sexta-feira, 5 de abril de 2024

 

Teatro/CRÍTICA

 

“Master class”

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Recriação memorável da diva

 

Lionel Fischer

 

Após cumprir temporada em São Paulo, chega ao Rio de Janeiro “Master class”, de Terrence Mc Nally, que em 1995 levou três prêmios Tony – o Oscar do teatro norte-americano -, inclusive o de melhor espetáculo. Protagonizada por Marília Pêra, que divide a direção da temporada carioca com Fábio Namatame, a montagem (Teatro do Leblon) conta ainda com os cantores líricos Caio Ferraz (que atua como pianista), Isabel Batista, Julianne Daud e Frederico Vieira, além de Kléber Brandão no papel de um contra-regra.

Abandonada por Onassis, já sem voz e em plena decadência, Maria Callas deu aulas – que mesclavam palestra e prática – na Julliard School of Music de Nova York em 1971 e 1972, freqüentadas por alunos adiantados e celebridades. Mas em função da depressão que a dominava, Callas evidenciava um humor tão corrosivo que gerava pânico nos alunos. Este fato real constitui a espinha dorsal do texto – por sinal, excelente – e a ele deve ser creditado os muitos risos da platéia, que se delicia com os incontáveis “foras” dados pela diva.

Entretanto, Mac Nelly teve o bom senso de explorar também o lado mais humano de uma personalidade que combinava vigor e fragilidade em doses equivalentes. Isto se dá através de recordações que, trabalhadas de forma algo delirante, revelam algumas das principais carências e angústias da maior cantora lírica de todos os tempos.

A dupla de diretores estabelece uma dinâmica cênica que, em total consonância com o material dramatúrgico, tem na simplicidade a sua tônica. Excetuando-se as passagens em que imagens são projetadas ao fundo, quando o clima do espetáculo adquire uma atmosfera algo irreal, no geral tudo ocorre como se os espectadores fossem alunos do curso. Assim, o que de fato importa é a relação que se estabelece com a protagonista. E esta encontra em Marília Pêra uma intérprete diante de quem os mais generosos adjetivos se amesquinham.

Não é de hoje que tenho a plena convicção – só refutada por invejosos natos ou hereditários, como dizia Nelson Rodrigues – de que poucas atrizes, em qualquer parte do planeta, têm o magnetismo, o domínio vocal e corporal desta fantástica intérprete. E quando as condições permitem que seu talento de exceção encontre campo para expandir-se, o resultado acaba tornando ingrata a tarefa de esmiuçá-lo em palavras. Mas como esta é a minha função, não custa tentar.

De acordo com o release enviado à imprensa, Marília e sua equipe leram vários livros sobre a cantora, assim como assistiram a vídeos que imortalizaram sua carreira. Isto forneceu à atriz o indispensável embasamento para a refinada composição que exibe. Mas que ninguém imagine que Marília se propôs a copiar o modelo, o que só interessaria a uma intérprete possuidora de parca fantasia. Não: o que se vê em cena é a recriação do mito, feita por uma artista de fina sensibilidade e dotada de imensos recursos expressivos.

Tudo surpreende na atuação de Marília: a forma como inflexiona o texto, a cadência das frases, as pausas, a imprevista e sempre pertinente valorização de algumas palavras, a esmerada composição física – neste particular, cabe destacar a expressividade de suas mãos e a maneira como posiciona o corpo para ressaltar determinados conteúdos. E se a tudo isto somarmos o carisma e presença cênica da atriz, o resultado só poderia ser uma atuação que o público carioca jamais esquecerá.

Quanto aos demais intérpretes, os cantores Isabel Batista, Julianne Daud e Frederico Vieira exibem belas vozes, cumprindo com correção seus papéis de alunos “massacrados”. Ao piano, Caio Ferraz exibe técnica e mostra ser um acompanhante primoroso. Kléber Brandão executa com bom humor o contra-regra algo desajeitado. Com relação à equipe técnica, esta atua com segurança e eficiência, cabendo destacar os figurinos de Fábio Namatame, a iluminação de Aurélio de Simoni e sobretudo a preparação corporal feita por Ricardo Napoleão.

MASTER CLASS – Texto de Terrence Mc Nally. Direção de Marília Pêra e Fábio Namatame. Com Marília Pêra, Isabel Batista e outros. Teatro do Leblon.

 

 

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