Teatro na Educação
Maria Clara Machado
Neste artigo vamos abordar dois aspectos do teatro na educação: o teatro-jogo e o teatro-espetáclo. Ambos com a mesma finalidade: desenvolvimento da criatividade. Facilitar este desenvolvimento é a tarefa de todo bom educador. Ora, a educação, ou melhor, a instrução que vínhamos adotando, até bem pouco tempo, não fazia outra coisa a não ser cercear a capacidade de criar. Pensava-se que para bem integrar um homem na sociedade bastava ensiná-lo a ser igual a todos os outros. Não está muito longe a época em que, nas aulas de desenho, o aluno era obrigado a copiar cabeças de estátuas gregas ou figuras geométricas...Aquele que tivesse vontade de pintar uma árvore ou apenas borrar o papel era reprimido e se sentia marginalizado, diferente.
Esta diferença, no entanto, é o que o fazia ÚNICO, diferente, no meio de outros diferentes, para que cada um sozinho pudesse procurar a própria solução, hoje para o desenho de uma árvore, amanhã para o próprio desenvolvimento. Entregar à criança soluções prontas é desestimulá-la a criar. Criar é uma atividade permanente, que não dá diploma mas uma sensação de constante caminhar para uma plenitude de existência.
Garanto que muita criança gostaria de descobrir um dia que dois e dois fazem cinco, só pelo prazer de descobrir sozinha uma coisa única. Educar não é fazer a criança abrir os olhos para um determinado saber, pré-estabelecido pelo professor, com soluções prontas que o aluno terá que forçosamente aceitar junto com todos os outros para melhor funcionamento da sociedade e para o seu próprio bem.
Educar É FAZER A CRIANÇA ABRIR OS OLHOS PARA O MUNDO QUE A RODEIA e dar-lhe a possibilidade de se maravilhar com cada nova descoberta que ela mesma vai fazendo do mundo que a cerca. Esta capacidade, hoje, só o poeta conserva. O que é uma pena! Sensível para o mundo que descobre, a criança será também sensível para os outros homens, para as ciências, para as artes, para o prazer de viver. Despertar no aluno a NECESSIDADE de uma atividade criadora é a grande tarefa do professor, é chamar a atenção do aluno sobre sua capacidade de inventar e transformar.
O JOGO DRAMÁTICO
Diga a uma criança: "Você hoje é o vento" ou "Faça uma árvore nascendo da terra e depois comece a conversar com seu colega".
- Conversa de que?
- Conversa de gente com árvore.
A criança entra logo no jogo. Não discute se árvore fala, se vento é "fazível", se...se...Ela começa a odiar. E o professor, observando-a, também se enriquece.
A aplicação do jogo dramático na terapêutica é assunto para psicólogos, mas é fácil verificar o que o jogo mostra das necessidades psicológicas da criança: desinbição, liberação da agressividade mal controlada, da falta de amor e da ânsia de viver! "Fazendo de conta", a criança está muito mais perto da verdade do que verbalizando seus problemas com uma psicóloga.
Da liberação da agressividade através do jogo dramático, tenho um exemplo esclarecedor entre crianças de 10, 11 e 12 anos. A monitora pede às crianças para inventarem uma história de índios e representarem. As crianças se dividem em vários grupos e começam a trabalhar. À disposição delas estão um malão com roupas velhas e material de cena: tambores, chapéus, espingardas, panelas etc; 15 minutos depois, começa a representação.
Elas geralmente fazem questão de dizer que estão fazendo teatro. O palco lhes atrai muito. São artistas e querem ser como os grandes da televisão. O fato de saberem que estão representando as deixa ainda mais livres para expressarem o que estão sentindo. Isto, aparentemente, as distancia de seus próprios problemas deixando a imaginação trabalhar e o inconsciente agir.
Muitos grupos mostraram histórias de índios, como cantorias, quase sempre baseados no que aprendiam na escola. Um dos grupos, porém, resolve apresentar uma tribo de antropófagos que se deliciavam num banquete em que comiam seus pais! A monitora, indecisa: será educativo? Deixo continuar o jogo livremente para ver no que dá ou interrompo e dou uma lição de moral sobre o respeito devido aos pais, etc. etc.?
A monitora preferiu aguardar o final. As crianças que assistiam ao jogo estavam também se deleitando. Ao terminar o jogo tudo voltou ao normal e os "índios antropófagos" e seu pequeno público, entusiasmado, estavam felizes por terem feito uma "brincadeira" de teatro. A monitora conversou sobre a disciplina no jogo, a maneira teatral que elas estavam representando, etc., e observou por si mesma que era melhor que as crianças jogassem numa história de faz-de-conta a agressividade contida e natural do que se tornassem adolescentes recalcados, impossibilitados de extravasarem seus sentimentos escondidos. É claro que nenhuma daquelas crianças queria seus pais mortos ou maltratados, apenas o jogo dramático foi uma maneira simbólica de liberar a agressividade natural mas proibida em relação aos pais.
