quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Teatro/CRÍTICA

"A mecânica das borboletas"

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Amargo reencontro no CCBB


Lionel Fischer


Um belo texto de Walter Daguerre está inserido no programa distribuído ao público e nele o autor explicita as razões que o levaram a escrever "A mecânica das borboletas". Em resumo, expõe uma contradição: se por um lado deseja uma vida pacífica, isenta de tecnologias e dos turbilhões inerentes aos grandes centros urbanos, por outro lado também almeja uma existência eletrizante e sempre renovada, o que implicaria em sair pelo mundo e conhecer o maior número possível de países.

E esta dicotomia é o tema central do presente texto, que gira em torno de dois irmãos gêmeos. Rômulo abandona a casa paterna e sai pelo mundo, tornando-se escritor. Remo permanece e, após a morte do pai, assume a oficina mecânica da família. Rosália, a mãe, acaba enlouquecendo, enquanto Liza se une a Remo, ficando implícito que teve uma relação anterior com Rômulo. Passados 20 anos, este retorna, o que deflagra uma série de conflitos.

Eis, em resumo, o enredo de "A mecânica das borboletas", que acaba de entrar em cartaz no Teatro I do CCBB. Paulo de Moraes assina a direção, estando o elenco formado por Ana Kutner (Liza), Eriberto Leão (Rômulo), Otto Jr (Remo) e Suzana Faini (Rosália).

Como se vê, estamos diante de uma idéia com grande potencial dramático - todo retorno, sobretudo após um longo afastamento, é quase sempre problemático, pois dificilmente aquele que regressa se depara com um contexto semelhante ao que deixou. E é exatamente o que ocorre aqui. No entanto, e mesmo ressaltando a força dos diálogos e a pertinência dos temas abordados, ainda assim cabem algumas ressalvas. Vamos a elas.

O fato de Rosália, por exemplo, ter enlouquecido, não constitui problema algum, como também não constitui nenhum entrave o fato de confundir o filho que retorna com o marido falecido. Mas não encontrei nenhuma razão aceitável para, logo em seguida, a mãe reconhecer o filho - se estava realmente louca, o texto teria que construir uma seqüência mais elaborada para justificar sua súbita lucidez. 

Outra questão diz respeito ao personagem Liza. O fato de ela ser veterinária é o de menos, embora tal profissão só ganhe uma mínima relevância quando, lançando mão de um exemplo que ocorre com bovinos, tenta explicar a Rômulo como se dá o processo de afastamento entre uma vaca e seu novilho, bem menos doloroso do que entre uma mãe e seu filho, posto que consumado aos poucos. O que me parece insatisfatório é a dubiedade da personagem. 

Mesmo estando casada com Remo há 20 anos, basta Rômulo chegar que ela se entrega a ele sem a menor hesitação. O texto insinua que Liza e Remo não conseguem fazer amor. Mas isso sempre ocorreu ou passou a acontecer mais recentemente? Se foi sempre assim, aí ficaria mais crível a cena de amor entre Liza e Rômulo - ambos transam duas vezes, sendo que na última Remo observa o casal e aí decide se separar da mulher.

Mas esta abstinência não fica clara, como também não cheguei a perceber se havia ou não algum amor entre Liza e Remo. Deveria haver, ao menos em princípio, já que quando Remo expulsa Liza de casa ou ameaça ir embora se ela não partir, Liza argumenta que ele não pode destruir assim uma relação de 20 anos. Mas que relação, afinal?

Quanto aos dois irmãos, aí Walter Daguerre constrói dois ótimos personagens e seus embates, que a princípio sugerem diferenças abissais entre ambos, finalmente acabam revelando inegáveis semelhanças. E ambos, cada qual a seu modo, acabaram pagando um preço por suas escolhas, ainda que diametralmente opostas.

Quanto ao espetáculo, Paulo de Moraes dirige a cena com segurança e criatividade. Mas, ao menos na noite em que assisti ao espetáculo, muitos risos eclodiram em passagens que estava assimilando como dramáticas. Teria isto sido proposital ou fui eu que fiz uma leitura completamente equivocada? Realmente, não sei.

No tocante ao elenco, estão em cena profissionais de excelente qualidade, que valorizam ao máximo os personagens que interpretam, mesmo com as ressalvas que fiz a dois deles. Na equipe técnica, considero irretocável as participações de Carla Berri e Paulo de Moraes (cenografia), Maneco Quinderé (iluminação), Ricco Viana (trilha sonora original) e Rita Murtinho (figurinos).

A MECÂNICA DAS BORBOLETAS - Texto de Walter Daguerre. Direção de Paulo de Moraes. Com Ana Kutner, Eriberto Leão, Otto Jr e Suzana Faini. Teatro I do CCBB. Quarta a domingo, 19h.



  

Um comentário:

  1. Me deu uma uma grande vontade de ver a peça. Gostei muito da desenvoltura que vc descreve o texto e o decorrer do drama.

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