sexta-feira, 5 de abril de 2024

 

Teatro/CRÍTICA

 

“Kis me, Kate – O beijo da megera”

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Obra-prima de Cole Porter em versão imperdível

 

Lionel Fischer

 

Ator protagonista e dono de uma companhia teatral, Fred Graham está remontando “A megera domada”, de Shakespeare. Mas enfrenta muitos problemas, sendo um deles a conturbada relação com sua ex-esposa, Lilli Vanessi, no momento noiva de um general. Outra questão, e é ela que dispara a trama, diz respeito a uma dívida de jogo contraída pelo galã Bill em nome do patrão – dois gangsteres aparecem no teatro para cobrar a dívida e não se convencem de que não foi Graham quem perdeu o dinheiro no cassino. Este, então, propõe um acordo aos marginais: se esperarem até o final de semana, a dívida será paga com a bilheteria de “A megera domada”. Mas, para isso, a peça precisa permanecer em cartaz e Lili Vanessi se mostra disposta a ir embora.

Eis, em resumo, o enredo de “Kis me, Kate – O beijo da megera” (Teatro Bradesco), de autoria de Cole Porter (música e letras) e Sam e Bella Spewack (texto). Charles Möeller assina a direção do espetáculo, com Claudio Botelho respondendo pela versão brasileira e supervisão musical.

No elenco, José Mayer (Fred Graham/Petruchio), Alessandra Verney (Lilli Vanessi/Kate), Fabi Bang (Lois/Bianca), Guilherme Logullo (Bill/Lucentio), Chico Caruso (gângster 1), Will Anderson (gângster 2), Léo Wainer (General Harrisson Howell), Jitman Vibranovski (Batista), Ruben Gabira (Paul), Ivanna Domenyco (Hattie), Igor Pontes (Grêmio), Leo Wagner (Hortêncio), Marcel Octavio (Ralph) e Beto Vandesteen (Pops), com os demais interpretando integrantes da companhia teatral – Augusto Arcanjo, Giselle Prattes, João Paulo de Almeida, Lana Rhodes, Mariana Gallindo, Patrícia Athayde, Thiago Garça e Tomas Quaresma.

Um dos grandes achados do presente musical diz respeito à idéia de se criar uma trama em que realidade e ficção se misturam. No original de Shakespeare, “A megera domada”, Petruchio enfrenta (e vence) o desafio de domar a intempestiva Catarina. Aqui a protagonista Lilli Vanessi exibe temperamento muito parecido, o que a leva a travar com Graham embates semelhantes aos dos personagens shakespeareanos.

Mas é claro que só isso não justificaria o enorme êxito de “Kis me, Kate”, o mais celebrado musical de Cole Porter, vencedor do Prêmio Tony de 1949. Além do ótimo libreto de Sam e Bella Spewack, as canções de Porter são simplesmente deslumbrantes, algumas verdadeiras obras-primas, como “I hate man” (¨Homens, não”) e “Where is the life that late i led?” (Cadê a vida que eu vivi?”). E a lista de méritos prossegue, e é extensa.

Com 25 anos de parceria, Charles Möeller e Claudio Botelho chegam aos seu trigésimo sexto espetáculo. E aqui cabe uma breve reflexão. Já escutei, inúmeras vezes, invejosos de plantão alegarem que a dupla faz muito sucesso porque sempre recebe vultosos patrocínios. Em primeiro lugar, cumpre ressaltar que vultosos patrocínios não garantem nenhum sucesso; e se é verdade que Möeller e Botelho têm recebido vultosos patrocínios, mais do que merecidos, não custa nada recordar que seus primeiros espetáculos – “As malvadas” (1997), “O abre alas” (1998) e “Cole Porter – Ele nunca disse que me amava” (2.000) – foram realizados com modestos recursos. Ou seja: começaram com muito pouco e foram progressivamente conquistando a confiança e o apoio de investidores privados e de órgãos governamentais. Será que isso configuraria algum sacrilégio? Para os que acham que sim, sugiro que comecem a fazer análise, de preferência com um profissional da escola lacaniana e no mínimo cinco vezes por semana. Digressão feita, voltemos ao espetáculo.

Como de hábito, a direção de Möller é impecável, precisa no tocante aos tempos rítmicos, plena de marcações diversificadas, imprevistas e criativas, e de intensa e permanente comunicação com o público. Quanto a Botelho, não há ninguém neste país com a sua capacidade de traduzir versos e, mais do que isso, encaixá-los no universo de nossa língua de forma a sugerir que não poderiam ser traduzidos de outra forma – os que dominam o idioma do fabuloso bardo e mantêm salutar convivência com o português haverão de concordar comigo.

Com relação ao elenco, José Mayer exibe aqui sua melhor performance em musicais. Ator completo, Mayer canta maravilhosamente e consegue materializar todos os conteúdos propostos pelos autores, afora evidenciar, como sempre, seu imenso carisma. Alessandra Verney também está estupenda, tanto nas passagens cantadas como naquelas em que o texto predomina. Chico Caruso e Will Anderson compõem uma dupla de gangsteres irresistível, cabendo ainda destacar as performances de Ivanna Domenyco e Fabi Bang, e os excelentes dotes de bailarino de Ruben Gabira. Com relação aos demais, gostaria de enfatizar a preciosa colaboração de todos, sem a qual o espetáculo jamais teria chegado ao patamar de excelência que exibe.

Na equipe técnica, destaco com o mesmo entusiasmo as preciosas colaborações de todos os profissionais envolvidos nesta imperdível empreitada teatral – Marcelo Castro (direção musical e regência), Rogério Falcão (cenografia), Carol Lobato (figurinos), Alonso Barros (coreografia), Marcelo Claret (design de som), Paulo Cesar Medeiros (iluminação), Claudia Costa e Claudio Botelho (tradução dos diálogos) e Beto Caramanhos (visagismo), cabendo também destacar a maravilhosa performance dos músicos Kelly Davis (violino 1), Luiz Henrique Lima (violino 2), Saulo Vignoli (cello), Zaida Valentim (teclado 1), Gustavo Salgado (teclado 2), Raphael Nocchi (Piccolo, clarineta, flauta e sax alto), Gilson Balbino (clarineta e sax alto), Whatson Cardozo (clarone, clarineta e sax barítono), Matheus Moraes (trompete e Flügel), Vítor Costa (trombone), Omar Cavalheiro (contrabaixo) e Marcio Romano (bateria e percussão).

KIS ME, KATE – O BEIJO DA MEGERA – Músicas e letras de Cole Porter. Texto de Sam e Bella Spewack. Direção de Charles Möller. Versão brasileira e supervisão musical de Claudio Botelho. Com José Mayer, Alessandra Verney e grande elenco.

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