Escolhendo temas sobre pais e mestres, as crianças descarregaram ressentimentos que o sentimento de culpa escondia e que o jogo libera porque é apenas "uma brincadeira de teatro". No teatro o aluno que faz papéis de autoridade geralmente leva enormes surras, ou sermões. Um grupo de meninas, uma vez, criou numa improvisação um bando de avós que resolveu assaltar um banco porque não tinha nada para fazer. No final do assalto as "velhinhas" se arrependeram e resolveram fazer alguma coisa na vida, para não assaltarem mais bancos, então abrem uma casa de flores!
Há também os jogos em que a criança transborda sentimentos de plenitude, de amor e de camaradagem. A redescoberta da natureza através de sua identificação com os elementos ou com os animais, nos jogos dramáticos, dá à criança a oportunidade de reavivar a sensibilidade, redescobrindo sensações perdidas.
Muito importante, na aplicação do jogo dramático, é a solução pessoal. Em cada situação dada, em cada história, mesmo com a solução pré-estabelecida pelo monitor, a criança deve encontrar a própria maneira de ver e sentir.
Para desempenhar bem o jogo dramático a criança tem que aprender a observar. Ao repetir a situação imaginada, ela é solicitada a VER. O mundo da criança vai se alargar, aguçando a observação: árvores, animais, mar, rio, vento, chuva e estrelas entram no pequeno grande universo da criança. Daí para a vida cotidiana é um passo: a rua, a cidade, os homens e seus sentimentos, tudo é material para a recriação, no palco, de uma situação dramática.
A aplicação do jogo dramático no estudo é de valor incalculável. Pode ser aplicado no estudo da música e até mesmo da ciência. Há alguns anos a CASES (MEC) tentou uma experiência fascinante nas escolas do Estado da Guanabara. Foi aberto um concurso entre as escolas, cada uma teria que apresentar uma dramatização sobre "Entradas e Bandeiras". Virginia Valli, uma das examinadoras do concurso, concluiu:
"A finalidade do concurso - contribuir para o conhecimento do fato histórico - repercutiu intimamente nos estudantes de nível primário, removendo a indiferença pelo estudo do tema, sendo tal finalidade plenamente atingida. Apesar das falhas observadas, os resultados levam a recomendar a dramatização espontânea como método a ser usado no ensino da matéria pelo vivo interesse demonstrado pela criança pela 'brincadeira de bandeirante', além de haver facilitado o trabalho da professora quanto à pesquisa do conhecimento e outras atividades. Houve oportunidade de verificar de que maneira o fato histórico repercutiu no espírito da criança, levando-a a sentir e incorporá-lo à sua experiência".
Jogando-se inteira, numa representação dramática, a criança está liberando anseios, fantasias, frustrações, desejos e sua visão do mundo.
Mas é muito importante que a dramatização espontânea seja uma atividade somente das crianças, sem se visar a um espetáculo ou qualquer forma de exibicionismo. Expor a criança à crítica ou mesmo aos aplausos de uma platéia seria desvirtuar o jogo, que deixaria de ser espontâneo. Uma representaçlão teatral com público, feita por crianças, não passa de uma imitação mal feita de espetáculos de adultos, onde o papel decorado é dito de uma maneira formal, (ensaiada pela professora) e limitado pelo texto e pela marcação.
Além de cercear a criatividade infantil o espetáculo teatral decorado, visando uma platéia sobretudo formada de pais complacentes, é uma escola de exibicionismo, uma competição desleal entre os pequenos atores. Geralmente os melhores papéis são dados (é justo, desde que vise ao espetáculo) aos mais desinibidos, isto é, aos mais "exibidos". O tímido e o retraído, o que talvez mais necessite do jogo dramático, é abandonado em nome do sucesso do espetáculo. E resta ainda o problema das roupas caras que nem todos os alunos podem pagar, criando-se a casta dos que podem representar porque tem uma situação econômica melhor.
A criança tem a tendência normal de imitar espetáculos de televisão, cinema ou teatro. Isto não tem importância. Deixemos que ela mesma tenha sua concepção "de como fazer", que ela mesma tente imitar o que viu e gostou. Imitando, sem o auxílio da professora, ela estará ainda criando. Os trechos que mais a impressionaram, os atores com os quais ela mais se identificou são transportados para a cena numa visão infantil e pessoal idealizada. O resultado, muitas vezes, é desastroso do ponto de vista artístico, porém é uma maneira saudável de deixar a criança livre para extravasar sua maneira de perceber o mundo.
