quinta-feira, 23 de julho de 2009

Teatro/CRÍTICA

"O língua-solta"

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Monólogo limita ótima proposta


Lionel Fischer


Considerado o primeiro poeta brasileiro ("Prosopopéia") e também o primeiro mestre-escola leigo da colônia, o cristão-novo Bento Teixeira viveu parte de sua vida em Pernambuco, no início do século XVI, sendo famoso não apenas por sua erudição, mas igualmente por sua notória incapacidade de conter a língua - daí o título da peça - sempre que julgava necessário "soltá-la", disparando dardos contra tudo que julgava errado. E tanto falou e questionou que acabou caindo nas garras da Inquisição, vindo a falecer em Portugal, impregnado de saudade de Olinda, que amava sobretudo por suas íngremes e sinuosas ladeiras, que a ele sugeriam "trepar como ninguém".

Eis, em resumo, o enredo de "O língua-solta", que acaba de entrar em cartaz no Centro Cultural Justiça Federal. Miriam Halfim assina o texto, Xando Graça a direção - com supervisão geral de Ricardo Kosovski - e Isaac Bernat interpreta o protagonista, além de dar vida a outros personagens.

Como se vê, trata-se de uma proposta mais do que interessante, já que a maioria das pessoas certamente desconhece a identidade de nosso primeiro poeta, assim como aspectos de sua personalidade e trajetória de vida. E sem dúvida a autora Miriam Halfim consegue preencher esta lacuna, ao menos do ponto de vista da informação. No entanto, no que diz respeito à dramaturgia, a estrutura adotada acaba comprometendo um pouco os méritos da escrita.

Como se sabe, o monólogo é um dos formatos mais ingratos, pois só permite, a grosso modo, duas alternativas: ou o personagem é louco e portanto pode falar sozinho sem maiores problemas, ou se dirige permanentemente à platéia, numa relação quase que confessional. Aqui não estamos diante de um louco e o incômodo decorre não da permanente relação que o protagonista estabelece com o público, mas de passar quase todo o tempo dialogando com pessoas que não são vistas - o ator fala, dá uma pausa e reage em seguida em função do que supostamente ouvira. Essa estrutura não soa convincente, por melhor que a materialize Isaac Bernat - às vezes o ator incorpora outros personagens, sempre evidenciando seu enorme talento.

Em função do que acaba de ser dito, a direção de Xando Graça tenta driblar essas limitações criando marcas não raro bastante expressivas e utilizando com sensibilidade todas as possibilidades do expressivo e soturno cenário. Seu trabalho como encenador, portanto, merece ser considerado muito bom - a única ressalva que fazemos diz respeito a algumas pausas excessivamente longas, mas estas decorrem, em sua maioria, em função do texto, já que Isaac Bernat tem que trocar de roupa algumas vezes ou sugerir que está se dirigindo a outro lugar.

Com relação ao intérprete, Isaac Bernat é sem dúvida um dos melhores atores de sua geração e aqui exibe, mais uma vez, seus grandes predicados expressivos - presença, carisma, ótima voz, apurado trabalho corporal e invulgar capacidade de estabelecer imediata empatia com a platéia.

Com relação à equipe técnica, já mencionamos o caráter soturno e expressivo da cenografia, assinada pela talentosa Lídia Kosovski. Destacamos também o irrepreensível figurino de Ney Madeira e sobretudo a soturna iluminação de Aurélio de Simoni, que em muito contribui para enfatizar os muitos climas emocionais em jogo. Cabe ainda destacar a ótima preparação corporal feita por Helena Varvaki e a direção musical de Marcelo Alonso Neves.

O LÍNGUA-SOLTA - Texto de Miriam Halfim. Direção de Xando Graça. Com Isaac Bernat. Centro Cultural Justiça Federal. Quartas e quintas, 19.

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