são, de certo modo, "ritualísticos" por si mesmos e consequentemente, líricos e profundos, jamais sairemos da rotina tradicional do teatro.

Linguagem

Pelo menos, pode-se ver que tudo é uma linguagem para alguma coisa, e nada é uma linguagem para tudo. Cada ação ocorre por si mesma e é análoga a alguma outra. O ato de amassar uma folha de papel é um gesto completo em si próprio. Pode-se até permanecer no palco, mas o que realmente se precisa é não mais do que aquele gesto. Pode ser também uma metáfora. Quem assistiu a Patrick Magee rasgar lentamente em tiras seu jornal, como na vida cotidiana, ainda que de forma ritualística, na peça "Festa de aniversário", de Pinter, entenderá o significado disso.

Ilustração

Uma metáfora é um sinal e uma ilustração - portanto, é um fragmento de linguagem. Cada tom da fala, cada padrão rítmico é um fragmento de linguagem e corresponde a uma experiência diferente. Em geral, nada é mais horrível do que um ator de boa formação, recitando um verso; é lógico que existem regras acadêmicas de métrica que podem ajudar a esclarecer certas coisas para o ator num determinado estágio de seu desenvolvimento, mas, finalmente, ele deve descobrir que os ritmos de cada personagem são tão distintos quanto as impressões digitais. Então, ele precisa aprender que cada nota da escala musical corresponde...a quê? Isso ele também precisa descobrir.
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O mesmo do artigo que se segue

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