O teatro infantil do TABLADO é uma fonte constante de inspiração para as crianças. Cada peça montada pelo grupo é assunto para todo um ano de atividades de jogos dramáticos entre as crianças. Em 1971, não havia atividade dramática entre os alunos dos cursos do TABLADO que não contasse com bandidos e mocinhos, índios e canções, provenientes da história de Tribobó City (peça montada pelo TABLADO).
TEATRO-ESPETÁCULO
Teatro-espetáculo é o teatro feito por adultos para as crianças.
Se o jogo dramático libera a criatividade, o espetáculo teatral alimenta essa criatividade. Um espetáculo bem feito é um estímulo inesgotável para a sensibilidade da criança. A emoção artística leva a criança a um mundo de fantasia e de sonho que corresponde o que busca sua alma em desenvolvimento. Num espetáculo bem feito há perfeito entendimento entre os anseios ainda desconhecidos da criança e a realidade inexplicável do mundo misterioso que a rodeia.
O mistério teatral é justamente esta idenficação profunda de cores, ritmos, música, movimento e palavra com a alma do espectador. Antonin Artaud diz que teatro é poesia em movimento no espaço. O público espera este momento de poesia. E que público mais capaz, mais pronto para captar esta poesia solta no espaço que a criança? Se ela vive no mundo do faz-de-conta, transformar este faz-de-conta em realidade é tarefa de todo educador-criador.
É difícil, nesta década de computadores, provar a importância do espetáculo teatral bem feito na alma da criança. Não há estatística que mostre o maior ou menor grau de sensibilidade captado numa sala de teatro. Mas, para o observador sensível, a transformação que sofre o pequeno público durante um espetáculo é inesquecível! E talvez esta seja a grande emoção do realizador.
Quando eu fazia teatro de marionetes, via crianças emocionadas esperando o fim do espetáculo, para tocarem nos bonecos. Silenciosas, graves, elas chegavam perto dos personagens para melhor se "entenderem".
Entre os jovens que fazem teatro para crianças há uma grande confusão sobre o que é comunicação. "Comunicação" é hoje uma das palavras mais usadas do vocabulário. Fazem-se cursos, palestras, reportagens, em busca do significado da palavra mágica. Televisão, teatro, cinema, rádio é comunicação...Grito, berro, surra, pancadaria, auto-falante, sexo...também é comunicação. Talvez o homem esteja aperfeiçoando demais os "veículos" da comunicação e descuidando da mensagem.
Apesar de todas as teorias intelectuais em moda, a criança necessita de um "clima" para receber: o silêncio da sala, as luzes, a música. É necessário se recolher, estar atento. Ela não é um simples aparelho receptor de imagens e palavras vazias. A criança deve ser solicitada a participar ativamente de uma emoção total e não de uma competição esportiva.
Nunca deixei de citar a comovente participação de uma menininha de uns 8 anos num espetáculo de Pluft, o fantasminha, no TABLADO. Quando a mãe do fantasminha perdia tempo, falando ao telefone coisas inúteis com a prima Bolha, enquanto Maribel estava em perigo, Pluft vira-se para a platéia e confessa aflito que aquele era o único defeito de sua mãe. A menina se levanta na platéia e, no meio de total silêncio, grita solidária, comovida: "Não liga não, Pluft, minha mãe também é assim..."
Aquela menina estava realmente se comunicando e se identificando. O problema de Pluft era o dela e assim ela não estava mais só. A tensão em relação à sua mãe estava sendo aliviada através da história de Pluft. O teatro estava lhe dando a oportunidade de descobrir, através de uma emoção, os próprios anseios e problemas.
Na mesma peça, quando Pluft, extasiado ante o choro da menina Maribel, vira-se para a mãe e diz: "Veja, mamãe, a menina está derramando o mar todo pelos olhos", ouvimos de quase todos os espectadores um "Ahhh!". A satisfação do apelo poético da imagem recebida, penetrava através dos sentidos, e se manifestava nesse "Ahhh!". Não é preciso explicar com palavras a imagem...se o público está atento, a comunicação se faz, isto é, comunicação verdadeira, alimento pedido pela sensibilidade do espectador. Estaremos, então, comunicando e não impingindo, forçando um público a nos aceitar ou aceitar nossas idéias, por melhores que elas sejam.
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O presente artigo, aqui um pouquinho reduzido, consta da revista Cadernos de Teatro nº 52/1972, edição já esgotada.
quinta-feira, 30 de julho de 2009
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Parabéns pela escolha Lionel! O artigo é sensacional e me deu ainda mais vontade de fazer teatro para esse lindo público!
ResponderExcluirObrigada por tudo que você posta aqui. Eu sou estudante de teatro e seus posts me ajudam e muito.
Parabéns!
Beijos